Artigo publicado na Espaço Rural nº152
Este texto constitui a primeira parte de um artigo que, pela vastidão e complexidade da matéria em análise, será publicado em duas edições da Revista Espaço Rural: a presente e a próxima.
Após a crise dos mercados agroalimentares de 2008 e 2009, as projeções demográficas da FAO para as próximas décadas e o acentuar do foco político nas questões ambientais e climáticas, os debates em torno da agricultura têm-se centrado na forma, ou melhor, nas formas, como esta atividade irá conseguir
alimentar uma população mundial crescente, sem roturas de abastecimentos, em condições higiossanitárias seguras e a preços acessíveis. Mas isso não basta: terá de o fazer no quadro de um vasto e incontornável conjunto de restrições ditadas pelas políticas públicas ambientais e de combate às alterações climáticas.
O presente artigo não tem a pretensão de ir mais além do que equacionar sinteticamente as variáveis deste magno problema, incluindo nelas, naturalmente, as estratégias da União Europeia (U.E.) para lidar com ele e, naturalmente, a situação específica de Portugal, com os problemas que tem para resolver na
sua agricultura.
I – CONTEXTO
Desde que existe, a espécie humana teve que enfrentar o desafio da sua alimentação, que durante milénios era equivalente ao da sua sobrevivência.
De coletor, caçador e pescador evoluiu para agricultor quando descobriu as técnicas da sementeira e do cultivo e aprendeu a domesticar os animais. Com essa evolução reduziu riscos e incertezas, sedentarizou-se e foi evoluindo lentamente para um povoamento urbano que hoje em dia se apresenta bastante
problemático.
Assim como foi evoluindo tecnicamente, desde a introdução do arado 4.000 anos antes de Cristo (Castro Caldas, 1998), até à introdução da máquina a vapor no século XVIII e da maquinaria subsequente nos séculos XIX e XX (Grigg, 1978). Melhorou a sua capacidade alimentar quando introduziu o cultivo da batata e do milho, provenientes das Américas. Foi capaz de inventar a Revolução Verde de meados do século XX, que integrou variedades híbridas de plantas com uma utilização intensiva de factores como água e fertilizantes sintéticos. Revolução esta que permitiu baixar drasticamente o custo da alimentação,
tirar da fome milhões de pessoas e permitiu a explosão demográfica no mundo inteiro, especialmente na Ásia.
A Revolução Verde marcou indiscutivelmente a consolidação de um novo paradigma tecnológico da agricultura, o qual é ainda hoje largamente predominante no mundo inteiro. Foi graças às técnicas e instrumentos integrantes deste paradigma que a população mundial chegou aos 8 mil milhões em finais de 2022 e se prevê chegue aos 10 mil milhões em 2050. Não foi, porém, isento de custos, sendo cada vez mais evidentes os de natureza ambiental e climática, como sejam a contaminação dos solos e das águas, a perda de biodiversidade ou as emissões de gases de efeito estufa (GEE).
É, assim, cada vez mais evidente a insustentabilidade a longo prazo deste paradigma tecnológico, sob pena de ter custos ambientais incomportáveis para a própria humanidade e de, inclusivamente, poder começar a ter rendimentos decrescentes à escala para determinados factores de produção. Compatibilizar todas estas variáveis é o grande desafio que se coloca à atual geração e às que lhe seguirão.
E quando chegamos ao ponto de discutir soluções, temos de tudo, como sempre acontece em situações graves: desde as teses negacionistas, que consideram que o problema não existe; até às visões escatológicas das suas antípodas, que no limite vêm a agricultura apenas como produtora de bens ambientais, advogando o fim da pecuária, da produção intensiva e defendendo novas formas de alimentação, como produtos sintéticos ou derivados de vermes, gafanhotos ou outros insetos…Como em tudo na vida, a verdade estará algures no meio, sendo previsível que as soluções passem por um mix de muita coisa, incluindo alguns trade-off entre bens económicos e bens ambientais. E, incontornavelmente, num quadro de longo prazo, já que mudar de paradigma não é algo que se faça com um estalar de dedos…
Artigo publicado originalmente em CONFAGRI.