Qual a sua imagem do Alentejo? Uma infinita planície bucólica com gado a pastar entre azinheiras e sobreiros dispersos? Prepare-se para uma paisagem bastante diferente. Já na sua próxima viagem as árvores podem ter desaparecido, e entra num admirável mundo novo de milhares de hectares contínuos de paisagem forrada a painéis solares e a estufas, ladeado de riscas intermináveis de olival. A paisagem é um bem público. Mas quem a gere? Um grupo de investigadores ligados a várias instituições, e identificados no fim deste artigo, reflete sobre o assunto
A paisagem entrou no léxico do Governo. No final do passado mês de julho, o Primeiro-Ministro anunciou a criação de 47 Áreas Integradas de Gestão da Paisagem e a elaboração de Planos de Transformação da Paisagem para locais onde tem aumentado a perigosidade de incêndio. Contudo, muitas outras paisagens têm mudado rapidamente sem que o Estado intervenha.
Será que no Alentejo, por exemplo, onde os incêndios não são um problema de monta, a paisagem não tem de ser gerida? A verdade é que são muitos os exemplos em que a ausência de concertação de decisões sobre o território se reflete negativamente na paisagem. Isto, paradoxalmente, ao mesmo tempo que se promove a qualidade e a identidade da paisagem como uma mais-valia fulcral para a atratividade turística da região. Afinal, quem assume a responsabilidade de promover a qualidade das nossas paisagens e das que queremos deixar aos nossos filhos e netos? Analisemos algumas situações concretas.
A EXPANSÃO DO OLIVAL NO ALENTEJO
A concretização do plano de infraestruturação do Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva data de 2008. As condições criadas de disponibilidade e preço da água são favoráveis à instalação de culturas de regadio. A transformação da paisagem por via das alterações nos sistemas produtivos previsível. Também previsível era que essas alterações fossem rápidas e intensas. A área de olival regado aumentou quase oito vezes em apenas 8 anos: de 8 991 ha em 2011 para 63 152 ha em 2019.
Nessa área passou-se de 1% em linha, em 2015, para 40%, em 2019. Há mais de dez anos instalou-se no concelho de Ferreira do Alentejo o maior olival intensivo com mais de 5200 ha. O que foi pensado na administração pública para gerir esta transformação? Nada, ou praticamente nada. Qual a dimensão máxima de uma mancha contínua de olival? Qual a proximidade aceitável de um novo olival aos aglomerados? Que manchas de vegetação natural ou seminatural devem ser preservadas ou melhoradas, de modo a garantir a conectividade ecológica e a manutenção da biodiversidade?
Sucede, porém, que num contexto de ausência de regulamentação específica e de ação pública proativa, as transformações da paisagem agrícola são exclusivamente orientadas por interesses privados.
O PERÍMETRO DE REGA DO MIRA
O Aproveitamento Hidroagrícola do Mira (AHM) foi constituído na sequência da primeira fase do Plano de Rega do Alentejo de 1952. Tem uma uma área regada de cerca de 7 000 ha. Neste caso o problema é a compatibilização de uma agricultura intensiva, em grande parte desenvolvida em estufa, com a conservação dos valores naturais que justificaram a criação do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina em 1988.
Sucedem-se orientações contraditórias. Por exemplo, a RCM n.º 179/2019 estabelece que: “As áreas a ocupar por estufas, túneis elevados, túneis e estufins, para produção agrícola protegida no AHM, ficam limitadas a uma percentagem máxima de 40% da sua área total, sendo que a área de estufas não pode ultrapassar os 30%”, ou seja, três a quatro vezes mais do que estava instalado em 2019.
Ao mesmo tempo, sucedem-se grupos de trabalho sobre esta área de regadio na administração pública na tentativa de compatibilização de planos e programas de ordenamento dos vários sectores. Sem sucesso. […]
Teresa Pinto Correia, MED- Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, Universidade de Évora; Isabel Loupa Ramos e José Antunes Ferreira, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa; José Munoz-Rojas, Nuno Guiomar, José da Veiga e João Tiago Marques, MED- Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, Universidade de Évora; Pedro Pinto, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa; João Ferrão, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa