De sete em sete anos é assim. Quando faltam 2 ou 3 anos para ter início o novo quadro comunitário europeu, começa a discussão pública sobre as novas políticas europeias, que vão definir o próximo período. O atual quadro comunitário começou em 2014 e acabará em 2020. O próximo período começará em 2021 e acabará em 2027. Por isso cá estamos outra vez a discutir o futuro da Europa, neste caso a nova Política Agrícola Comum (PAC). Este é obviamente um assunto da maior importância para a União Europeia (UE), se não for por outras razões, porque a PAC é responsável por cerca de um terço do orçamento da UE.
O ciclo da discussão é geralmente o mesmo: a Europa faz uma primeira proposta, mais ou menos genérica, mas sempre com “alterações substanciais” e com medidas “inovadoras”. Os Estados Membros reclamam depois das medidas que, no que lhes diz respeito, pioraram relativamente ao quadro anterior, ou seja, em que o orçamento foi reduzido. Normalmente são acérrimos defensores dos interesses nacionais, lutando por cada euro que o país pode vir a ganhar, ou perder, no novo quadro. Depois de ouvidas as posições nacionais, negoceia-se, negoceia-se, negoceia-se, e depois acaba tudo num ponto de encontro qualquer, que se afasta bastante da proposta inicialmente apresentada. Durante este processo muitas das alterações propostas inicialmente acabam, infelizmente, por sucumbir às negociações orçamentais.
Apesar deste ciclo ter sido quase sempre assim, desta vez poderá ser diferente! Eu pelo menos gostava de acreditar que sim. O documento que já foi apresentado por Bruxelas sobre a nova PAC diz que vamos ter novas políticas, de forma a criar “uma agricultura, no futuro, mais inteligente, mais resiliente e mais diversificada”. Diz também que o ambiente e as alterações climáticas vão estar no centro da PAC, e que estas novas políticas irão (finalmente!) conseguir mudar o tecido socioeconómico das áreas rurais. A proposta diz que tudo isto vai ser conseguido com a “modernização do setor, através da promoção do conhecimento, da inovação e da digitisação da agricultura e das áreas rurais”.
O documento apresentado diz também que a modernização do setor, que está naturalmente na base disto tudo, vai ter indicadores de acompanhamento, porque as novas políticas vão ter metas bem definidas, resultados a alcançar, e os apoios vão estar orientados para a performance das medidas. Vão ser criados indicadores de impacto, indicadores de resultados e indicadores de output. Enfim, indicadores para todas as necessidades, de forma a garantir que tudo acontece como planeado. E mais! Tudo o que esteja relacionado com inovação e conhecimento vai ter uma importância central na nova PAC. Investigação, partilha de conhecimento, apoio aos jovens agricultores e às startups, serviços de apoio à inovação e à digitisação, e por aí fora. A nova PAC deverá, assim, ser mesmo diferente!
Apesar do meu entusiasmo inicial, não consigo deixar de pensar que a história tende a repetir-se, e que corremos o risco de mudar pouco no fim. A “linguagem”, de facto, desta vez é diferente, e as propostas apresentam uma maior rutura relativamente ao passado. Mas tenho a sensação que já passámos por isto, e quando começaram as discussões públicas sobre a nova PAC, no início deste ano, esta sensação acentuou-se. Um exemplo: nos últimos meses têm saído várias notícias nos jornais, e na televisão, sobre a posição de Portugal relativamente à nova PAC. “O Ministro foi a Bruxelas”, “o Ministro defendeu a posição de Portugal”, “vão cortar nos subsídios”, “vão cortar mais aos outros do que a nós”… e é basicamente isto! Já alguém nalguma destas notícias ouviu falar de algum dos temas que referi acima?
Pois o meu receio é este. A prioridade na discussão é sempre o orçamento… e depois o orçamento… e finalmente o orçamento. Se a discussão da nova PAC for igual às anteriores, os próximos tempos vão ser passados sobretudo a discutir orçamentos. Com todos os países, sem exceção, a defenderem de forma aguerrida os seus interesses – os “superiores interesses nacionais”, que estão (obviamente) acima dos interesses europeus. Esta discussão é muitíssimo importante. Isso é indiscutível. Mas a outra também é. A mudança não se faz por decreto. Se não houver iniciativa e muita determinação para mudar a PAC, como é suposto mudar, vai ficar tudo adiado outra vez por muitos anos. Mais concretamente 7 anos. Não vai haver metas nem indicadores que nos valham.
O estado frágil em que a União Europeia se encontra pode dificultar esta discussão, mas também pode criar oportunidades para que se consigam fazer mudanças e para que se coloquem os interesses de todos acima dos interesses de cada um. Ou então não. Talvez seja mesmo ingenuidade. De qualquer modo, não sei quem é mais ingénuo. Se os que acreditam que é possível mudar. Se os que acreditam que mantendo tudo como está as coisas vão continuar a correr bem como sempre correram. Eu como creio nas virtudes da mudança, espero que o nosso Ministro da Agricultura, nas negociações que irão decorrer nos próximos meses em Bruxelas, coloque tanta energia na defesa do novo modelo da PAC como tem colocado na defesa dos interesses nacionais.
Luís Mira da Silva
Professor no Instituto Superior de Agronomia
Sócio da CONSULAI