Foi recentemente apresentada a estratégia +Cereais, um plano que ressuscita a Estratégia Nacional para Produção e Promoção de Cereais de 2018, e que volta a focar na redução da dependência externa de cereais e soberania alimentar. São várias as medidas apresentadas, entre prioritárias e estratégicas, assentes numa lógica de algum pragmatismo e de reconhecimento que existem condicionantes burocráticas e técnicas que teimam em não ser resolvidas e que somam a condições de mercado desafiantes.
Mas vamos ao fulcro da questão. Portugal precisa de produzir mais cereais? Factos: o grau de autoaprovisionamento do país é de 5% para o trigo-mole e 25% para o milho. Se isto não é um enorme risco no que toca à dependência externa para alimentação humana e animal, não sei o que será. Precisamos de produzir mais, claramente, e essa tem de ser uma decisão estratégica. Mas há condições para produzir mais? Neste momento, claramente que não.
Os cereais nunca serão uma cultura competitiva no nosso contexto, com honrosas exceções de produtos de nicho bem remunerados (caso dos btp para a indústria de baby food). Mesmo que estivessem reunidas as condições climatéricas necessárias, que não estão (com anos sucessivos de instabilidade climática que inviabilizam o sequeiro e encarecem o regadio), há um fator absolutamente decisivo que é a rentabilidade do agricultor.
Nos últimos anos, a transferência de investimento para culturas permanentes de maior rendimento levou à redução drástica de áreas semeadas. Os agricultores respondem ao mercado e a estímulos económicos, e é assim que deve ser. Não têm interesse em culturas de baixo ou nulo rendimento, o que é perfeitamente lógico e compreensível. O que nos leva ao dilema de conseguir atrair mais produção, num contexto de fraquíssima atratividade das culturas cerealíferas.
Ora bem, é aqui que entra o Estado, se realmente quer contrariar a tendência e estimular o crescimento destas culturas. Sim, é preciso desburocratizar, simplificar processos e garantir condições técnicas de viabilização de regadio nos cereais. Mas o fulcro da questão está precisamente na Medida 1 (prioritária) desta nova estratégia: “Melhorar os instrumentos de apoio associados aos cereais praganosos, milho e arroz”.
E cito a fundamentação: “Os pagamentos ligados são um complemento necessário para assegurar níveis mínimos de produção em determinados setores, particularmente quando os níveis de aprovisionamento são muito baixos como é o caso dos cereais”.
Um estímulo financeiro é a única possibilidade de dar um impulso à produção e essa tem de ser a decisão se realmente se quer tirar a estratégia do papel.
#agricultarcomorgulho
O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.