Há quem lhe chame intensivo e poluente. Os agricultores alentejanos preferem chamar-lhe olival moderno e garantem que sequestra mais CO2, gasta menos o solo e menos água, logo “é mais sustentável”.
Quem segue pelo IP8, a caminho de Beja, a única capital de distrito de Portugal que ainda não tem ligação direta por autoestrada, certamente repara que algo mudou na paisagem alentejana. Onde antes dominavam os tons de amarelo das culturas de sequeiro, entrecortadas com as azinheiras e os sobreiros do montado, agora a terra está coberta de tapetes verdes a perder de vista.
Visto mais de perto, são pequenas árvorezinhas, milimetricamente alinhadas, todas elas a menos de metro e meio de distância umas das outras, as filas separadas entre si por 3,75 metros, 3.500 árvores por hectare, a fazer lembrar a geometria típica das vinhas.
Este é o “olival moderno” (ou intensivo e super intensivo, como também lhe chamam), que tomou de assalto o Alentejo (em 2018 eram já 188.500 hectares), apenas possível pelo “milagre” da água do Alqueva. Há vozes contra e outras a favor desta forma de plantar oliveiras para a produção de azeitona para azeite, que hoje Portugal exporta (em vez de importar, como no passado) para vários sítios do mundo.
O Bloco de Esquerda fala em destruição de biodiversidade, esgotamento de recursos hídricos e poluição atmosférica nos distritos de Beja e de Évora, enquanto os ambientalistas da Zero denunciam a destruição de, pelo menos, quatro populações de espécies de flora ameaçada, devido à agricultura intensiva.
Agricultores garantem que o olival moderno é mais sustentável
No terreno, os agricultores da Olivum – Associação de Olivicultores do Sul sentem-se injustiçados e querem dar conta daquilo que dizem que já fazem em defesa do ambiente. Como mostra um estudo científico recente da EDIA – Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva, realizado a pedido do Governo, que veio confirmar que o olival está adaptado à região do Alqueva e é uma cultura com baixas exigências hídricas. As conclusões do documento mostram ainda que o olival moderno, aliado a boas práticas como o enrelvamento nas entrelinhas, aumenta a quantidade de matéria orgânica no solo, pelo que o olival em copa e em sebe não traz mais pressões ambientais do que outras cerca de 20 culturas de regadio que existem no Alentejo (vinha, trigo, prados, pastagens, arroz, tomate e milho, entre outras).
Na sua análise, a EDIA diz ainda que o setor do olival, que impacta mais de 32 mil pessoas, “tem permitido uma rentabilização dos investimentos públicos no Alqueva, ao proporcionar uma rápida e grande adesão dos agricultores ao regadio, apresentando esta como uma cultura que gera uma considerável mais-valia económica, social e laboral”.
A Olivum – Associação de Olivicultores do Sul tem 100 associados, 300 explorações e 40 mil hectares. Quem nos recebe em pleno olival alentejano, bem no início da última campanha de recolha da azeitona, é Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Olivum.
Ali, nos arredores de Beja, numa das explorações que fazem parte do universo da Elaia (empresa do Grupo Sovena que agrega 15.000 hectares no total), o olival em sebe é a perder de vista. Ao longe, ouvem-se as enormes máquinas movidas a diesel, que “cavalgam” as oliveiras e colhem as azeitonas ainda verdes, sem que estas cheguem a tocar no chão, ao contrário do que acontecia no tempo dos nossos avós, em que a azeitona tinha de ser varejada para cair da árvore (já com o fruto maduro) e só então era recolhida e enviada para o lagar.
Olival pode sequestrar 540 mil toneladas de CO2
Isabel Ribeiro, responsável da Elaia, explica que foi há cerca de 30 anos que se deu esta revolução no olival: do trabalho duro da colheita manual, feita no inverno, passou-se para a colheita mecanizada e para o olival em sebe, onde entram as máquinas que em quatro dias recolhem azeitona de 80 hectares de olival. Desta forma “a azeitona não é batida nem magoada, não toca no chão, é colhida em verde, está limpa e, por isso, não precisa de ser lavada no lagar, e dá azeites de alta qualidade, com mais antioxidantes”, diz Isabel Ribeiro, frisando que Portugal é o país do mundo que tem mais azeite virgem e virgem extra.
Gonçalo Almeida Simões sublinha ainda a eficiência hídrica do olival moderno, com a rega gota a gota, a menor utilização de fitofármacos e a capacidade de sequestro associado a uma cultura que mantém a folha todo o ano. Num estudo apresentado pela Olivum, e elaborado por uma entidade independente, é referido que uma “maior densidade de árvores assegura maior sequestro de CO2, uma menor utilização da terra e um menor consumo de água para produzir a mesma quantidade de azeite sendo, por isso, mais sustentável”. Estas conclusões foram, em junho do ano passado, sublinhadas pela Associação de Olivicultores do Sul na audição pela Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, na Assembleia da República.
O setor do azeite contribui com 144.405 milhões de euros para o saldo da balança do complexo agroalimentar nacional e é ainda responsável por empregar 32 mil pessoas a tempo inteiro.
Neste momento, o sequestro de carbono anual dos olivais instalados no Alqueva pode chegar a 540.000 toneladas de CO2 e algumas das áreas mais “ricas” em biodiversidade estão em redor de olivais.
O olival moderno é responsável por 82% do total da área desta cultura em Portugal e detentor de 85% do total da produção de azeite no país. O setor do azeite contribui com 144.405 milhões de euros para o saldo da balança do complexo agroalimentar nacional e é ainda responsável por empregar 32 mil pessoas a tempo inteiro.
O Alentejo é hoje a região do país com maior produção de azeitona e, nos últimos 18 anos, conseguiu – através da modernização – aumentar a sua produtividade em mais de seis vezes, para uma média regional de dez toneladas de azeitona por hectare, disse a Olivum aos deputados.
No Monte da Faleira, os consultores foram contratados para defender a natureza
Também em 2020, em julho, os olivicultores decidiram avançar com a suspensão voluntária da colheita noturna mecanizada da azeitona. Isto porque há muitas espécies de pássaros que pernoitam nas oliveiras. Um estudo coordenado pela CAP, e que incidiu sobre 16 explorações agrícolas, concluiu que, quanto maior o número de estruturas naturais (bosquetes, orlas, sebes, zonas ripícolas) ou artificiais (charcas agrícolas, muros de pedra, marouços, caixas – ninho/abrigo), maior a riqueza de biodiversidade, com o olival a superar as outras culturas.
O objetivo agora é mapear a avifauna nos olivais e territórios envolventes e identificar métodos de “espantamento” das espécies que escolhem as oliveiras como habitat.
Proteger as espécies da fauna e flora é uma das muitas missões do biólogo Paulo Pereira, da NBI – Natural Business Intelligence, uma startup de Vila Real especializada em consultoria para uma Economia de Base Natural, nos 300 hectares do Monte da Faleira, um negócio familiar dos irmãos Joaquim Freire de Andrade e Madalena Freire de Andrade.
Ali, o milho passou a olival a partir de 2017 e os proprietários contam agora poupar 200 mil m3 de água por ano. Convictos de que a sustentabilidade é também uma boa aposta económica, tinham já feito o curso da BCSD Portugal sobre o tema, para melhorar processo produtivo, e agora contrataram a Natural Business Intelligence (NBI) para fazer consultoria e o diagnóstico da situação. “Queremos saber onde estamos e para onde vamos”, explicam os irmãos empresários ao Capital Verde.
Paredes meias com o olival, no Monte da Faleira há ainda uma barragem com 460 000 m3, que acolhe inúmeros bandos de aves, painéis solares que garantem uma produção média anual de energia 450 000 KW e uma área de montado bem típica do Alentejo (e protegida por lei): com 90 hectares de sobreiros e 40 hectares de azinheiras.
É um lagar ou uma nave espacial?
Do olival do Monte da Faleira ao Lagar do Marmelo (da Oliveira da Serra Sovena), a azeitona não demora muito a chegar. Situado em Ferreira do Alentejo junto à Herdade do Marmelo, o lagar parece uma nave espacial e quando cai a noite ilumina-se de amarelo, reforçando o impacto visual da obra. Desenhado pelo arquiteto português Ricardo Bak Gordon, o edifício homenageia o olival português e representa o expoente máximo da tecnologia ao serviço da qualidade do azeite e da sustentabilidade ambiental.
No cais de desembarque do lagar o cheiro é forte, característico, e transporta-nos diretamente para a infância, para uma apanha da azeitona bem diferente, na Beira Baixa. O lagar funciona de outubro a janeiro e nas quatro linhas de produção é descarregado diariamente até um milhão de quilos de azeitona, dos quais apenas 15% são azeite. Todo o processo demora cerca de sete a oito horas, entre entrar a azeitona de um lado e sair o azeite, do outro.
“Portugal importava azeite, agora exporta azeite de topo, de qualidade, que ganha prémios lá fora. O Alentejo produz 70%”, conta Isabel Ribeiro. Portugal é hoje o 5.º maior exportador mundial de azeite. No país existem 352.404 hectares de olival para produção de azeite: o tradicional ocupa uma área total de 140 mil hectares (37,2%), com maior expressão na Beira Interior e Trás-os-Montes; já o moderno, em sebe, domina no Alentejo e ocupa 111 mil hectares (29,6%).
No entanto, em 1999, apenas 2% do olival em Portugal era intensivo. Hoje já representa 63%. Durante os últimos 20 anos, o olival português passou por uma profunda transformação: de um olival tradicional, não competitivo, passou para um olival moderno e eficiente, de regadio. Esta alteração permitiu afirmar o Alentejo como a região do país com maior produção de azeitona, com produtividades médias de 10 a 12 toneladas por hectare.
“Portugal importava azeite, agora exporta azeite de topo, de qualidade, que ganha prémios lá fora. O Alentejo produz 70%.”
A campanha 2020/2021 foi a sexta mais produtiva das últimas oito décadas, com 734 mil toneladas previstas, de acordo com os dados do INE, mas as previsões agrícolas de 31 de janeiro (com a colheita da azeitona praticamente concluída) apontavam para uma diminuição de 25% na produção de azeitona para azeite, essencialmente “devido ao fraco vingamento dos frutos”. Ainda assim, e apesar do rendimento da azeitona em azeite ser menor do que em 2019, “o produto final apresenta qualidade organolética e química dentro dos parâmetros normais”, garante o INE.
Alqueva tem água para culturas de regadio nos próximos três anos
Nos próximos três anos está já garantida a água para as culturas de regadio no Alentejo. Isto porque depois de um inverno muito chuvoso, a barragem do Alqueva está agora muito perto de atingir de novo a sua cota máxima — algo que aconteceu apenas cinco vezes desde 2010. Em fevereiro, o nível das águas da albufeira atingiu os 800 milhões de metros cúbicos (80% da sua capacidade), estando nos 149 metros e a apenas três do limite máximo, de acordo com a EDIA.
Em agosto de 2019 estavam inscritos 55.185 hectares de olival nos aproveitamentos hidroagrícolas do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), o que demonstra que mais de 90% do olival no Alqueva é moderno.
“Do ponto de vista económico assistimos a uma verdadeira revolução: em poucos anos a cadeia de valor do azeite passou a valer cerca de 450 milhões de euros, sobretudo devido a melhorias na eficiência, gestão, profissionalização e otimização da cultura e dos processos. Esta maior geração de riqueza teve efeitos sociais muito positivos, contribuindo para a fixação de pessoas”, refere o diretor executivo da Olivum. E sublinha que, no conjunto do investimento agrícola do Alentejo — que já corresponde a 655,7 milhões de euros –, o olival representa 64,39% do total, sendo que o peso do investimento em olival só na região do Alqueva já reflete 46,57% do total da região.
“Com o crescimento esperado, nos próximos 10 anos, Portugal será a maior referência na olivicultura moderna e eficiente do mundo, o sétimo maior em superfície e o terceiro maior na produção mundial de azeite”, remata Gonçalo Almeida Simões.