Entendeu o Ministro da Agricultura e Mar apresentar para discussão, em sede do Conselho Interprofissional do IVDP, um documento de trabalho que apelidou de “Plano de Ação para a gestão sustentável e valorização do setor vitivinícola da RDD”, no qual considera os seguintes Objetivos Gerais:
1 – Reduzir os excedentes de vinho acumulados na RDD, mitigando os impactos conjunturais no mercado.
2 – Promover a gestão sustentável do potencial produtivo, por via de medidas voluntárias de reconversão e concentração.
3 – Valorizar a produção, através da estabilidade da oferta, o seu equilíbrio com a procura, redução de custos, reforço da qualidade e promoção.
4 – Fortalecer os mecanismos de controlo e legalidade para a reputação das DOP Porto e Douro.
Como não houve imaginação suficiente para conceber uma única medida que permitisse “reduzir os excedentes de vinho acumulados na RDD”, podemos considerar que o objetivo 1 só foi ali inserido para justificar uma narrativa falaciosa que, em todo texto do documento, é prosseguida.
Com efeito, dar especial relevo à campanha de 2024/2025, a segunda maior dos últimos 15 anos e que representou um acréscimo de 14% face à média de todo este período, assim como à comercialização realizada em 2021, quando se sabe que o crescimento dessa comercialização resultou da ocorrência da pandemia em 2020, é usar os números de forma tendenciosa na tentativa de sustentar uma pré-determinada tese. Aliás, face às previsões da produção da campanha de 2025/2026, toda essa argumentação será desmentida.
Já o objetivo 2 corresponde à vontade inconfessada do atual ministro: “concentração” da produção quanto à propriedade das vinhas!
Na realidade só este objetivo justifica todas as medidas enunciadas: arranque (apelidado de substituição) da vinha, majoração na atribuição do benefício, criação duma bolsa de “benefícios” e preferência, na transferência e replantações das autorizações de plantação, às vinhas classificadas com a letra A.
Por outro lado, a atribuição dum subsídio à entrega de uvas destinadas à produção de aguardente, por nunca cobrir, segundo o próprio ministro, os respetivos custos de produção, foi a forma encontrada de expulsar os pequenos e médios viticultores do Douro. Com todo o desplante e falsamente argumentando com uma hipócrita preocupação com a falta de rendimento desses viticultores, o ministro expulsa-os e, muito provavelmente, vai reclamar a criação duma bolsa de imigrantes para as árduas tarefas agrícolas “por os portugueses não as quererem exercer”…
Nesta divulgada estratégia, a valorização da produção (objetivo 3) não poderá ocorrer, uma vez que pressupõe a redução da capacidade produtiva regional e nada propõe para incremento do respetivo valor.
Apesar de já aprovado em Conselho de Ministros, aguarda-se, no entretanto, a publicação do regulamento, mas com as vindimas já em curso…
A pretensa realidade transcrita neste documento de trabalho não é o Douro vinhateiro ancestral. Mais não é do que a descrição duma realidade virtual, pretensamente demonstrativa da necessidade duma estratégia consequente com os objetivos ministeriais.
Com efeito e em primeiro lugar, o Douro não produz EXCEDENTES: nos últimos 5 anos colheu, em média anual, 245 mil pipas, das quais só comercializou 185 mil, e, para realizar as suas vendas, importou 210 mil pipas de vinho, já destiladas em aguardente. Ou seja, vendeu, em média anual, 395 mil pipas de vinho, só tendo colhido 245 mil! Onde estão os excedentes?
Acresce que:
– não usando vinhos exteriores à região, a sua produção vínica total corresponderá a quase 50% da comercialização anual atualmente realizada;
– o uso de aguardente regional, sendo inócua na qualidade do Vinho do Porto, não afetará a “reputação” dos stocks existentes;
– o acréscimo de custo duma garrafa de Vinho do Porto, segundo a AEVP, será de € 1,00;
– quem define a Denominação de Origem Porto é o próprio Governo de Portugal;
– os stocks atuais de vinho, sem destino comercial, sendo destilados em aguardente, constituir-se-ão no stock permanente e regulador da atividade do setor, e essa constituição não carece de “subsídio público”; eventualmente, poderá ser aberta uma linha de crédito para o seu financiamento, semelhante aos certificados de existência do Vinho do Porto;
– contrariamente ao afirmado pelo ministro, os DOC Douro não irão desaparecer; anualmente, em sede do
Conselho Interprofissional, serão negociadas as quantidades a produzir por cada tipo de vinho, assegurando sempre a manutenção do volume do stock regulador da aguardente.
Esta estratégia sim,
– “reduz os (ditos) excedentes de vinho acumulados na RDD”,
– “promove a gestão sustentável do potencial produtivo” por consumir toda a produção vínica regional,
– “valoriza a produção” pela prática de preços que cobrem os custos de produção regionais e, para além disso,
– mantém a população residente neste interior norte de Portugal!
Arlindo Castro
Economista