A NOVA Medical School foi palco do primeiro encontro do ciclo de conferências da FoodLink – Rede para a Transição Alimentar na Área Metropolitana de Lisboa, uma iniciativa que visa impulsionar a reflexão sobre a transformação do sistema alimentar, articulando conhecimento científico, decisores políticos e produtores agrícolas numa rede colaborativa.
Sob o tema One Health, One Soil: Alimentação Segura num Planeta Saudável, o encontro destacou a ligação entre solos saudáveis, práticas agrícolas regenerativas e saúde humana. O propósito passa por integrar ciência, saúde pública e sustentabilidade ambiental para enfrentar os desafios globais de segurança alimentar, nutrição e resiliência climática.
A VIDA RURAL conversou com Diogo Pestana, Professor Auxiliar da NOVA Medical School, que nos falou sobre a importância do solo para a saúde pública e o papel das práticas agrícolas sustentáveis na qualidade nutricional dos alimentos.
Além disso, ainda abordou a necessidade de ciência aplicada na definição de políticas alimentares e o contributo da inovação tecnológica para modernizar a agricultura e reduzir a exposição da população a contaminantes.
A NOVA Medical School vai receber o primeiro encontro do ciclo de conferências da FoodLink – Rede para a Transição Alimentar na Área Metropolitana de Lisboa. Qual considera ser o impacto desta iniciativa para decisores políticos e produtores agrícolas?
A realização deste primeiro encontro teve como principal objetivo refletir sobre o papel central do solo saudável na sustentabilidade do sistema alimentar e na saúde pública, enquadrando-o numa perspetiva integrada de One Health.
A promoção de uma alimentação segura, sustentável e de qualidade deve ser entendida como um fator determinante para a prevenção da doença, a melhoria da qualidade de vida e a construção de um futuro mais saudável para as próximas gerações. Esta reflexão integrada permite criar sinergias entre diferentes áreas do conhecimento e setores da sociedade, oferecendo a decisores políticos e produtores agrícolas ferramentas e conhecimento científico aplicável dentro da rede.
Trata-se, portanto, de um contributo essencial para transformar o sistema alimentar da Área Metropolitana de Lisboa, de forma mais resiliente, inovadora e alinhada com os grandes desafios globais.
Na sua ótica, de que forma o projeto pode transformar o sistema alimentar em rede na Área Metropolitana de Lisboa?
De uma forma mais concreta, é essencial refletir, discutir e compreender como, mesmo perante as particularidades e condicionalismos do tecido agrícola da Área Metropolitana de Lisboa, se pode construir um caminho para um uso mais consciente e cuidado da saúde do solo.
A aplicação do conhecimento científico, aliada a exemplos práticos de sucesso, como os associados à agricultura regenerativa, mostra que é possível promover sistemas de produção mais sustentáveis e resilientes. Esta abordagem, além de proteger o recurso solo, contribui para a melhoria contínua da qualidade nutricional e da segurança dos alimentos, transformando o sistema alimentar da região numa verdadeira rede orientada para a saúde das pessoas e dos ecossistemas.
A aplicação do conhecimento científico, aliada a exemplos práticos de sucesso, como os associados à agricultura regenerativa, mostra que é possível promover sistemas de produção mais sustentáveis e resilientes.
Qual a importância do solo para a saúde humana e ambiental na perspetiva One Health?
O solo é um eixo central de ligação entre saúde ambiental e saúde humana. Por um lado, solos saudáveis são caracterizados por uma elevada diversidade microbiana, o que se traduz em plantas mais fortes, resilientes e na melhoria da composição nutricional dos alimentos. Esses microrganismos e metabolitos chegam até à nossa mesa e interagem com a microbiota intestinal, modulando processos fundamentais como o metabolismo, a imunidade e a inflamação. Em termos simples, podemos afirmar que “solos saudáveis alimentam a microbiota humana saudável”.
Por outro lado, não podemos ignorar o papel dos contaminantes. Substâncias como pesticidas, cujo uso muitas vezes está associado com a saúde do solo, ou metais pesados podem acumular-se nos alimentos e atuar como disruptores endócrinos, interferindo com a saúde metabólica e reprodutiva. A própria microbiota intestinal pode atenuar ou, em alguns casos, amplificar estes efeitos tóxicos.
Assim, olhar para o solo de forma integrada significa também compreender que proteger a sua saúde é proteger a qualidade dos alimentos e, em última instância, a saúde das populações e dos ecossistemas.
Olhar para o solo de forma integrada significa também compreender que proteger a sua saúde é proteger a qualidade dos alimentos e, em última instância, a saúde das populações e dos ecossistemas.
De que forma práticas agrícolas sustentáveis influenciam a qualidade nutricional e segurança dos alimentos?
As práticas agrícolas sustentáveis influenciam de forma decisiva a qualidade nutricional e a segurança dos alimentos. O modo de produção agrícola condiciona diretamente a composição nutricional, a presença de contaminantes e a sustentabilidade do sistema. Assim, garantir a saúde do solo é essencial para assegurar alimentos mais nutritivos, seguros e sustentáveis, contribuindo para a saúde das populações e dos ecossistemas.
Solos saudáveis e práticas regenerativas tendem a promover maior densidade de nutrientes, melhor perfil fitoquímico e menor presença de contaminantes, evidenciando que a qualidade da nossa alimentação começa, inevitavelmente, na qualidade do solo. Ou seja, a escolha do sistema de produção impacta não apenas a sustentabilidade ambiental, mas também o valor nutricional e a segurança dos alimentos.
O modo de produção agrícola condiciona diretamente a composição nutricional, a presença de contaminantes e a sustentabilidade do sistema.
Quais são hoje os maiores desafios para garantir uma alimentação segura e sustentável em Portugal?
Os principais desafios para garantir uma alimentação segura e sustentável em Portugal incluem, entre outras, a degradação e pobreza dos solos e as alterações climáticas. Fogos florestais e áreas urbanas contaminadas aumentam ainda o risco de exposição a contaminantes nos alimentos.
Outro desafio crítico é o financiamento insuficiente, que impede a aplicação prática do conhecimento científico e técnico já acumulado.
Que mudanças estruturais são necessárias para transformar o sistema alimentar?
Transformar o sistema alimentar exige quebrar os silos de conhecimento e prática, promovendo uma abordagem integrada que conecte agricultura, saúde, ambiente e sociedade. A agricultura regenerativa pode atuar como via agregadora para promover a saúde dos solos, enquanto envolver também a sociedade civil é essencial para garantir uma transição alimentar efetiva e sustentável ao longo do tempo.
Qual o contributo da ciência e da tecnologia para decisões sobre políticas alimentares?
A ciência e a tecnologia são essenciais para orientar políticas alimentares, fornecendo evidência sobre como práticas agrícolas sustentáveis e regenerativas impactam a saúde humana. Estudos de qualidade permitem avaliar de forma integrada o risco–benefício dos alimentos, considerando tanto a qualidade nutricional como a presença de contaminantes. No entanto, a evidência atual ainda é fragmentada, separando qualidade nutricional e contaminantes.
Iniciativas como o projeto europeu SOS Food, que utiliza Inteligência Artificial para apoiar todos os atores da cadeia alimentar na tomada de decisões informadas, contribuem para sistemas mais produtivos, sustentáveis e resilientes, promovendo alimentos mais nutritivos e seguros, ao mesmo tempo, fortalecem políticas alimentares mais eficazes e baseadas em evidência.
A agricultura regenerativa pode atuar como via agregadora para promover a saúde dos solos, enquanto envolver também a sociedade civil é essencial para garantir uma transição alimentar efetiva e sustentável ao longo do tempo.
De que modo a promoção de uma alimentação de qualidade pode contribuir para prevenir doenças e melhorar a saúde pública
Na NOVA Medical School, promovemos a investigação e a disseminação de conhecimento sobre alimentação de qualidade, reforçando a ligação entre solos saudáveis, produção sustentável e saúde humana.
A melhoria da qualidade nutricional e de alimentos mais seguros tem um impacto direto na prevenção de doenças e na saúde pública, como preconizado por entidades de referência, como o Plano Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS). Ao integrar investigação científica, formação e comunicação com a sociedade, contribuímos para políticas e práticas alimentares que beneficiam a população e promovem bem-estar ao longo da vida.
De que forma as novas tecnologias podem modernizar a agricultura e melhorar os alimentos disponíveis ao consumidor?
As novas tecnologias e iniciativas como o FoodLink e, por exemplo, o projeto europeu Wheatbiome desempenham um papel central na modernização da agricultura e na melhoria dos alimentos disponíveis ao consumidor.
O FoodLink cria redes integradas que conectam produtores, decisores e investigadores, ajudando a derrubar silos de conhecimento e prática, e promovendo sistemas mais sustentáveis, resilientes e nutritivos.
Por outro lado, o Wheatbiome foca-se na sustentabilidade na produção de trigo, estudando fermentações microbianas, reaproveitando subprodutos, entregando alimentos mais nutritivos e promovendo práticas agrícolas sustentáveis, contribuindo para biodiversidade, saúde do solo e resiliência climática na Europa.
A agricultura sustentável tem um impacto positivo na redução da exposição da população a poluentes e contaminantes.
Que impacto a agricultura sustentável pode ter na redução da exposição da população a poluentes e contaminantes?
A agricultura sustentável tem um impacto positivo na redução da exposição da população a poluentes e contaminantes, pois promove a manutenção de solos mais saudáveis e a produção de alimentos de melhor qualidade nutricional e segurança, contribuindo diretamente para a saúde humana.
Além disso, aumenta a resiliência da produção face a desafios como as alterações climáticas, reduzindo a necessidade de recorrer a práticas agrícolas intensivas ou menos desejáveis que possam aumentar a contaminação.
O artigo foi publicado originalmente em Vida Rural.