Em 2025, até 23 de setembro, arderam em Portugal 267.648 hectares (7.486 incêndios rurais), contra as áreas ardidas de 470.000, 327.000 e 296.000 hectares registadas nos anos de 2003, 2005 e 2017, respetivamente.
Até 31 de agosto, destacam-se os seguintes dados sobre os incêndios rurais: 98% do número de ocorrências têm origem humana; registaram-se 35 incêndios com mais de 500 hectares, representando apenas 0,5% do total, mas responsáveis por 92% da área ardida; seis destes incêndios (17%) tiveram início durante a noite, entre as 22h e as 6h; o incêndio de Arganil, com a maior área ardida de sempre, durou 11 dias e destruiu 65.417 hectares, seguido pelo de Trancoso, com 55.000 hectares; 83% da área ardida ocorreu em zonas de perigosidade estrutural «Alta» (26%) ou «Muito Alta» (57%) (Decreto-Lei n.º 82/2021), que cobrem 33% do território nacional; as emissões de carbono resultantes dos incêndios de 2025 atingiram 3,3 Mt, valor expressivo face às emissões nacionais totais, que rondam os 15 Mt/ano; a distribuição da área ardida foi a seguinte: matos 102.000 ha (43%), herbáceas 54.000 ha (23%), pinheiro-bravo e outras resinosas 23.000 ha (9%), áreas agrícolas 21.000 ha (9%), sobreiro, azinheira e outras folhosas 17.000 ha (7%), eucalipto 14.000 ha (6%), vegetação esparsa 6.000 ha (3%) e áreas urbanas 100 ha (0,05%); registaram-se ainda 4 mortos e 48 feridos.
Em 2024, arderam 137.651 hectares (6.255 incêndios), representando uma redução de 17% em relação ao número de ocorrências de 2023 (7.523 fogos rurais), mas com uma área ardida quatro vezes superior (34.509 ha). Contudo, 92% da área ardida em 2024 (126.639 ha) concentrou-se entre 14 e 19 de setembro, numa média de 21.107 hectares por dia, provocando 16 mortos — o número mais elevado desde a tragédia de 2017, em que perderam a vida 119 pessoas.
Para memória futura, transcrevo o que se encontra no documento Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais – Plano de Atividades de 2024:
“Portugal e os portugueses confrontam-se com o paradoxo do fogo: ao termos muito sucesso a reduzir o número de incêndios, sem gerir ativamente o pós-fogo, nomeadamente desde 2017, e sem intervir com escala na restante área verde, deixámos acumular nos últimos 6 anos, também com menos área ardida, vegetação fina, arbustiva e arbórea que irá alimentar incêndios mais rápidos e severos, que podem queimar mais de 750 mil hectares num só ano e/ou destruir locais únicos e ameaçar relevantes infraestruturas e comunidades urbanas” (págs. 9 e 10 do Relatório de Atividades de 2024).
As minhas conclusões sobre os fogos rurais de 2024 e 2025:
- Tudo isto acontece depois de Portugal e da União Europeia terem investido mais de 3.000 M€ no pós-2017, sem que tivessem sido feitas intervenções de fundo na paisagem para interromper os milhares de hectares de massa combustível contínua — florestas, matos e áreas agrícolas abandonadas — através da construção de mosaicos de descontinuidade sem massa combustível.
- Os mosaicos sem massa combustível só podem ser concretizados no curto prazo (2025-2027), através de fogo controlado ou queimadas, sempre que existam condições de humidade no solo e na vegetação que evitem a destruição da camada superficial. Para tal, é necessário alocar de imediato o orçamento público indispensável e alterar a legislação, permitindo que se queimem várias centenas de milhares de hectares de matos e vegetação fina, independentemente da vontade dos proprietários ou da existência de prédios rústicos sem dono conhecido, mediante edital público ( a intervenção pode ocorrer 15 dias após a publicação).
- Se se repetirem condições de vegetação em stress hídrico extremo, como em 2017, combinadas com as condições meteorológicas de setembro de 2024 — ventos fortes e contínuos, sobretudo em verões com vento de leste, que resultam em centenas de milhares de hectares ardidos — podem estar reunidas as circunstâncias para “queimar mais de 750 mil hectares num só ano e/ou destruir locais únicos e ameaçar relevantes infraestruturas e comunidades urbanas”.
- Nas interfaces entre agricultura e floresta/matos, é essencial mobilizar o solo agrícola para eliminar a vegetação destroçada, uma vez que se verificou este ano que terrenos “limpos”, com restos de vegetação desfeita em pequenos pedaços no solo, também arderam e chegaram a destruir plantações.
- Não existe gestão florestal em Portugal (controlo de combustíveis finos, desramações, desadensamentos, etc.), porque as contas de cultura das atividades lenhosas são negativas — exceto alguns casos pontuais no eucaliptal, no pinhal e na produção de cortiça, onde a produtividade é mais elevada. Na floresta de conservação, não existem atualmente outras formas de valorização de mercado que sustentem a respetiva gestão. É, por isso, indispensável que o Estado Português pague pelos serviços de ecossistema, atribuindo uma compensação anual de 100 €/hectare a quem realizar gestão florestal, num orçamento estimado em 650 M€/ano.
Conclusão: é imperativo que o Estado Português consigne, nos próximos cinco anos, um orçamento mínimo de 1.000 M€/ano para financiar: fogo controlado em pelo menos 600.000 hectares; serviços públicos de ecossistema através da gestão florestal; pastoreio extensivo multiespécie (bovinos, ovinos, caprinos, asininos, etc.); construção de charcas em cascata para retenção da precipitação e consequente mitigação do stress hídrico da vegetação; criação de uma linha de financiamento bancário, através do BEI, para a reestruturação fundiária, permitindo a compra de prédios confinantes por proprietários com pelo menos cinco anos de registo, bem como o pagamento de tornas a co-herdeiros (linha de crédito a 30 anos, com 7 anos de carência, em condições equivalentes às do crédito à habitação).
Especialista em Desenvolvimento Territorial