O Instituto de Cereais de Moçambique (ICM) antecipou em quase dois meses o início da exportação de feijão bóer para a Índia, que compra quase toda a produção moçambicana, arrancando imediatamente devido às quantidades disponíveis.
De acordo com uma comunicação de final de julho do ICM, tutelado pelo Ministério da Economia, a exportação daquela leguminosa é regulada por acordo entre os dois países, “baseado nas necessidades da parte da Índia” e nas quantidades exportadas no ano anterior.
Nessa comunicação, a que a Lusa teve hoje acesso, era referido que a exportação no ano fiscal 2025/2026 só poderia ter início após 30 de setembro, por “razões estratégicas”, como a proteção do abastecimento interno no pico da colheita, prevenção da “especulação e contenção de práticas predatórias”, para permitir a “organização logística e fiscalização prévia” e para garantir a introdução do certificado de origem.
Contudo, o ICM, num ofício de 04 de agosto, consultado igualmente pela Lusa e enviado ao serviço das Alfândegas, cancela a instrução anterior: “Por razões objetivas ao processo de controlo das variações de existências nos armazéns das empresas exportadoras, foi feito um apuramento no qual constatamos disponibilidade de quantidades consideráveis a exportação”.
No mesmo ofício é autorizada “com efeitos imediatos a 05 de agosto” a exportação de feijão bóer pelas empresas autorizadas, mediante o uso do certificado “ostentando a designação do Ministério da Economia”.
Só em 2023, Moçambique exportou mais de 230 mil toneladas de feijão bóer, sendo 90% para a Índia, no âmbito do memorando de entendimento entre os Governos de Moçambique e Índia 2023-2026.
Em 2024, essa exportação ficou marcada pela polémica envolvendo o conglomerado ETG, um dos principais exportadores de feijão bóer no país, que em 16 de outubro exigiu, num tribunal de arbitragem, que o Estado moçambicano pague mais de 100 milhões de euros de indemnização por perdas pela apreensão judicial de bens da firma num litígio sobre aquela leguminosa, igualmente retida num porto do norte do país.
Em maio, o conglomerado tinha ameaçado recorrer a tribunais internacionais de arbitragem, sobre o diferendo que há meses mantinha com a RGL, sobre exportação de feijão bóer.
A posição consta de uma carta enviada pela ETG à Procuradoria-Geral da República (PGR) moçambicana, em que aquele conglomerado, que opera em Moçambique há 25 anos, recordava que tentava há vários meses recuperar uma carga de produtos agrícolas, incluindo feijão bóer, no valor de 55 milhões de dólares (47,3 milhões de euros) apreendida no porto de Nacala, norte do país, no âmbito desta disputa.
A Lusa noticiou em 01 de fevereiro que o tribunal de Nacala-Porto decidiu “não acompanhar” a PGR moçambicana, que tinha ordenado o arquivamento do processo sobre o diferendo sobre exportação de feijão bóer para a Índia opondo a Royal Group Limitada (RGL) à concorrente ETG, que levou à apreensão dos produtos agrícolas deste conglomerado.
“O Grupo ETG apresentou um pedido de arbitragem reivindicando indemnização num valor superior a 120 milhões de dólares americanos [mais de 103,5 milhões de euros] contra a República de Moçambique pelo papel do Estado na expropriação de produtos da ETG, em violação dos direitos de investidor no país”, referia aquele grupo empresarial, das Maurícias, em comunicado de outubro.
O conglomerado acusava o Estado moçambicano de ter orquestrado e facilitado a expropriação ilegal de bens, violado a norma de “tratamento justo e equitativo”, bem como recorrido à coação e assédio aos trabalhadores.
Por outro lado, o Governo moçambicano “não garantiu o direito da ETG de exportar bens sem quaisquer restrições”, prossegue.
A empresa avançou que, no dia 17 de janeiro de 2024, apresentou uma notificação de litígio contra o Governo moçambicano pelas supostas ações ilegais em relação aos seus bens e atividades comerciais e, no dia 13 de maio de 2024, voltou a interpelar as autoridades sobre o mesmo assunto, mas sem “qualquer tentativa séria por parte do Governo Moçambicano para resolver o assunto”.