Em 1798 Thomas Malthus apresentou a teoria de que a população mundial tendia a crescer em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumentava apenas em progressão aritmética, ou seja, a uma taxa muito inferior; consequentemente, se não fosse contido o crescimento da população, Thomas Malthus previa a emergência da fome e da miséria; essa a razão por que este pastor da Igreja Anglicana preconizou o controlo da natalidade, nomeadamente através da abstinência sexual e de casamentos tardios (a pílula contracetiva é utilizada apenas desde 1960); entretanto a China viria a impor a política do filho único no fim da década de 1970, mas decorridos cerca de 45 anos veio permitir que as famílias tivessem dois filhos, para evitar um excessivo envelhecimento populacional.
Mas na realidade a população mundial continuou a crescer, não sendo necessário forçar a população a diminuir o número de filhos conforme preconizado por Malthus, exceto na China.
Aconteceu que os avanços científicos e tecnológicos alcançados, principalmente desde o início do século XX, permitiram aumentar substancialmente a produção de alimentos, de tal modo que anulou a previsão pessimista de Thomas Malthus. Adicionalmente, os progressos da medicina diminuíram tanto o número de mulheres que morrem durante o parto, como a mortalidade infantil, para além de aumentarem a longevidade.
As áreas científicas que mais concorreram para o aumento da produção de alimentos – e que contribuíram também para que, de 1950 até hoje, a população mundial se elevasse de 2,5 para 8 mil milhões de pessoas – foram as seguintes: síntese do amoníaco, produção de pesticidas, melhoramento genético das plantas e dos animais e expansão do regadio.
O amoníaco está na base de fabrico da generalidade dos adubos azotados, que proporcionam o azoto requerido pelas plantas (com exceção das leguminosas), sendo geralmente o nutriente vegetal que exerce maior influência nas produções. Estima-se que metade da atual população mundial sobrevive graças aos fertilizantes azotados fabricados desde 1912 por síntese de Haber-Bosch.
Mas a par desta importância relevantíssima, ocorreram dois problemas que afetam o ambiente. Um está associado à referida síntese do amoníaco, realizada a partir do azoto atmosférico e do hidrogénio da água, usando gás natural e libertando uma quantidade elevada de dióxido de carbono (gás de efeito de estufa); todavia, presentemente, estão em curso investigações promissoras para encontrar alternativas à produção de amoníaco recorrendo a energia renovável.
O segundo problema de ordem ecológica (e económica) está associado às perdas de azoto sob a forma de nitratos por lixiviação no solo, os quais vão poluir as águas subterrâneas. Para minimizar este problema importa ser criterioso nas formas de azoto a utilizar – dispõe-se atualmente de adubos azotados de libertação controlada –, proceder ao fracionamento das aplicações azotadas e praticar uma gestão de água de rega adequada.
Cabe notar que Portugal é o Estado-membro da União Europeia com menor consumo de adubos azotados (31 kg de azoto por hectare de superfície agrícola utilizada, enquanto a média europeia eleva-se a mais do dobro: 71,6 kg).
No tocante aos produtos fitofarmacêuticos, recorde-se que 2020 foi proclamado o Ano Internacional da Fitossanidade, tendo a ONU declarado que «todos os anos até 40% das culturas alimentares são perdidas devido a pragas e doenças». Esta constatação é elucidativa quanto à enorme importância que os pesticidas representam para minimizar as perdas de alimentos, especialmente grave para os 719 milhões de pessoas que no final de 2020 ainda viviam em pobreza extrema (com menos de 2,15 dólares por dia).
Recorde-se que a Academia Americana de Ciências estima que o primeiro pesticida de síntese – DDT – nas décadas de 1950 e 1960 terá salvo cerca de 500 milhões de vidas humanas causadas por doenças, com relevo para a malária, transmitidas por insetos. Entretanto foi observado que o DDT não atinge apenas as pragas e apresenta diversos inconvenientes para o ambiente, razão por que a partir de 1970 veio a ser proibido em muitos países. Importa sublinhar que, no tocante aos inseticidas, os agricultores europeus estão a recorrer cada vez mais a procedimentos biológicos na luta contra as pragas, de modo seletivo, afetando apenas a praga ou pragas alvo, sem afetar a restante fauna, nomeadamente os insetos auxiliares.
No que concerne ao melhoramento genético das plantas é imperioso dar especial relevo ao trabalho desenvolvido pelo Engenheiro Agrónomo Norman Borlaug que, após a 2ª Grande Guerra, apercebeu-se que a fome matava milhões de cidadãos, nomeadamente na América Latina e na Ásia, tendo sido impelido a dedicar-se com elevado êxito ao melhoramento do trigo – aumentando 10 vezes a sua produtividade, tendo para isso recorrido nomeadamente a um trigo anão, e tornando as plantas resistentes às doenças.
Posteriormente Borlaug empenhou-se também com êxito no aumento da produtividade do arroz, o que veio ter um reflexo extraordinário na alimentação dos povos asiáticos.
Tudo o que precede justifica que em 1970 tenha sido laureado com o Prémio Nobel da Paz, tendo-se então considerado que fornecer pão também serve para conseguir paz no mundo.
Ainda no que concerne ao melhoramento genético das plantas, de assinalar que, na sequência da descoberta, em 1953, da estrutura tridimensional do ácido desoxirribonucleico (DNA), emergiu a engenharia genética que permitiu conferir às plantas transgénicas (OGM) resistência a herbicidas e a insetos, para além de também poder melhorar o seu valor nutritivo. Em 2019 foi lançado um fertilizante biológico que contém uma bactéria GM que fornece à planta azoto do ar, mitigando assim as externalidades negativas associadas aos adubos azotados. Mais recentemente desenvolveram-se as Novas Técnicas Genómicas (NTG), que permitem editar o genoma de modo preciso, sem introduzir ADN exógeno; esta nova tecnologia permite desenvolver cultivares resistentes a pragas e doenças, menos exigentes em fertilizantes e mais resistentes à seca. Note-se que mesmo ao arrepio dos pareceres emitidos pela Agência Europeia de Segurança dos Alimentos (EFSA), os decisores da política agrícola da União Europeia têm-se revelado pouco permeáveis às aplicações da biologia molecular (ao invés do que se verificou no domínio das vacinas contra a covid-19). Portugal e Espanha são os únicos países europeus a produzir OGM (apenas milho Bt) numa área próxima de 105 mil hectares, enquanto no mundo a área ocupada com culturas GM se eleva a 200 milhões de hectares.
No que concerne ao melhoramento genético animal, no pós-guerra têm-se vindo a alcançar progressos notáveis na produtividade e, consequentemente, também na eficiência alimentar, com vantagens óbvias em termos de sustentabilidade ambiental, económica e social. Em Portugal no que respeita às vacas leiteiras a produção média de leite por vaca duplicou (e o número de vacarias sofreu uma redução drástica); no que concerne à produção suína o número de leitões desmamados por porca/ano quase que triplicou; e, no tocante aos frangos de carne, o índice de conversão alimentar baixou de 4,4 para 1,4 – tudo o que precede expressa uma eficiência crescente, com redução relativa das áreas cultivadas e um decréscimo dos preços de venda que veio a ser acompanhado por um crescente consumo de proteína animal em Portugal.
A FAO (2023) considera que são necessários 3000 litros de água para produzir os alimentos consumidos diariamente por uma pessoa. Em Portugal estima-se que, em média, a criação de riqueza no regadio é seis vezes maior por unidade de área do que é no sequeiro e nalgumas circunstâncias esta diferença é ainda mais acentuada. Todavia, entre nós o regadio ocupa uma pequena parte da área atualmente cultivada: 12% da superfície agrícola utilizável, que importa aumentar substancialmente dado que Portugal é muito suscetível aos efeitos das alterações climáticas. Esta situação é reconhecida pelos decisores políticos que preveem investir no regadio 1700 milhões de euros até 2027.
A terminar, refira-se que é com grande expectativa que os agricultores europeus aguardam as decisões pendentes no âmbito da Estratégia do Prado ao Prato, na medida em que, ao contrário do que muitos pensam, algumas medidas atualmente em apreciação pública irão ter efeitos negativos em termos de sustentabilidade económica, ambiental e social.
Engenheiro Agrónomo, Ph. D.
Do Prado ao Prato na perspetiva de um fruticultor português – Manuel Chaveiro Soares