Comemora-se amanhã, 28 de julho, o Dia Nacional da Conservação da Natureza, data que assinala a fundação da Liga para a Proteção da Natureza, em 1948, e a criação do Parque Natural da Arrábida em 1976. Apesar deste dever ser um dia da celebração do Património Natural Português, a análise feita pela ZERO continua a demonstrar que a ação política e a intervenção do Estado continuam ainda longe do desejável.
Ainda que existam alguns sinais positivos – designadamente ao nível da conclusão das Listas Vermelhas da Flora Vascular, de grupos de invertebrados e da revisão dos Livros Vermelhos das aves, dos mamíferos e dos peixes dulçaquícolas e migradores e dos Planos de Gestão das Zonas Especiais de Conservação – infelizmente a Conservação da Natureza e da Biodiversidade não parece ser uma matéria prioritária na ação do Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC).
30-10-30: números chave para uma boa performance de Portugal
Neste Dia Nacional da Conservação da Natureza, a ZERO vem mais uma vez sinalizar que Portugal tem todas as condições para se tornar um exemplo de cumprimento das políticas mundiais, europeias e nacionais já definidas nesta matéria, nomeadamente a Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica, a Estratégia da União Europeia (UE) para a Biodiversidade 2030 e, mais concretamente, a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, alocando os meios e recursos necessários para a implementação das medidas aí previstas.
Neste contexto, Portugal tem pela frente três objetivos centrais: [1] transformar pelo menos 30% superfície terrestre e marinha da Europa em áreas protegidas geridas de forma eficaz, sendo que [2] 10% da área com elevado valor em termos climáticos e de biodiversidade deve ter proteção estrita e [3] melhorar o estado de conservação ou a tendência de, pelo menos, 30% das espécies e habitats protegidos da UE que não se encontram atualmente em estado favorável.
Soluções para atingir os objetivos 30-10-30
Tendo em conta que Portugal tem neste momento cerca de 22% do seu território terrestre classificado[i] e 4,3% do seu mar territorial e ZEE – Zona Económica Exclusiva, valor que acresce a 8,9% se se incluir a plataforma continental estendida, ou seja, o total da área sob jurisdição nacional[ii], e que a tarefa poderá parecer simples para o caso do território terrestre e difícil para a área marinha, a verdade é que pode ser exatamente o contrário, uma vez que, quer num caso, quer no outro, as pressões no sentido da artificialização são avassaladoras – principalmente pelas instalações para produção de energia renovável (eólica offshore, fotovoltaica em terra, bem como respetivas redes de transporte de energia), novas áreas de mineração, incremento do regadio, recorrentes incêndios, turismo de massas, que podem levar à destruição dos valores naturais que necessitam de urgente proteção e que justificariam a designação de novas áreas classificadas.
Para a ZERO, há que romper com esta dinâmica que secundariza a conservação da natureza face aos (supostos) interesses estratégicos do país, consensualizando previamente o que será sujeito a proteção e depois o que poderá ser ou não “sacrificado” para a consecução de outros objetivos ambientais (energia) ou económicos (energia, produtos agroalimentares, matérias primas essenciais, turismo).
Para concretizar este propósito, a atual equipa do MACC deve criar com urgência uma estrutura de missão para, num muito curto prazo, inventariar e propor a classificação de áreas, tendo como horizonte temporal o ano de 2030, por forma a que deixe de imperar a lógica de destruir as áreas de maior valor e vir a classificar futuramente áreas degradadas que necessitam de avultados investimentos para serem restauradas.
Ainda assim, no caso terrestre a ZERO sugere desde já, a título de exemplo, algumas áreas onde uma classificação ou reclassificação contribua para que os 30% possam ser atingidos de forma mais expedita, nomeadamente a ampliação dos Parques Naturais das Serras de Aire e Candeeiros e do Tejo Internacional, a ampliação da Paisagem Protegida da Serra do Açor, e a criação da Paisagem Protegida da Serra do Mira (Beja/Ferreira do Alentejo) e das Reservas Naturais (locais?) do Estuário do Mondego (Figueira da Foz) e da Lagoa de Óbidos (Caldas da Rainha e Óbidos). No caso do mar, é crucial complementar o ordenamento do espaço marítimo com a meta dos 30%, garantindo compatibilização dos usos do espaço marítimo com as metas de conservação da biodiversidade.
Atingir os 10% de proteção estrita não é fácil, mas existem soluções
Já no que concerne às áreas hoje enquadráveis como proteção estrita, o caminho apresenta-se bem mais espinhoso, quer no caso terrestre (mais), quer no caso marinho (menos), atendendo que apenas 0,17% do território continental se encontra em regime de proteção total e somente 0,02% do mar territorial pode considerar-se integrado nesta figura de proteção.
Ainda assim, e com a propriedade privada a ser omnipresente em quase todo o território terrestre e com o domínio público a representar uns insignificantes 2%, mas com o território marinho a pertencer totalmente ao Estado, a ZERO só pode concordar com as recomendações de um estudo encomendado pela anterior equipa do MAAC[iii], que preconiza que a solução passa não só por classificar (no mar) ou reclassificar (em terra) território público em áreas de proteção total, mas também pela aquisição por parte do Estado, a um valor justo, de propriedades com valor estratégico para a conservação da biodiversidade, pela contratualização da gestão de propriedades privadas para conservação e restauro da natureza e pelo desenvolvimento de incentivos financeiros e fiscais muito atrativos para classificação de áreas protegidas privadas de proteção total.
Para ZERO, o mais viável é que, anualmente, o Fundo Ambiental possua uma verba de montante significativo para que o Estado possa adquirir terrenos de interesse para a conservação, de acordo com prioridades bem definidas pela autoridade nacional de conservação da natureza e da biodiversidade, de modo a que, ano após ano, aumente a área pública destinada à preservação de espécies ameaçadas, com especial incidência na salvaguarda de espécies inscritas no cadastro nacional dos valores naturais classificados ou no recurso à renaturalização deve ser assumida pela autoridade nacional de conservação da natureza como estratégia preferencial para a conservação, uma vez que estamos perante uma abordagem eficaz na recuperação de sistemas complexos, para além de ser menos onerosa e de garantir melhores resultados para a conservação da biodiversidade no longo prazo. No caso do meio marinho, devem ser garantidos processos de decisão participada com os utilizadores do espaço marítimo e, se necessário, garantir indemnizações por não utilização de áreas (turismo) ou extração de recursos (pesca).
Melhorar o estado de conservação ou a tendência de, pelo menos, 30 % das espécies e habitats protegidos depende de gestão criteriosa de fundos da União Europeia
Por último, no que respeita a melhorar o estado de conservação ou a tendência de, pelo menos, 30 % das espécies e habitats protegidos da UE que não se encontram atualmente em estado favorável, o caminho é bem mais fácil uma vez que é a primeira vez que a política pública possui tantos recursos financeiros disponíveis para a conservação da natureza, designadamente ao nível de verbas provenientes da UE que serão geridas a nível regional, prevendo-se investimentos de 206 milhões do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER).
No entanto, a forma como irão ser gastos estes recursos justifica uma consulta pública sobre a utilização dos mesmos, já que se corre o risco de se financiarem projetos que nada têm a ver com a conservação da natureza, à semelhança do que aconteceu num passado recente.
Para a ZERO, só com uma parceria estratégica entre organismos públicos, organizações não governamentais de ambiente, a academia e outras entidades da sociedade civil, alicerçada em objetivo objetivos muito bem definidos e com uma combinação de verbas do FEDER com recursos do Fundo Ambiental e outros Fundos da União Europeia, designadamente do programa LIFE, é possível alavancar ainda mais o investimento público numa área tão necessitada e assim traduzir o investimento em resultados .
[i] Diagnóstico das Áreas Marinha Protegidas elaborado pela WWF, citado em Araújo, M.B. (Coordenação), Antunes, S., Gonçalves, E.J., Oliveira, R., Santos, S. & Sousa Pinto, I. 2022. Biodiversidade 2030: Nova agenda para a conservação em contexto de alterações climáticas. Universidade de Évora & Fundo Ambiental, Ministério do Ambiente e da Ação Climática, Lisboa.
[ii] https://www.tcontas.pt/pt-pt/ProdutosTC/Relatorios/RelatoriosAuditoria/Documents/2022/rel022-2022-2s.pdf
[iii] Araújo, M.B. (Coordenação), Antunes, S., Gonçalves, E.J., Oliveira, R., Santos, S. & Sousa Pinto, I. 2022. Biodiversidade 2030: Nova agenda para a conservação em contexto de alterações climáticas. Universidade de Évora & Fundo Ambiental, Ministério do Ambiente e da Ação Climática, Lisboa.
Fonte: ZERO