Há praticamente dois anos escrevi este texto aqui no Expresso lembrando que a melhor homenagem que poderíamos fazer “às vítimas da tragédia dos incêndios e ao esforço dos bombeiros que todos os anos arriscam a vida para nos salvar, é enfrentar o problema de vez, de forma radical e estrutural, para alterar de forma definitiva o rumo dos acontecimentos em matéria de fogos florestais. À época alertei que isso passava pela mudança de paradigma na gestão do território, em particular nas zonas rurais.
Nunca imaginei que passados dois anos estas matérias não estivessem resolvidas ou pelo menos a base da sua resolução lançada. Pensei que hoje a reconstrução das casas já estivesse feita, que as vítimas sobreviventes teriam todo o apoio do Estado, que os bombeiros teriam a sua capacidade reforçada e, sobretudo, que uma nova legislação que estimulasse a gestão partilhada da floresta, tonando-a rentável, equilibrada e sustentável já estivesse aprovada. Infelizmente, muito pouco disto aconteceu e as grandes reformas estão por fazer. Dois anos depois, nenhum dos projetos-piloto de reflorestação estão implementados. Por outro lado, esperava que hoje houvesse um maior pragmatismo e outra transparência na abordagem a estes problemas e apenas o nascimento do Observatório independente veio contribuir para um maior escrutínio público.
Se sem a reforma da floresta é impossível evitar a necessidade de uma estrutura de combate eficaz, a obrigação do Estado, e aqui do Governo e das autarquias, é garantir que fez tudo o que estava ao seu alcance para reduzir os riscos. Não compreendo nem aceito que Estado continue a facilitar em assuntos que estão ao seu alcance e que não dependem nem da mãe natureza nem da sorte.
É inaceitável e até vergonhoso que dois anos após estas tragédias continuemos a começar a época de combate com metade dos meios aéreos por contratar, com parte do dispositivo de combate sem mais formação, sem um planeamento atempado das necessidades operacionais, sem ferramentas modernas de apoio à decisão operacional, sem um plano adequado de utilização de máquinas de rasto e com os problemas de comunicações por resolver.
Chega a ser revoltante ver tanta propaganda em torno de algumas medidas e tão pouco empenho em resolver problemas crónicos do combate aos incêndios. Custa-me ver o achincalhamento dos bombeiros, a quem muitos de nós devem a vida, e o frouxo reforço dos seus meios e condições. Não me conformo com a falta de transparência e rigor nos números e estatísticas apresentadas pelo Governo e pela Proteção Civil. Repudio também a falta de cuidado e de investimento por parte de diversas autarquias que ignoram o seu papel na minimização dos impactos dos fogos florestais.
Dois anos após as tragédias de 2017 vejo hoje como perdida a oportunidade concedida pela comoção nacional, por uma comunidade que estaria disponível para grandes reformas, onde o poder político tinha capacidade financeira e apoio partidário e político para assumir estas áreas como prioridades e para fazer acordos de regime.
O país está hoje mais preparado do que em 2017 para enfrentar a época de fogos? Sim, claro que sim. Mas não está assim tão diferente. O Governo tinha a obrigação e as condições para ter feito muito melhor. Essa sim era a homenagem que as vítimas mereciam.