No dia em que se celebra, pela primeira vez, o Dia Nacional da Sustentabilidade, instituído pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 56/2023, publicada a 9 de junho de 2023, correspondente ao aniversário (oitavo) da aprovação pelos líderes mundiais da resolução da ONU intitulada “Transformar o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável relembra que os dias temáticos são sempre momentos importantes que podem ser usados para a consciencialização da população para determinados temas, fazer balanços ou anunciar políticas publicas, medidas, estratégias de ação sobre o tema em questão. Contudo, são efémeros e o que acaba por ser realmente relevante é o que é feito sobre o tema em todos os outros dias do ano.
E no que toca à sustentabilidade Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer.
Um exemplo claro de insustentabilidade é a nossa pegada ecológica, que muito embora tenha estagnado (sendo em 2023 idêntica à de 2022), ainda implica que se cada pessoa no Planeta vivesse como uma pessoa média portuguesa, a humanidade exigiria cerca de 2,9 planetas para sustentar as suas necessidades de recursos. Tal implicaria que a área produtiva disponível para regenerar recursos e absorver resíduos a nível mundial esgotar-se-ia no dia 7 de maio. A partir daí seria necessário começar a usar recursos naturais que só deveriam ser utilizados a partir de 1 de janeiro do próximo ano.
Numa análise recente feita pela ZERO a vários indicadores ambientais, sociais e económicos, usando como comparação a média comunitária ou a média da OCDE, ficou claro que, seja na componente do combate às múltiplas desigualdades – de rendimento, de género, de acesso à informação, à educação, à saúde e à qualidade de vida – seja no estímulo a um modelo económico diferente, onde outras formas de economia – locais, sustentáveis, partilhadas, inclusivas – são potenciadas, há ainda um longo caminho a percorrer.
Também na área da saúde, a balança alimentar Portuguesa indica que consumimos cerca de 3 vezes a proteína animal que deveríamos, mas somos deficitários no consumo de legumes, frutas e leguminosas. Portanto privilegiamos o consumo dos alimentos com maior pegada ecológica.
Na área da mobilidade, por exemplo, apenas 9,7% do consumo final bruto de energia nos transportes provém de fontes renováveis, segundo dados do Eurostat, o que demonstra as lacunas que o nosso país apresenta neste domínio.
Também ao nível da eficiência e circularidade no uso dos recursos/materiais, Portugal situa-se muito abaixo da média da União Europeia (2,2% vs 13%), o que quer dizer que apenas 2% dos materiais que entram na economia acabam a ser reintegrados na mesma após chegarem ao fim do seu primeiro ciclo de vida, o que deixa a nossa economia ainda mais exposta à volatilidade dos mercados internacionais.
O facto de, não obstante termos já um bom desempenho em termos de penetração das energias renováveis no consumo final de energia (34%), mantermos ainda uma fortíssima dependência energética do exterior (65,2%) demonstra que mesmo onde o desempenho surge acima da média, mantém-se grandes desafios pela frente.
Visão mais abrangente
O que os dados nos indicam é que fazer mais do mesmo, ou intensificar algumas ações aqui e ali não será suficiente para que Portugal possa ser considerado sustentável. São necessárias ações estruturais e mudanças em termos de distribuição do rendimento, de integração dos custos ambientais, de reflexão conjunta sobre as soluções necessárias para que a sustentabilidade se torne uma realidade, sendo que muitas terão implicações em poderes instalados e serão contrárias aos interesses de lóbis que muito têm beneficiado com o atual insustentável modelo de produção e consumo.
Medidas para melhorar a sustentabilidade ambiental de Portugal
Existem medidas e ações que podem e devem ser implementadas para começar a inverter a tendência de antecipação do dia no ano em que Portugal tem de começar a usar o cartão de crédito ambiental, entre elas:
– Apostar numa agricultura promotora da soberania alimentar (produção de alimentos de qualidade; preservação dos solos, redução da poluição e do uso de água; valorização de serviços de ecossistema) reduzindo progressivamente até à completa eliminação dos apoios a práticas agrícolas assentes num único output – produção.
– Aproveitar o potencial de redução de deslocações e viagens (em particular as feitos por avião) através do teletrabalho e da realização de eventos habitualmente presenciais, em formato virtual. Para muitas empresas, entidades, trabalhadores o as reuniões virtuais e do teletrabalho são já uma realidade, o que pode ter reflexos positivos no futuro, em termos de ganhos ambientais, sociais e económicos.
– Investir de forma decisiva na criação de infraestrutura que permita uma muito mais significativa utilização de modos suaves de transporte, em particular incentivando o uso da bicicleta e eventualmente combinados com o transporte público, no sentido de evitar a degradação da qualidade do ar nas cidades para os níveis antes da crise.
– Regulamentar para que os produtos colocados no mercado sejam sustentáveis. Por exemplo, implementar normas de durabilidade, garantias do direito a reparar e atualizar, de reutilização e reciclabilidade. Estas medidas permitirão criar áreas de trabalho qualificado e promover uma redução da pegada dos produtos.
– Promover uma nova abordagem económica apostando na Economia do Bem-Estar, que procura estratégias a montante, desenhadas especificamente para responder às necessidades fundamentais e prioridades das pessoas, em vez de apostar em investimentos a jusante, com o objetivo de resolver ou minimizar os impactos negativos decorrentes de uma Economia focada no modelo atual de crescimento, em pleno respeito pelos limites do planeta.
E onde é que cada um de nós pode fazer a diferença?
Reduzir a presença de proteína animal na alimentação: os dados para Portugal indicam que cada português consome cerca de três vezes a proteína animal que é preconizado na roda dos alimentos, metade dos vegetais, um quarto das leguminosas e dois terços das frutas. Aproximar a nossa dieta à roda dos alimentos reduz, de forma significativa, o impacto ambiental associado à alimentação e é mais saudável.
Movimentarmo-nos de forma sustentável: privilegiar os transportes coletivos, andar de bicicleta, a pé, e claro, reduzir ou eliminar mesmo as viagens de avião substituindo nomeadamente as reuniões por videoconferência.
Consumir de forma mais circular e consciente: é fundamental mudar o paradigma de “usar e deitar fora”, muito assente na reciclagem, incineração e deposição em aterro, para um paradigma de “ter menos, mas de melhor qualidade”, com um forte enfoque na redução, reutilização, troca, compra em segunda mão e reparação.
Fonte: ZERO