Ao longo dos 25 anos em que me dediquei à região dos Vinhos Verdes, devo ter comido uns bons metros de croquetes em sessões solenes de todo o género, das quais guardo elevados níveis de colesterol e escassa memória dos assuntos tratados. Nenhuma destas foi, asseguro o leitor, para celebrar o vitis.
Quando, no sector do vinho, se debatem os programas apoio, um dos pontos mais levantados é a necessidade de simplificar as regras. Surgem facilmente exemplos sobre minudências regulamentares que pesam na elaboração das candidaturas, na sua análise e aprovação e, em última fase, na sua execução. O mais caricato destes, citado vezes sem conta, foi aquela prova de vinhos feita há uns anos numa embaixada portuguesa no continente americano, que o programa se recusava a financiar pois a promoção deveria ser realizada em mercados de exportação e a embaixada é território nacional.
Lançado em 2000 no pólo oposto de tudo isto, o vitis, chegou simples, focado no objetivo da renovação de vinha, usando métodos forfetários para identificar os investimentos e incentivando as candidaturas agrupadas. O vitis não foi o primeiro programa de apoio à vinha: em anos anteriores, os programas operacionais da vinha, no âmbito do Agro e do Pamaf já tinham apoiado um volume significativo de investimentos. Porém a sua conceção simples e a posterior garantia de financiamento fez com que os agricultores percebessem que tinham ali uma ferramenta fácil, bem financiada e com perspetivas de futuro. Agora era possível planear investimentos e confiar na sua realização. O vitis respondeu a uma necessidade, a de renovar a vinha, mas a sua simplicidade acabou por incentivar a procura.
No início da década de 2000, em anos sucessivos fiz com o então responsável da vinha na DRAP Norte, Engº Bernardino Mota, uma verdadeira campanha eleitoral pelo vitis. Durante semanas marcamos todos os dias uma reunião de manhã e uma à tarde com viticultores nos 48 concelhos do Entre-Douro-e-Minho. Cada um munido como seu powerpoint, eu a explicar que valia a pena investir em Vinho Verde e a prometer mercado para as uvas (!) e ele a explicar o processo de candidatura, os valores do apoio e prazos. Às vezes tínhamos 5 ouvintes, outras vezes 50. No ano mais intenso fizemos 54 sessões, como ele me lembrou há dias. Foi assim que se lançou o vitis no Minho.
A dimensão económica, social e paisagística do Vitis é impressionante. Hoje não haveria a paisagem vitícola que temos, não haveria sucessos de exportação que nos aproximam dos mil milhões de euros de vendas nem haveria a explosão do enoturismo sem que se identifique o vitis como uma das principais alavancas impulsionadoras do sector. De acordo com dados divulgados pelo Instituto da Vinha e do Vinho, quanto ao período de 2009 a 2021 ( portanto faltando os nove anos iniciais e 2022 ), o vitis investiu mais de 580 milhões de euros e renovou 57 mil hectares de vinha. Em algumas regiões, a percentagem de vinha renovada é elevadíssima, por exemplo nos Vinhos Verdes foram renovados dez mil hectares de uma área total atual de 16 mil e no Douro foram renovados 17 mil hectares de uma área total atual de 40 mil hectares. Foram aprovadas 33.000 candidaturas.
Duas décadas de vitis justificariam um balanço detalhado, com rigor académico. Está por documentar o efeito que o vitis teve no sector cooperativo. A bonificação, económica e em prazo de execução, das candidaturas agrupadas, permitiu que se apoiassem milhares de micro viticultores, evitando assim o seu abandono e, com este a insustentabilidade do modelo cooperativo nesses locais. Está também por registar o efeito que o vitis teve no desenvolvimento do sector viveirista. Importaria perceber qual é o efeito do vitis no preço da uva e do vinho. Sem vitis teríamos menos investimento, menos vinha e certamente uvas e vinho bem mais caros. Que efeito teria isso na rentabilidade do viticultor ?
Todos os anos as regras do vitis evoluem. Questões como a sustentabilidade ambiental, o incentivo aos jovens agricultores e a primazia dos investimentos para vinhos com DO são exemplos disto.
Portugal tem uma das taxas de apoio mais elevadas em percentagem do investimento final. Debate-se se não faria sentido apoiar menos por hectare, assim alargando os apoios a mais candidaturas e responsabilizando mais os investidores.
Importaria também investir na expansão territorial do vitis, certo de que ele tem investido bem mais no Douro e Vinhos Verdes do que nas restantes regiões.
Não está no horizonte o fim do programa mas, antecipando que um dia estará, seria importante estudar o vitis e perspetivar o país vitícola sem esta ferramenta.
Eu não estava lá, em 1999, quando o vitis foi concebido. Correndo o risco de ser injusto por omissão, há nomes que importa reter. O Secretário de Estado da Agricultura à data era o Dr Luís Medeiros Vieira, conhecido pela sua gestão focada e assertividade de decisão. No IVV presidia o Engº José Santos Soeiro, um quadro superior da administração com uma carreira admirável e dotado de uma infindável capacidade para abordar de forma construtiva os casos mais difíceis. O IFADAP era representado por uma jovem técnica, cuja carreira a trouxe a ser hoje vice presidente do IVV, a Engº Sandra Vicente. Não esqueço ainda o Engº Rolando Faustino, durante décadas o responsável pela vinha no IVV.
O vitis está com 23 anos e pleno de saúde. Já que não celebramos em 2000, ao menos em 2025, que alguém mande vir uns croquetes !
Gestor, Ex-presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes