Enquanto assistimos a intensas negociações na geopolítica mundial e em diversas frentes – Israel e o conflito com o Hamas, as sucessivas imagens que só nos envergonham da fome em Gaza, a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, longe do fim, e as negociações com o Irão, que agora ameaça bloquear o Estreito de Ormuz –, em Bruxelas tivemos os ecos das reações à proposta de Orçamento Plurianual da União Europeia para o período 2028-2034, com as organizações com assento no Grupo de Diálogo Civil sobre a PAC, em reunião realizada no dia 23 de julho, a manifestarem em relação a ela o seu profundo desagrado, reiterando posições já conhecidas e veiculadas na semana passada.
Com os cortes anunciados, a Visão sobre a Agricultura e Alimentação fica seriamente comprometida, bem como o Mercado Único, e, sem investimento à altura das ambições, a Europa não conseguirá responder aos desafios globais de alimentar uma população mundial que tenderá a crescer e que necessita de mais alimentos. Vejam-se aliás as conclusões do último relatório da OCDE-FAO 2025-2034 sobre as Perspetivas agrícolas globais, que destacam desafios e oportunidades para a segurança alimentar e sustentabilidade.
Na referida reunião do Grupo de Diálogo Civil, a DG AGRI manifestou algum desconforto – será a grande perdedora – mas as verdadeiras decisões políticas terão de evoluir e ser esgrimidas noutros palcos. É evidente que se trata de uma proposta, um ponto de partida, mas, ainda assim, não é o melhor, não nos é favorável, certamente não vai ficar assim porque vai existir uma intensa discussão no Conselho e no Parlamento Europeu. Pela nossa parte, iremos lutar por aquilo em que acreditamos em todos os fóruns em que formos chamados a intervir. Sem agricultura e pecuária não pode existir uma indústria agroalimentar sustentável e competitiva, ficamos mais dependentes e vulneráveis, expostos a uma conjuntura mundial cada vez mais incerta e volátil. Talvez a pausa de verão seja de acalmia neste processo, mas não é uma calma “parada” porque existe, já, a perceção de que em setembro o regresso dos agricultores às ruas (e em Bruxelas) pode ser uma dura realidade. Todos temos de fazer a nossa parte.
Por cá, tivemos o “susto” do aumento dos preços da água no Alqueva, na sequência de uma entrevista de José Pedro Salema ao ECO, na qual admitiu aquela inevitabilidade. Surgiram de imediato reações e comunicados dos agricultores e pouco tempo depois a certeza da parte do Governo de que não irão existir aumentos. No entanto, quem conhece a situação no terreno, a necessidade de melhorar as infraestruturas de rega, em alguns casos bastante degradadas, e o imperativo de uma gestão equilibrada nas contas, tem a noção de que alguém tem de pagar uma fatura que tende a aumentar nos próximos anos. Mais uma questão sensível, que vai regressar, mais tarde ou mais cedo.
Outro tema que não nos vai dar descanso é o dossier da desflorestação (EUDR) que a menos de 6 meses da sua implementação, continua indefinido, sem se saber se vai ser simplificado e flexibilizado (e como?) ou adiado. Para já, os contactos com os Gabinetes dos Comissários da Agricultura e do Comércio não têm dado quaisquer garantias, a não ser a de “compreensão” e “partilha de preocupações”, mas a fatura deverá situar-se nos 1,5 mil milhões de euros, apenas no caso da soja, não sendo de afastar ruturas de abastecimento. No entanto, o dossier é gerido pela DG ENVI (Ambiente), pelo que há que pressionar novamente a Comissária do Ambiente e os eurodeputados.
Custa muito perceber que, na sua génese atual, temos pela frente um “monstro” legislativo repleto de incerteza jurídica?
Finalmente, e talvez, para já, o mais relevante: as tarifas impostas pela Administração Trump e o impacto para a União Europeia, que nas contas da FEFAC, COCERAL e FEDIOL, se situa nos 2 mil milhões de euros, afetando, e de que maneira, a competitividade da fileira pecuária, arrastando naturalmente outros setores que dela dependem, direta ou indiretamente.
Do que sabemos, tal como anteriormente, as negociações estão a correr bem, existem noticias ou especulações (de acordo com a Administração norte-americana) de que o acordo será fechado em breve, com tarifas de 15% aos bens importados, mas nada sabemos sobre os contornos de tal acordo e se a Comissão vai retaliar com as suas imposições tarifárias. O prazo, como sabemos, termina no dia 1 de agosto pelo que na próxima semana (eventualmente durante o fim de semana, pelas redes sociais, como tem sido hábito) podemos ter algumas novidades.
O que sabemos é que a União Europeia (e bem) continua a procurar alternativas. Saudamos o 6º ano do acordo comercial com o Japão, numa altura em que decorre a 25ª Cimeira com a China, no quadro dos 50 anos de relações bilaterais. Para já, foi possível definir uma declaração conjunta ao nível do combate às alterações climáticas, o que não deixa de ser muito positivo.
É evidente que, como aqui o dissemos em Notas anteriores, a Europa tem de fazer o seu caminho, encontrando alternativas sólidas aos Estados Unidos, sem descurar as relações transatlânticas e o seu papel noutras geografias, desde logo na Ásia ou na América do Sul. A sua força será sempre o multilateralismo, a diversidade e a universalidade.
Contudo, a enorme incerteza nos diferentes dossiers vai desafiar-nos e colocar-nos à prova já em 2025 e nos próximos anos.
Aqui chegados, a questão que se nos coloca é se nesta pausa de verão, e a começar pela “guerra tarifária”, vamos ter direito a Silly Season. Já merecíamos um mês de calmaria para digerir os acontecimentos, mas aguardemos para ver que “tolices” nos reserva o mês de agosto. Para já, receamos que possa ser silly, mas a trazer-nos o oposto de tranquilidade.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA