Um lago de plásticos…
E se lhe dissessem que pior que os oceanos estão os lagos, barragens e albufeiras em relação à quantidade de plásticos e microplásticos que acumulam?
Já nos habituámos a ouvir dizer que os microplásticos estão por toda a parte, mas tínhamos até então a perceção que estes eram “apenas” verdadeiramente abundantes nos oceanos. Mas um artigo científico publicado na revista Nature, no qual foram analisados 38 lagos de 23 países, de todo o mundo, revelou que algumas massas de água doce, como lagos, barragens e albufeiras, concentram mais plástico que as grandes zonas de acumulação oceânicas já conhecidas. E o mais preocupante é o facto de algumas destas massas de água doce se encontrarem em locais remotos e com baixo impacto humano. O estudo liderado por Verónica Nava, investigadora da Universidad de Milano-Bicocca (Itália), envolveu uma equipa mundial de quase 80 investigadores, na qual encontramos investigadores do MED – Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento sediado na Universidade de Évora e do CIBIO-Açores (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) sediado na Universidade dos Açores.
A poluição por plásticos e microplásticos tem um grande impacto à escala global, afetando locais remotos onde a presença humana é mínima. O estudo publicado na revista Nature confirma pela primeira vez que, em alguns casos, as concentrações de plástico encontradas em algumas das massas de água doce analisadas são mais elevadas do que em locais do oceano, já identificados, que acumulam grandes quantidades de resíduos e são conhecidos como “ilhas de plástico”.
Este trabalho envolveu quase 80 investigadores pertencentes à Rede Internacional de Observatórios Ecológicos de Lagos (GLEON), que desenvolve atividades de investigação científica à escala mundial sobre processos e fenómenos que ocorrem em ambientes de água doce. Os investigadores distribuídos por 6 continentes, e 23 países diferentes, recolheram amostras em 38 locais representativos das diferentes condições ambientais.
“Uma vez recolhidas as amostras, as diferentes equipas enviaram-nas para a Universidade de Milano-Bicocca onde, com recurso a tecnologias como a microespectroscopia Raman, foi efetuada uma análise extremamente precisa que confirmou a composição polimérica dos microplásticos. Entre os resultados, destaca-se a presença de poliéster, polipropileno e polietileno.” revela Miguel Matias, investigador do MED-UÉvora.
Em Portugal, os locais analisados foram a albufeira do Alqueva, no Alentejo, que ocupa o 13º lugar na tabela das 38 massas de água analisadas com mais acumulação de detritos plásticos, e a Lagoa Azul, na ilha de S. Miguel Açores, em 9º lugar.
Miguel Matias e Zeynep Ersoy, investigadores no MED – Cátedra “Rui Nabeiro” Biodiversidade – Universidade de Évora, responsáveis pela colheita das amostras na Albufeira do Alqueva realçam a importância deste estudo pioneiro onde “pela primeira vez se fez uma análise estandardizada da prevalência de microplásticos em corpos de água à escala global. Até agora, muito do conhecimento que tínhamos sobre microplásticos em águas doces resultava da agregação de estudos de equipas individuais, muitas vezes com metodologias diferentes. Os nossos resultados indicam claramente que a densidade populacional e a urbanização, bem como a dimensão da bacia hidrográfica e os tempos de retenção da água, são determinantes para explicar a vulnerabilidade dos lagos e reservatórios à poluição por plásticos.
Vítor Gonçalves e Pedro Raposeiro, investigadores do CIBIO Açores, sediado na Universidade dos Açores, salientam que “o mais preocupante é o facto de terem sido encontrados microplásticos em lagos em zonas de baixo impacto antropogénico, levando-nos a questionar se existirão ainda ecossistemas aquáticos “pristinos” não contaminados por microplásticos”.
Os investigadores portugueses acrescentam ainda que “nos casos particulares do Alqueva e da Lagoa Azul (Açores) não será surpresa para ninguém a presença de microplásticos. No entanto, é preocupante que os valores encontrados sejam relativamente altos para estas zonas de baixo nível de urbanização. O nosso estudo não permite estabelecer inequivocamente a origem destes microplásticos mas podemos especular que o uso generalizado e intensivo de plásticos em explorações agrícolas nas respetivas bacias hidrográficas e a intensificação do turismo e atividades de recreio sejam origens importantes desta contaminação.”
“Esperamos que este estudo contribua para uma maior sensibilização e visibilidade do problema dos microplásticos, para a investigação das fontes de contaminação e para a definição de estratégias de mitigação que reduzam a contaminação das águas doces”, concluem os investigadores do MED-UÉvora e CIBIO-Açores.
O estudo aponta alguns exemplos dos impactos negativos dos plásticos nos sistemas aquáticos, como a libertação de metano e de outros gases com efeito de estufa, por parte de plásticos que se encontram à superfície. Os investigadores defendem que é urgente compreender o destino dos detritos plásticos e determinar todos os seus impactos ecológicos (fauna, flora, solo, etc).
Os autores sugerem ainda que dada a concentração relativamente elevada de detritos plásticos, em especial em grandes massas de água como lagos, estes podem ser considerados “sentinelas da poluição plástica”, uma vez que atuam como coletores de diferentes fontes de plásticos provenientes das bacias hidrográficas e da atmosfera. Estas massas de água doce podem ser “condutores ativos”, uma vez que podem reter, processar e transportar plásticos através das bacias hidrográficas para os oceanos, geralmente considerados recetores finais de detritos plásticos. Este processo reforça assim a relevância dos lagos como componentes-chave no “ciclo do plástico” global. Por isso, os investigadores indicam como essencial a “otimização das políticas de gestão para mitigar a poluição por plásticos nos lagos de água doce a montante dos sistemas marinhos”.
Para saber mais sobre este estudo aceda AQUI ao artigo científico: Nava, V., Chandra, S., Aherne, J. et al. Plastic debris in lakes and reservoirs. Nature 619, 317–322 (2023). https://doi.org/10.1038/s41586-023-06168-4
Artigo publicado originalmente em MED.