Agricultura Intensiva e Futuro Sustentável são, para grande parte da população, conceitos absolutamente antagónicos. Apelidamos frequentemente de “intensivos” todos os processos que maximizam a produção de algo por unidade de superfície ou por intervalo de tempo, mas inconscientemente assumimos que estes tendem a ser, de alguma forma, pouco sustentáveis.
Mas nem tudo o que é intensivo é pouco sustentável!
A agricultura é a atividade mais antiga praticada pelo Ser Humano. Foi o que nos permitiu abandonar o nomadismo e fixarmos populações e que nos permitiu evoluir, reproduzir e proliferar nas mais diversas regiões do planeta. Hoje e desde há cerca de 10 000 anos atrás, todos dependemos várias vezes por dia de produtos agrícolas ou pecuários. Como tal, a principal razão do aumento das áreas dedicadas à agricultura e consequente “intensificação” do processo agrícola e pecuário é muito básica, satisfazer as necessidades alimentares da população.
Ora, será simples inferir que a agricultura do futuro terá que produzir muito mais para fazer face àquilo que será a explosão do crescimento demográfico que estimamos assistir até ao final deste século. E que este será o principal desafio, alimentar a população, com a mesma área de produção, com mais tecnologia e a consumir menos recursos. Há, no entanto, um problema. Assumindo que a produção agrícola consegue acompanhar o aumento da procura (que por si só é um desafio hercúleo), os bens alimentares não vão chegar da mesma forma e na mesma proporção a todos os locais do mundo.
Assistimos hoje àquilo a que se poderia assemelhar a uma guerra económica pela soberania alimentar. Os preços das matérias-primas básicas como o milho, a soja, o trigo ou o girassol subiram de forma vertiginosa, o que está a causar o aumento substancial da inflação dos produtos alimentares. A China, com a sua enorme dimensão e capacidade económica estima, em 2021, aumentar cerca de 33% as importações das principais matérias-primas agrícolas comparativamente a 2020. Este aumento significativo vem reforçar o papel da China como o principal comprador mundial e causa uma desregulação total nos mercados. Alguns países produtores começaram já a limitar exportações para controlar a inflação alimentar nos seus territórios, como é o caso da Argentina a bloquear as exportações de carne ou a Rússia a criar taxas à exportação de sementes e óleo de girassol. Torna-se, portanto, cada vez mais difícil e mais caro conseguir garantir alimentos para satisfazer as necessidades básicas das populações.
Paralelamente a tudo isto, a Europa caminha a passos largos para a definição de uma estratégia económica mais verde, que tem como principal bandeira a descarbonização da economia em todos os seus setores, incluindo a agricultura. Esta estratégia pretende, entre outras coisas, reduzir o uso de fertilizantes em 20% e o uso de pesticidas em 50% e poderá, segundo as estimativas mais pessimistas da USDA, resultar numa redução de 12% da produção de matérias-primas agrícolas e um consequente aumento do seu custo de produção em 17%. A Europa corre então o risco de se tornar muito mais dependente do exterior e de ficar com a sua capacidade produtiva muito mais limitada.
Estará então a Europa prestes a tornar-se no primeiro continente totalmente descarbonizado, mas esquecendo o fundamental?
A solução parece-me estar, como sempre, num meio termo. É importante termos a ideia clara devemos caminhar para um mundo mais sustentável, que respeite a natureza, mas que garanta as necessidades básicas de toda a população, agora e nos próximos 100 anos. A “intensificação” da agricultura é absolutamente necessária tal como a sustentabilidade e o respeito pelo meio ambiente. Devemos garantir que a nossa capacidade produtiva não perde ainda mais competitividade face a um mercado que é global e onde os maiores players se encontram fora da Europa. A viabilidade económica destes sistemas será promotora da coesão económica e social do meio rural, que continuará a manter a sustentabilidade ambiental destas regiões em detrimento do seu abandono e alienação.
Qualquer redefinição de estratégia é indutora de inovação e transformação de sistemas e por isso todos os intervenientes devem apostar na cooperação para o desenvolvimento de tecnologia que nos permita aumentar as nossas produções e reduzir os nossos consumos. Temos por exemplo o caso dos organismos geneticamente modificados que apesar de os importarmos e consumirmos diariamente continuamos a privar a nossa produção dessa tecnologia.
É extremamente importante limpar a imagem do setor agrícola junto da população em geral e redefinir a forma de comunicar. “A grande dificuldade do setor agroflorestal é comunicar de uma forma sexy, atrativa e irreverente, demonstrando à sociedade que é um setor inovador, fundamental para a economia, para a criação de emprego e acima de tudo para alimentar o mundo”[1].
A subsistência alimentar será um dos grandes desafios do futuro e uma Agricultura Intensiva Sustentável e Produtiva fará certamente parte da solução.
[1] Almeida e Viveiros (2021) Report for the Akis Inventory of I2connect Project.
José Pedro Pereira, licenciado em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais, Manager do Projeto Agrícola e Sourcing de Oleaginosas em Portugal na Sovena Group.
O artigo foi publicado originalmente em alumnISA.