Na Sexta-feira, na coluna da Oficina da Liberdade no Observador, escrevi sobre eucaliptos.
É um texto comprido que, com certeza, me valerá mais algumas medalhas como vendido aos interesses.
Logo de início cito algumas referências do movimento ambientalista e digo, sobre elas “nenhum deles, tanto quanto sei, estudou ou escreveu uma linha de um artigo científico relevante sobre os efeitos ambientais da produção de eucalipto”.
Eu bem tive o cuidado de escrever “relevante”, mas mesmo assim fizeram-me chegar uma observação com um artigo científico em que Jorge Palmeirim participa, que “mostra que os impactos sobre os artrópodes são grandes”, ou seja, não seria verdade que Jorge Palmeirim não teria escrito uma linha sobre os impactos dos eucaliptos.
Saltando por cima do facto de eu ter lá posto “relevante”, fui, naturalmente, ler e estudar o tal artigo, fazendo umas notas de leitura que me parece que tornam evidente como a crítica científica à produção de eucalipto pode ser cientificamente pobre e, no caso deste artigo, no limite da fraude científica, para ser brando, mesmo quando resultam de um artigo com co-autoria de um académico prestigiado como Jorge Palmeirim.
Comentários sobre “LOW MACRO-ARTHROPOD ABUNDANCE IN EXOTIC EUCALYPTUS PLANTATIONS IN THE MEDITERRANEAN”
Primeira frase do abstract “Exotic plantations of Eucalyptus are replacing large areas of extensive agroecosystems throughout the Mediterranean basin.” Esta frase é duplamente falsa. É falsa porque a plantação de eucaliptos não se espalha pela bacia mediterrânica, como se pode verificar facilmente pela distribuição da espécie e explicar ainda mais facilmente conhecendo as exigências ecológicas das espécies de eucalipto interessantes para a produção industrial, e é falsa porque a expansão de eucalipto não se faz pela substituição de extensas áreas de agro-sistemas extensivos, mas sim essencialmente pela substituição de matos e pinhais, o que pode ser verificado facilmente pelos dados de evolução da ocupação do solo, quer pelas metodologias usados no COS, quer pelo inventário florestal.
Segunda frase do abstract: “A comparison of the abundance of ground macro-arthropods in some of major types of traditional land uses in southern Iberia (cork oak woodlands, olive groves, fallow fields, vineyards, and riparian vegetation) revealed that Eucalyptus plantations held the lowest abundances for most groups of arthropods”. Pelas razões expostas acima, o desenho experimental deste artigo é absurdo, porque os eucaliptais não substituíram estes sistemas, mas matos e pinhais. Ou seja, as conclusões que podem ser tiradas sobre um desenho experimental como o descrito é apenas de que os eucaliptais estudados são menos biodiversos que os sistemas referidos. Isso não diz nada sobre o impacto da expansão dos eucaliptais porque não existe, a não ser marginalmente, substituição desses sistemas por eucaliptais.
Terceira frase do abstract: “This indicates that the expansion of Eucalyptus plantations in the Mediterranean is very negative for ground arthropods, and for the many species of vertebrates that depend on them as prey”. Para que esta conclusão fosse válida, era preciso um passo: demonstrar a substituição dos sistemas analisados por eucaliptal, uma hipótese altamente improvável. Se não houver esse passo, a conclusão é claramente abusiva e ilegítima.
O artigo começa, na sua introdução, por uma frase absolutamente falsa, e central para o desenho experimental e para as conclusões do artigo: “Throughout the Mediterranean basin exotic Eucalyptus plantations are replacing large areas of native woodland and traditional extensive agroecosystems, such as olive grove or cork oak woodland. Esta frase é assente numa referência: Carnus, J.M., Parrotta, J., Brockerhoff, E., Arbez, M., Jactel, H., Kremer, A., Lamb, D., O’Hara, K., Walters, B. (2006): Planted forests and biodiversity. – Journal of Forestry 104: 65-77.
Esta referência, no entanto, não diz respeito a alterações de uso do solo, ou avaliações de tendências de uso de solo em Portugal, quaisquer que sejam, mas à relação entre a plantação de povoamentos florestais e biodiversidade a uma escala mundial.
É portanto necessário ir saber em que medida o artigo citado suporta a afirmação de que os eucaliptais em Portugal (ou na Península Ibérica) se expandem à custa de vegetação pristina, e mosaicos agrícolas tradicionais extensivos, com olivais, sobreirais ou montados de sobro, vinhas, etc..
De facto, a referência em causa afirma: “For example, fast-growing species can replace native forest tree species because of their natural invasive potential, as has been observed, e.g., with eucalyptus in northwestern Spain and Portugal”.
Esta delirante afirmação (a expansão de eucalipto nas regiões citadas faz-se por plantação, e não por um processo de disseminação natural decorrente do carácter invasor da espécie) não é baseada em coisa nenhuma.
Mesmo que se admita que decorre da referência imediatamente anterior, MACK, R.N., D. SIMBERLOFF, W.M. LONSDALE, H. EVANS, M. CLOUT, AND F.A. BAZZAZ. 2000. Biotic invasions: Causes, epidemiology, global consequences, and control. Ecol. Appl. 10:689 –710., sobre espécies invasoras, o facto é que essa referência apenas inclui uma menção a eucaliptos, mas na África do Sul.
A única referência que poderia suportar uma premissa central do estudo é delirantemente falsa e não está fundamentada em nada que possa ser verificado de forma independente.
Ou seja, uma afirmação central em todo o artigo – as plantações de eucalipto substituem mosaicos tradicionais agroflorestais extensivos mediterrânicos – não tem qualquer suporte nas referências bibliográficas citadas e é factualmente errada, como se pode verificar na bibliografia que existe sobre evolução do uso do solo em Portugal, totalmente ignorada no artigo em questão.
A verificação de que a expansão de eucalipto em Portugal é feita com ocupação de áreas anteriormente ocupadas por matos e pinhais é sistemática e esmagadora em todos os estudos feitos sobre o assunto sendo incompreensível a hipótese usada no artigo (The objective of this study is to evaluate how the abundance of ground macro-arthropods inEucalyptus plantations in southern Iberia compares with that of some of the main land uses that they are replacing, namely cork oak woodlands, olive groves, vineyards, riparian vegetation and fallow farmland.”), sobretudo quando não é suportada em coisa nenhuma que não sejam referências bibliográficas genéricas sobre florestações, biodiversidade e invasoras no mundo que, ainda por cima, não dizem o que o artigo diz que dizem.
Como se não bastasse, o estudo é feito na região de Évora, que manifestamente não é uma área de plantação e expansão de eucalipto típica em Portugal, isto é, o estudo não só se faz comparando tipos de vegetação que não são substituídos por eucaliptos, como se faz com base num eucaliptal situado numa zona que não é especialmente favorável à produção de eucalipto.
Ainda assim, o próprio estudo admite que a baixa presença de artrópodes se pode dever a vários factores, incluindo o modelo de gestão (eucaliptais intensamente geridos, com idades em torno dos seis a sete anos numa área marginal para a produção da espécie) e não à presença de eucaliptos.
O que é coerente com a generalidade dos estudos sobre os impactes ambientais do eucalipto: o que é relevante é o modelo e intensidade de uso, não a espécie em causa.
Infelizmente, o estudo não se debruça sobre diferentes povoamentos de eucalipto, com diferentes características, para avaliar em que medida os resultados decorrem de modelos de gestão ou da presença da espécie.
O que é tanto mais estranho quando a primeira referência bibliográfica do estudo aponta exactamente no sentido de que eucaliptais, em zonas mais próxima do seu óptimo ecológico, apresentam resultados de presença de artrópodes semelhantes à sua envolvente natural.
Resumindo, da análise citada, a única conclusão possível, que não é nenhuma novidade, é a de que parte da academia e do sistema de publicação científica é permeável ao contrabando de ideias não fundamentadas, desde que sejam simpáticas para os preconceitos de grande parte desses académicos.
É claríssimo que este artigo, se apresentado a uma revista centrada em evolução do solo e matéras conexas, seria provavelmente recusado porque a premisa base que é usada para as suas conclusões é uma ideia que qualquer investigador que trabalhe com o tema sabe ser completamente falsa, demonstradamente falsa.
Como não sei se alguém para além dos autores, dos revisores da revista e de mim, alguma vez leu este artigo, a sua publicação não tem grande importância.
A sua única importância é fazer parte de uma vasta bibliografia do mesmo tipo que permite que outras pessoas, sem lerem o artigo integralmente, e sem verificarem as referências, continuem a dizer que há um estudo que mostra que a expansão do eucaliptal tem grandes impactos sobre os artrópodes.
Até pode ter, não é a minha área de trabalho, não me parece provável que tenha, mas uma coisa é absolutamente certa: não são estudos destes, mesmo publicados em revistas com revisão por pares, que o demonstram.
O artigo, como muitos outros do mesmo tipo, limita-se a cumprir a sua função de guerrilha ideológica.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.