Ter uma grande ideia pode não ser suficiente para mudar o mundo – a inovação é um processo comercial, bem como a inspiração científica. A transformação da investigação em produtos comercializáveis é, em parte, um desafio empresarial.
É do conhecimento geral que as proteínas, uma componente chave da nutrição humana, são também essenciais para a produção de alimentos para animais. Menos conhecido é o facto desconfortável de que grande parte das proteínas com que alimentamos os animais na Europa leva à desflorestação e à sobrepesca em todo o mundo.
A start-up de biotecnologia Deep Branch concebeu um processo de transformação bioquímica que converte o dióxido de carbono (CO2) num pó rico em proteínas para a alimentação animal.
O processo da Deep Branch converte dióxido de carbono num pó, chamado Proton, que tem cerca de 70% de conteúdo proteico. Uma quantidade muito superior ao da soja natural, que ronda os 40%.
A empresa britânico-holandesa Deep Branch é a criação de Peter Rowe, doutorado em biologia molecular pela Universidade de Nottingham no Reino Unido. A ideia de converter CO2 em proteínas era-lhe recorrente. Olhámos para o campo e perguntamo-nos «Porque raio não está ninguém a fazer isto?», disse Rowe.
Farinhas para peixe
A criação de gado e a piscicultura requerem alimentos com alta densidade de proteínas. Cerca de 80% da produção mundial de soja é utilizada para a produção de carne de vaca e laticínios, produtos cuja procura aumenta a par com o crescimento populacional.
A aquacultura depende da produção de farinha de peixe, por sua vez dependente em parte da captura de peixe no estado selvagem.
A agricultura da soja conduz à desflorestação, ao aquecimento global e à perda de habitat enquanto a pesca excessiva põe em perigo os ecossistemas e afeta o equilíbrio da vida nos oceanos. Globalmente, a produção alimentar tem um enorme papel a desempenhar nas crises climática e de biodiversidade.
Há também a questão da segurança alimentar. «A Europa está quase completamente dependente da América do Sul para as proteínas que usamos para alimentar os nossos animais», disse Rowe. «Há um grande risco de eventos extremos, geopolíticos ou mesmo meteorológicos, que podem perturbar este estado de coisas.»
Pó de protões
O dióxido de carbono pode provir de muitas fontes. No projeto piloto, a Deep Branch utilizou gás proveniente de uma fábrica de bioenergia que queima resíduos de madeira. «Cultivamos estes micróbios num biorreator», explica Rowe. «É a mesma tecnologia usada para produzir enzimas na biotecnologia, ou mesmo para fabricar cerveja.»
O dióxido de carbono é colocado num tanque de fermentação na forma gasosa, com adição de hidrogénio para servir como fonte de energia. Uma vez completo o processo celular, a proteína é então seca e transformada num pó para ser utilizada como ingrediente em rações animais sustentáveis.
Impacto real
É o tipo de ideia que poderia fazer crescer uma economia circular e sustentável. A Deep Branch surgiu da tese em biotecnologia de Rowe. No entanto, Rowe não estava necessariamente interessado numa carreira académica.
«Nunca me vi como um académico de carreira, mas um doutoramento é uma boa escolha para uma carreira em biotecnologia», disse. Por outro lado, «gosto da ideia de que a minha investigação tenha impactos reais e a curto prazo no mundo», acrescentou.
De acordo com Rowe, a investigação especulativa é sempre necessária, e as universidades são os locais ideais para o fazer. Mas fazer a ponte entre o sector académico e o sector privado apresenta os seus próprios desafios.
«Algumas tecnologias nunca teriam sido inventadas no sector privado», afirma Rowe. «Por vezes, são necessários avanços científicos fundamentais. Mas depois tem de haver uma transição para o mercado.»
Correr riscos
As universidades terão de melhorar as suas políticas relacionadas com empresas spin-off para que este processo funcione melhor, argumenta Rowe. Hoje em dia, quando a tecnologia é desenvolvida numa instituição, as universidades e mesmo os académicos individuais ficam com uma parte do valor de uma empresa spin-off.
O problema é que, por vezes, esta percentagem é demasiado alta. Quando isso acontece, pode ter um impacto no crescimento futuro da empresa, desincentivando o investimento privado.
«A universidade ou o académico que tem direito à participação não tem qualquer risco», disse Rowe. «Os doutorandos ou pós-doutorandos fundadores da empresa assumem todos os riscos.»
Ao assumir uma participação de capital demasiado grande, as instituições podem afetar o desenvolvimento do negócio. «Temos de assegurar que os jovens investigadores possam sair e assumir riscos», disse Rowe.
Entretanto, a Deep Branch parece ser um bom exemplo de como a transição do meio académico para a indústria privada pode funcionar bem. Com uma equipa em crescimento, a empresa está à procura de mais investimento para desenvolver as suas próximas instalações.
«Estamos a manter-nos ocupados», acrescentou Rowe, com um sorriso.
A investigação neste artigo foi financiada pela UE. Este artigo foi originalmente publicado na Horizon, a Revista de Investigação e Inovação da UE.
Fonte: Horizon – EU