O X Congresso Nacional de Suinicultura teve lugar nos dias 12 e 13 de abril em Ourém, onde o tema central foi a sustentabilidade da atividade, segmentada nos seus três pilares: económica, social e ambiental.
Durante dois dias o setor da suinicultura refletiu sobre os caminhos a trilhar rumo a uma suinicultura mais sustentável, mas vê com apreensão a concretização de objetivos de gestão conviventes com o procedimento conducente ao licenciamento da atividade pecuária que, em Portugal, é demasiado moroso, complexo e ineficiente, sendo por isso o primeiro aspeto estrutural a ser alterado na ótica do setor.
O X Congresso Nacional de Suinicultura contou com a presença do Secretário de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Gonçalo Rodrigues.
Internacionalização para a sustentabilidade
A pandemia veio colocar um travão na trajetória ascendente do ritmo das exportações portuguesas, sobretudo para países asiáticos. A retoma económica a nível mundial não foi feita à mesma velocidade, sendo evidente que o grande lesado da pandemia foi o continente europeu, onde economias como a francesa, a alemã, a italiana e a espanhola só em 2023 atingiram níveis do PIB em valor absoluto equivalentes a 2019.
Agravando este fator, a guerra na Ucrânia tem conduzindo a uma crise inflacionista com forte epicentro na Europa, que coloca em sérias dificuldades económicas os consumidores, sobretudo dos países onde o poder de compra é menor, como é o caso de Portugal, reduzindo o consumo inclusive dos bens essenciais.
Este foi o cenário macroeconómico traçado por Paulo Portas no X Congresso Nacional de Suinicultura, evidenciando que o mundo está perante uma mudança estrutural na sua forma de estabelecer relações comerciais. A globalização pode agora dar lugar a uma fragmentação comercial como nova ordem mundial, dependendo sempre das relações diplomáticas entre Estados Unidos e China, sendo inevitável que o centro de negócios internacional se transfira para o Pacífico, constituindo-se a Europa como um bloco ultraperiférico.
Também as novas economias emergentes fortalecem os blocos comerciais da América e da Ásia, com a Indonésia e o México a posicionarem-se dentro das 7 economias mais prósperas a nível mundial.
Face a este cenário, a internacionalização da fileira foi tema de debate no X Congresso Nacional de Suinicultura com a participação dos maiores exportadores a nível europeu.
Knud Buhl, diretor da Danish Crown (Dinamarca), Kiko Abenia, diretor da Vall Companys (Espanha) e Amândio Santos, diretor do ICM Group – Grupo Primor (Portugal), partilharam as suas projeções relativamente ao mercado mundial nos tempos mais próximos.
Os três apontaram a necessidade de diversificação de mercados como estratégia de exportação, de modo a evitar a excessiva dependência de mercados marcadamente estatizados e voláteis, como são os asiáticos.
Mercados como a China, Japão, Coreia do Sul, Filipinas, Vietname e Tailândia continuarão a assumir um papel de extrema relevância para os exportadores, mas importa encontrar uma segmentação que assegure a maximização de valor dos produtos da fileira da carne de porco.
Bem-Estar como compromisso de sustentabilidade social
Em abril de 2020, em plena pandemia, a Comissão Europeia divulgou a sua estratégia “From Farm to Fork”, dentro do Programa Green Deal. Dentro desta estratégia foram assumidos quatro grandes objetivos a concretizar até 2030:
- Reduzir em 50% o uso de pesticidas;
- Reduzir o uso de fertilizantes em 20%, garantindo a redução da perda de nutrientes em 50% e ao mesmo tempo não comprometer a fertilidade do solo;
- Reduzir o uso de antibióticos em 50% para os animais de produção;
- Alcançar 25% de terras agrícolas em agricultura biológica.
Entre os aspetos que sofrerão revisões legislativas, aquele que maiores adaptações exigirá à pecuária é no âmbito do bem-estar animal.
Miguel Angel Higuera, presidente do grupo de trabalho para a sanidade e bem-estar animal no COPA-COGECA, apresentou os desenvolvimentos que estão a ser levados a cabo na Comissão Europeia com vista à apresentação de legislação no segundo semestre de 2023.
A iniciativa cidadã “End the Cage Age”, promovida por organizações financiadas por interesses norte-americanos que visam o estrangulamento da produção europeia com vista à maior competitividade em mercados externos, recolheu mais de 1,3 milhões de assinaturas para que o Parlamento Europeu colocasse o tema do bem-estar animal dos animais de produção na ordem do dia.
Foi constituído um grupo de estudo coordenado pela EFSA que irá comunicar as suas conclusões no segundo semestre de 2023, esperando-se que no que respeita aos suínos haja novidades no âmbito do uso de jaulas, do espaço disponível por animal, das práticas de mutilações (corte de caudas, dentes e castração), do material de enriquecimento ambiental, da monitorização das explorações, da formação de recursos humanos, das práticas de seleção genética e dos requisitos de bem-estar animal para produtos importados de origem animal.
Importa referir que os impactos ambientais produzidos pelas adaptações no âmbito do bem-estar animal não estão a ser tidos em conta, pondo em conflito a própria agenda ambiental da Comissão.
No X Congresso Nacional de Suinicultura estiveram presentes vários atores que interagem na órbita da complexa definição do conceito de bem-estar animal. Susana Pombo, diretora-geral de Alimentação e Veterinária, Divanildo Monteiro, diretor do departamento de zootécnica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Elisa Bianco, membro da Essere Animali, organização de defesa dos direitos dos animais associada do Eurogroup for Animals e Vítor Menino, suinicultor e dirigente associativo, partilharam as suas visões sobre o caminho que deve ser seguido pela produção suinícola no âmbito da melhoria do nível de bem-estar animal.
Primazia à valorização agrícola de efluentes
A sustentabilidade ambiental continua a ser o maior desafio para o setor nos próximos anos. Com vista a reduzir as emissões geradas na atividade, é preciso inovar no ponto de vista da formulação das rações fornecidas aos animais.
Coral Carrasco, coordenadora do departamento de investigação, desenvolvimento e sustentabilidade da empresa espanhola Vall Companys, conclui que a indústria deve ter uma atitude proativa face às novas exigências impostas às fileiras da proteína animal, mas refere que as excreções de azoto e fósforo são muito inferiores aos valores assumidos como referência. Reforça ainda o papel importante da nutrição animal na pegada de carbono da cadeia produtiva da carne, existindo ferramentas para continuar a redução de emissões de forma sustentável e económica. A ciência contribuirá para continuar a trajetória de redução de emissões do setor.
Para a fileira, o desafio é encontrar o equilíbrio para cumprir as reduções no impacto ambiental com um aumento sustentável do custo de produção e viabilidade económica da indústria.
Houve ainda lugar à discussão sobre a aplicação de efluentes pecuários, sendo estes vistos como um recurso e não como um resíduo. David Fangueiro, professor do Instituto Superior de Agronomia e Sara Correia, da Associação Zero, refletiram sobre o impacto da aplicação de efluentes pecuários sobre os recursos solo e água, concluindo que os efluentes são uma fonte importante de nutrientes que devem ser geridos na devida conta, peso e medida.
O obstáculo à efetivação da valorização agrícola prende-se com políticas nacionais emanadas pelo Ministério do Ambiente que, acima da legislação europeia, na prática proíbem a utilização de fertilizantes orgânicos em benefício dos fertilizantes de síntese em grande parte do território nacional.
O licenciamento pecuário enquanto obstáculo à sustentabilidade
De forma transversal a todos os temas em debate surge invariavelmente a problemática do licenciamento de explorações pecuárias em Portugal. Com a complexidade, morosidade e ineficácia de todo o processo, as empresas veem como inviáveis os investimentos em modernização, adaptação e ganho de escala, impedindo a adoção de medidas que se traduzam em capacidade exportadora, melhoria do nível de bem-estar animal das explorações e melhores sistemas de gestão de efluentes.
No seu discurso de abertura do X Congresso Nacional de Suinicultura, David Neves, Presidente da FPAS considerou que “é terceiro mundista o panorama que temos no país no que diz respeito ao licenciamento da atividade pecuária, um desafio que periga sobremaneira o desenvolvimento desta atividade económica e com o qual dificilmente algum setor consegue operar, quanto mais prosperar.”
Deu ainda alguns exemplos dos impasses que se verificam neste dossier, como é o caso do diferendo que se mantém entre Ministério da Agricultura e Ministério do Ambiente relativo à definição de capacidade instalada de uma exploração: “vemos com apreensão que o Ministério da Agricultura insista em não tomar para si os bens que estão à sua guarda jurídica, como é a questão do bem-estar animal associado à questão da definição da capacidade instalada das explorações suinícolas.”.
David Neves concluiu que “está na hora de resolver de uma vez por todas estes constrangimentos e fazermos a economia do país avançar. Com procedimentos administrativos que não acompanham o ritmo das empresas, não podemos esperar menos do que ser ultrapassados por economias hoje mais débeis.”
Sobre a Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS)
Fundada 1981, a FPAS é uma Associação sem fins lucrativos que visa o estudo e o acompanhamento das questões relativas à suinicultura, nomeadamente, através da coordenação da atividade geral da suinicultura federada e das suas relações com as entidades oficiais e com os outros setores da produção de carne. A análise de dados técnicos, económicos, financeiros acerca do setor, bem como da situação, evolução e perspetivação de mercado é, também, uma responsabilidade desta Federação. A FPAS contribui, ainda, para a definição de estratégias e políticas de regulação e desenvolvimento geral do setor.
Fonte: FPAS