No ano em que a IACA comemora 50 anos, fomos falar com o presidente da associação sobre os desafios e constrangimentos da indústria da alimentação animal, e também da fileira. José Romão Braz enaltece a capacidade dos agricultores mundiais em produzir cada vez mais com menos recursos, e alerta: “Somos 100% a favor da defesa do ambiente e da preservação do nosso Planeta, mas isso implica defender as técnicas e propostas adequadas para garantir o futuro da humanidade em termos de alimentação”.
Quais são os principais desafios do setor nos próximos anos?
Os principais desafios prendem-se com aquilo a que chamamos a ‘Visão 2030’, que é partilhada pela FEFAC, que é a nossa Federação Europeia, e pela IACA, a nível nacional, e que está em linha com os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.
Essa ‘Visão 2030’ assenta em três pilares: a Segurança Alimentar – que nós concretizamos, por exemplo, através do controlo das matérias-primas e do Qualiaca, que é o protocolo que temos com a DGAV que permite o controlo de entrada de matéria-prima proveniente de países terceiros, e que nos dá grande segurança, uma vez que os navios são controlados à chegada (a principal forma de transporte é por mar), por isso se houver algum problema conseguimos evitar que o produto entre na cadeia de abastecimento. O segundo pilar é a Nutrição Animal – que tem a ver com o bem-estar e saúde alimentar, bem como com a alimentação de precisão, ou seja toda uma nova forma de olhar para a alimentação animal em que estamos muito empenhados para garantir maior eficiência, melhores índices de conversão, menor impacto da atividade… Depois temos a Sustentabilidade, que não é só uma moda, temos vários exemplos concretos, como o aprovisionamento de matérias-primas sustentáveis, sendo que o mais importante tem a ver com a soja. Mas temos vários programas e também um Guia da Federação Europeia de Fabricantes de Alimentos Compostos para Animais (FEFAC), que permite harmonizar as várias origens e programas de sustentabilidade associada a matérias-primas, temos um que é o Soja Plus, do Brasil, o SSAP, dos EUA, há já várias origens certificadas em termos de sustentabilidade e, uma vez que isto é, cada vez mais, uma exigência por parte das cadeias de distribuição e dos consumidores, o setor não pode ficar alheio a essa realidade.
No fundo, temos vindo a observar que toda a gente no Mundo se preocupa com a sustentabilidade, por isso vamos acabar por caminhar sempre por ter cuidado com a utilização dos recursos, quer seja a água, os fertilizantes e todos os recursos que utilizamos para desenvolver a nossa atividade, como é o caso das matérias-primas.
O que é que distingue uma matéria-prima sustentável de uma que não seja?
Uma matéria-prima sustentável tem um caderno de encargos para a quem a produz que tem a ver com a forma como é feita a rotação das terras, a utilização de fertilizantes e da água, se há ou não deflorestação envolvida… Isto tem a ver com as práticas culturais, mas também com a relação com as comunidades locais e com os trabalhadores (por causa do trabalho escravo, no Brasil, por exemplo).
Para os Estados Unidos, que disputam o primeiro lugar de produtor mundial de soja com o Brasil colheita a colheita, agora com a guerra comercial com a China (que era o destino de cerca de 60% das exportações dos EUA) a Europa tornou-se de novo um mercado muito mais importante para a soja norte-americana e, por isso, também se preocupam ainda mais com as questões da sustentabilidade.
Com a guerra dos EUA com a China a Europa beneficiou?
De certa maneira sim, porque teve o foco de um dos principais países exportadores que precisava de alternativa aos seus mercados tradicionais e a verdade é que a matéria-prima tem qualidade, em termos de logística funciona muito bem, é o que funciona melhor.
E o preço?
O preço também acabou por beneficiar porque esta guerra comercial fez com que se degradasse o preço na Bolsa de Chicago.
Portanto os três pilares da Visão 2030 são os principais desafios futuros do setor?
Sim e também a Economia Circular. O nosso setor foi dos primeiros a implementar este conceito, uma vez que há muitos anos que aproveitamos os subprodutos e coprodutos de outras indústrias – como os bagaços das várias oleaginosas, e os subprodutos da indústria de moagem. Sempre fomos uma indústria que procurou fontes alternativas de matérias-primas e de nutrientes para poder concretizar o nosso objetivo que é fazer chegar nutrientes aos animais ao melhor preço possível.
E quais são os principais constrangimentos que o setor terá de enfrentar?
Uma vez que o nosso principal custo são as matérias-primas, que representam cerca de 75 a 80% do custo do produto final, que são os alimentos para animais, e uma vez que Portugal não é autossuficiente – e mesmo que o fosse continuaria a ser o custo principal –, temos vários constrangimentos ou custos acrescidos. Nesta situação, com Portugal a produzir apenas 20% das matérias-primas de que necessitamos, a logística torna-se fundamental e os portos são estratégicos e essenciais ao abastecimento, por isso quando se fala de operacionalidade dos portos, greves… ou seja, quando se fala de instabilidade nos portos é sempre um constrangimento à nossa atividade e um extra de custo à importação.
A questão da armazenagem e dos silos portuários, em que temos uma empresa importantíssima, que é a Silopor, cujo futuro ainda não está definido.
Ainda sobre a questão de Portugal produzir apenas 20% das matérias-primas de que necessitamos, e agora não é um constrangimento mas sim uma aposta do setor, com a IACA a fazer parte da Estratégia Nacional de Produção de Cereais, e alguns dos nossos associados até já investiram em secadores, como apoio à produção e à agricultura nacional, para poderem receber o milho no momento da colheita diretamente dos produtores. O que é um sinal claro da nossa indústria de que temos todo o interesse em que Portugal seja capaz de produzir mais.
E mais constrangimentos?
Os licenciamentos, em termos de alimentação animal mas também da produção pecuária com quem temos uma grande ligação, continuam a ser um enorme desafio, com uma grande complexidade, envolvendo diversas entidades…
Há anos que se fala disso. Qual é o problema: o peso do Estado e das diversas entidades por onde o processo tem de passar?
São dois problemas: Legislação difusa e diversa; e diversas entidades a ter de dar parecer sobre a matéria na área da agricultura, do ambiente e da economia. Costumo dizer que temos um triplo licenciamento, ou seja nas câmaras municipais, que é a licença de utilização, mas para isso precisamos da licença ambiental e da licença da atividade económica em si. Esta última, que depende da Economia ou da DGAV [Direção-Geral de Alimentação e Veterinária] é, normalmente, a que corre melhor, depois a parte ambiental é sempre mais complexa e a parte camarária também porque, muitas vezes, não há abertura ou há determinados investimentos que não são bem-vindos, depende muito dos municípios.
Outro fator fundamental e que muitas vezes também se torna um constrangimento é a aprovação das candidaturas aos sistemas de incentivos que tem muita burocracia, períodos muito específicos e limitados de candidatura e tempos muito longos de aprovação e diferentes conforme se trata do PDR 2020 ou do Horizonte 2020, sendo que normalmente os dependentes do Ministério da Economia são mais expeditos que os da Agricultura.
Por último, também temos o preço da energia que, depois das matérias-primas é o custo mais importante, mas aí temos de ter confiança que o mercado livre está a trabalhar.
Qual é a posição da IACA em relação à redução da utilização dos antimicrobianos?
É dos temas que preocupa a nossa indústria. Primeiro ponto: a utilização de alimentos medicamentosos é sempre um serviço que a indústria de alimentação animal faz aos seus clientes, não produzimos alimentos medicamentosos de forma comercial. Para se poder administrar um alimento medicamentoso numa exploração é necessário que o veterinário prescreva esse tratamento, está sujeito a grande escrutínio, com envio de cópia para a DGAV e tem de ficar também uma cópia na empresa, portanto há um procedimento que tem de ser cumprido, é uma atividade regulada e nem todas as fábricas estão autorizadas a fazê-lo.
Em termos gerais, estamos também a tomar medidas concretas para colaborar na redução da utilização de antibióticos na alimentação animal: através do uso de novos ingredientes, de uma alimentação de precisão e de mais investigação no campo da alimentação propriamente dita. Por outro lado, sabemos que isto só não chega porque é preciso investir em instalações e em maneio, e estas coisas já não estão nas nossas mãos, mas todos os agricultores sabem que este é um caminho que te de ser percorrido. Muito embora se saiba que a utilização indevida dos antibióticos pelos humanos tem um impacto muito maior na resistência do que nos animais.
Resumindo, o nosso setor está totalmente empenhado em colaborar com soluções, mas nós sozinhos não vamos conseguir resolver o problema. Por exemplo, o protocolo que também assinámos no ano passado para a redução da utilização de antibióticos na produção de carne de suíno foi um primeiro passo de vários que têm de ser dados.
A IACA tem falado algumas vezes na necessidade de aumento da produção pecuária nacional, no sentido da autossuficiência. A indústria da alimentação animal está preparada para este aumento?
Atingir a autossuficiência tem de ser um desígnio nacional, não pode ser só uma vontade da produção pecuária e da indústria de alimentação animal, porque envolve o Estado e as fileiras, mas também os consumidores. Mas nós gostamos de pensar que somos a ‘cola’ que pode ajudar a ligar e impulsionar tudo isto porque temos uma visão de fileira, fruto de muitos dos nossos associados, além da produção de alimentos, terem também produção de grãos e pecuária ou até mesmo transformação. A nossa indústria é autossuficiente para as necessidades da produção animal e até tem capacidade instalada para responder a um aumento dessa produção.
E ao nível das fontes alternativas de proteína e de matérias-primas? Como estão a correr esses processos em termos europeus e nacionais?
Do ponto de vista das fontes de proteína, há muitos anos que ouvimos falar das proteaginosas, que nunca vai resolver o prolema mas pode amenizar a dependência da Europa do exterior.
Estamos a falar principalmente de soja…
Sim, mas em Portugal também importamos semente de girassol e de colza e os seus bagaços. Estas fontes de proteína são difíceis de combater porque, por exemplo no caso da soja é uma matéria-prima de grande qualidade. Por outro lado, o investimento e a investigação na área dos insetos e das algas pode vir a ser um contributo importante para fontes alternativas de nutrientes e de proteína, porque quer uns quer outros são ricos em proteína e já estão a ser aprovados alguns investimentos nessas áreas que vemos com bons olhos. E há também a questão das farinhas de carne cuja aprovação para utilização em termos cruzados, fala-se, estará para breve.
Mas é preciso destacar o enorme aumento de produção de alimentos que tem havido no Mundo e enaltecer a capacidade que os agricultores têm tido de produzir mais grãos e fazer face às necessidades da população, produzindo mais com a mesma terra e menos recursos, conseguindo maior eficiência por hectare.
E as questões ambientais estão cada vez mais na ordem do dia…
Claro, e a nossa indústria está também muito atenta. Estamos muito interessados na redução das emissões de carbono e, para isso, em conseguir medir qual é a nossa pegada, através do programa europeu PEFMED. O que pretendemos é encontrar uma metodologia, porque não pode cada um medir à sua maneira, e já há uma aprovada pela FEFAC, mas falta ainda a aprovação da CE, que nos permita medir a pegada de carbono e cada instalação.
Mas não podemos deixar de dizer que é com alguma estupefação que ouvimos todos os dias afirmações desenquadradas relativamente ao impacto ambiental de determinadas atividades. Veja-se o caso da produção de leite: segundo vários professores universitários que estudam estes assuntos há muito tempo, está demonstrado cientificamente que a produção intensiva tem um impacto menor no ambiente do que a produção extensiva. Ou seja duas vacas que produzam 20 litros de leite cada uma têm um impacto ambiental cerca de 40 a 50% maior do que uma vaca que produza 40 litros por dia, porque temos de medir as emissões por unidade de produto produzido e não em termos absolutos. Por isso, defendemos uma produção equilibrada e ambientalmente eficiente.
À nossa indústria interessa contribuir de forma positiva e séria para estes assuntos e não de forma alarmista. Somos 100% a favor da defesa do ambiente e da preservação do nosso Planeta, mas isso implica defender as técnicas e propostas adequadas para garantir o futuro da humanidade em termos de alimentação, a par do respeito pelo ambiente. Não podemos ser fundamentalistas sem apresentar soluções que garantam a alimentação dos tais nove mil milhões de pessoas que se esperam para 2050.
Muitas serão certamente soluções inovadoras e que estão a ser investigadas…
A IACA está precisamente a tentar tornar realidade um projeto que se chama InovFeed, que é um laboratório colaborativo no âmbito do INIAV [Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária], que tem como objetivo debater, estudar e criar Investigação & Desenvolvimento aplicada que possa ser utilizada pelo setor na área da atual alimentação animal mas também estudar novas tendências de consumo e a evolução da alimentação para 2030, 2040 e 2050.
Este laboratório tem como intervenientes o INIAV, a IACA, as Universidades de Trás-os-Montes, do Porto, de Évora e de Lisboa, e nove empresas – uma tecnológica e oito do setor da alimentação animal. O projeto está em fase de aprovação e temos uma grande convicção de que irá ser aprovado.
Este setor não quer pôr a cabeça na areia, quer conhecer o que é o futuro e cá estará para se adaptar, para reagir e para garantir os próximos 50 anos. Portanto, o nosso setor está aqui para contribuir para um futuro mais sustentável para todos.
O que gostaria de destacar neste ano de comemoração dos 50 anos da IACA?
A comemoração dos 50 anos é, sem dúvida, o marco do ano para a Associação, temos orgulho no nosso percurso e queremos perspetivar os próximos 50 anos.
Gostaria de destacar a realização de um estudo de tendências de consumo e do conhecimento que o público em geral e os stakeholders têm da associação, da sua atividade e do setor e um conjunto de iniciativas com a população mais jovem, numa colaboração com o Fórum Estudante, para comunicar o que somos e o que fazemos.
Queremos assim, aproveitar esta ocasião para comunicar o nosso setor, temos a noção de que não somos conhecidos, porque estamos a montante da parte mais visível deste setor, que são os produtos de origem animal, mas queremos mostrar que sem a alimentação animal e a sua capacidade tecnológica, também não seriam competitivos nem teriam a importância que têm no País. No fundo, queremos explicar o que vale o nosso setor, em termos de agroalimentar e a importância que tem e o quanto estamos empenhados em reforçar a importância do setor. (Ver Caixa)
Um setor com grande peso
Com um volume de negócios de cerca de 1.426 milhões de euros, a indústria da alimentação animal é um dos setores mais importantes no panorama agroalimentar nacional, representando 12% do volume de negócios da agroindústria, influenciando, direta e indiretamente as indústrias de carnes e de lacticínios. Com 111 empresas e 3.500 trabalhadores, é responsável por 1,2% do universo empresarial e 4% do volume de emprego do agroalimentar.
Os alimentos para animais têm um peso de mais de dois mil milhões de euros na economia agrícola, representando cerca de 47% do total dos consumos intermédios e têm um peso na ordem dos 60 a 70%, em média, dos custos totais das explorações pecuárias.
Em Portugal, este setor é representado, desde há 50 anos, pela IACA que integra atualmente 43 fabricantes de alimentos compostos, com 53 unidades fabris e 15 empresas de pré-misturas e aditivos, num total de 58 associados, representando mais de 80% da produção nacional de alimentos compostos para animais e a totalidade das pré-misturas produzidas no País.