Li há dias um artigo de opinião em que alguém afirmava que os seus dois filhos se tornaram vegan por questões ambientais.
Há várias razões sérias para uma pessoa se tornar vegan, a maior parte delas filosóficas e relacionadas com a visão que se tem do mundo e da relação com os animais, mas invocar questões ambientais como justificação para se ser vegan é simples ignorância, desprezo pelos processos naturais que envolvem animais e desconhecimento sobre os diferentes impates ambientais, negativos e positivos, dos diferentes modelos de produção.
Apenas um dos exemplos clássicos: há vegans a justificar a sua recusa em comer carne por causa do uso de 85% da produção de produção de soja na alimentação de gado, com o que isso implica de desmatação na Amazónia. Naturalmente desconhecem que o verdadeiro valor da produção de soja está no óleo, largamente usado por muitos vegans, que é o que justifica a produção. Os tais 85% da soja que acaba na alimentação animal são basicamente sub-produtos do processo de produção do óleo. Claro que a valorização dos sub-produtos ajuda as contas de exploração da produção de soja, tornando-a mais atraente, mas o que motiva o investimento na produção de soja não são os sub-produtos, é mesmo o produto principal, o óleo de soja (ao ponto de haver que faça investigação relacionando o preço do óleo de soja com o aumento da velocidade de desmatação da amazónia).
Note-se que a este nível estamos no nível mais simples da análise dos problemas, que é o nível técnico.
Copiando, sem autorização (conheço o Zé Miguel o suficiente para saber que dificilmente se incomodará com esta situação), um comentário de José Miguel Cardoso Pereira no Observador, consigo chegar ao que me interessa de forma rápida: “Como muito bem sabe, a Física é uma coisa, a Economia, a Sociologia e a Política são coisas muito diferentes. Neste problema são inseparáveis e as decisões importantes terão de ser suportadas por este formato de análise, que nos mostra com bastante fiabilidade as consequências de diferentes cursos de acção”.
E o que me interessa é mesmo isto: não são questões ambientais que estão na base dos protestos da Climáximo, é mesmo ignorância (por que raio entrevistam esta gente sempre sem contraditório? Porque não há debates sérios com eles? Por falta de convites, caso em que a responsabilidade seria dos jornalistas, ou porque se recusam a estar onde pode haver contraditório? A minha experiência pessoal com Camargo é a de recusa permanente a qualquer debate comigo nas vezes em que lhe sugeri discutir publicamente fogos, eucaliptos, gestão florestal e da paisagem, mas pode ter sido só azar).
O consenso científico a que aludem permanentemente – tal como os outros que resolveram apresentar um processo no Tribunal dos Direitos Humanos, implicitamente defendendo que é aos tribunais que compete definir políticas, e não aos governos, com base na ignorância sobre a separação de poderes que caracteriza as democracias e as distingue do totalitarismo – diz respeito, apenas, às componentes técnicas e científicas do problema das alterações climáticas, isto é, à previsão da forma como o clima irá evoluir se se verificarem alguns pressupostos de emissões.
Esse consenso esmagador – tanto quanto existe consenso e quanto é relevante para a ciência serem mais ou menos pessoas a dizer a mesma coisa – começa rapidamente a dissolver-se logo que se passa da previsão sobre a evolução do clima para as consequências concretas dessa previsão e entra rapidamente em falência quando se discute o que fazer, começando pela grande opção entre ser sensato investir tudo na redução de emissões para estancar o problema na origem, ou investir tudo em mecanismos de adaptação ao mundo que se prevê que venha a ser o do futuro (pelo meio existem muitos cinzentos e, é certo, mais ou menos toda a gente defende a redução de emissões na medida do razoável e defende medidas de adaptação na medida do razoável, a definição de razoável é que é muito subjectiva).
O que seguramente não há é nenhum trabalho científico válido que preveja a extinção da espécie humana em função das alterações climáticas, sendo completamente idiota a alegação, frequente, de que estas pessoas estão apenas a agir em legítima defesa face a uma ameaça existencial real.
E é por isso que a discussão sobre o que fazer face ao que se sabe não pode sair de onde deve estar: no debate político.
O materialismo dialécto também se apresentava como uma verdade científica (é certo que sem o grau de sustentação científico que existe em matéria de clima) e o resultado disso foram, inevitavelmente, ditaduras que reprimiam ferozmente toda a divergência, fosse ela estritamente política, científica (Lysenko, como exemplo), cultural ou artística (como descobriu Mayakovsky, tarde demais).
Tal como o eugenismo progrediu muito nas academias e sociedades científicas, não é uma invenção nazi.
O que nos resta é sempre o mesmo, combater a ignorância e não ter medo de dizer que é mesmo ignorância.
“Lóbjectif reste le meme: detruire le préjugé” era a citação que Miguel Araújo tinha no fim do mail, atribuindo-a a Lévi-Strauss. Nunca confirmei se era exactamente essa a origem da frase, mas a ideia serve-me perfeitamente.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.