Há 20 anos existiam em Portugal cerca de 16.000 produtores de leite, 12.000 no continente e 4.000 nos Açores. Restam atualmente 3500, dos quais 2000 estão nas ilhas açorianas e 1500 no continente.
O baixo preço ao produtor, abaixo dos custos de produção, abaixo da média europeia desde 2010 e no último lugar entre 27 países ao longo dos últimos anos, empurrou muitos produtores para fora do setor e desmotivou jovens agricultores, possíveis sucessores, de se envolverem na atividade.
O baixo preço do leite foi consequência de múltiplos fatores, com destaque para a aposta da indústria no leite UHT, a utilização desse leite barato como isco para atrair consumidores aos supermercados e a passagem desse esforço de contenção de preços através da indústria diretamente para o produtor.
Apesar de tudo, com o aumento da produtividade e da dimensão dos efetivos dos produtores que permaneceram na atividade, foi possível manter o nível de produção de leite em valores estáveis e semelhantes à produção existente quando existiam quotas leiteiras, sendo Portugal autosuficiente em leite UHT, exportador de leite cru para Espanha e importador de produtos de valor acrescentado, nomeadamente queijos e iogurtes.
Enquanto o preço do leite permaneceu congelado até 2022, os custos de produção aumentaram de forma significativa. Aos históricos custos motivados com a rega das culturas e todos os custos associados à dispersão e reduzida dimensão das parcelas agrícolas, acresceu nos últimos anos o custo inflacionado dos adubos, da energia e sobretudo das rações, que representam mais de metade dos custos de uma vacaria. Esse custo não parou ainda de aumentar, pressionado, por exemplo, pelo aumento do custo dos bagaços de soja.
O preço do leite aumentou finalmente de forma significativa entre setembro e novembro de 2022, perante a redução da produção nos Açores e em Espanha, de onde veio a procura pela qualidade reconhecida do leite português. Em Espanha, tal como em Portugal, os produtores abateram animais de forma significativa, perante os efeitos da seca e do aumento do custo das rações e dos outros fatores de produção.
Portugal teve em novembro de 2022 um preço ao produtor, superior em mais de 70% face ao ano anterior, registando o maior aumento da Europa porque tinha o preço mais baixo, extremamente baixo em 2021, mas ficando ainda com um preço médio de 54,5cts, abaixo da média comunitária que passou os 57 cêntimos por kg.
Esse aumento foi repercutido de forma ainda mais significativa no preço de venda de leite ao público, o que se explica com o custo acrescido do transporte da vacaria até à fábrica e da fábrica até às lojas bem como do custo de processamento (pasteurização e homogeneização ) e do custo da embalagem.
De momento o preço do leite permanece estabilizado em Portugal e Espanha no curto prazo, mas com incertezas a médio prazo, uma vez que se registaram algumas descidas no mercado internacional de lácteos e, em consequência disso, em alguns países europeus. Contudo, nos últimos anos, o preço do leite na península ibérica não acompanhou o mercado internacional quando os preços subiram, pelo que seria incompreensível e causador de revolta, desânimo
e encerramento de vacarias qualquer descida significativa do preço do leite ao produtor.
É preciso ter em conta que o custo da ração para o produtor é o mais elevado de sempre, que a produção de silagem de milho em 2022 foi inferior em qualidade e quantidade por causa da seca e a produção de forragem de outono-inverno foi condicionada pela chuva intensa entre outubro e janeiro que impediu muitas sementeiras.
Há ainda no horizonte outras ameaças e dificuldades que desmotivam os produtores de leite: o setor perde apoios no PEPAC, devido à convergência, porque os produtores de leite tinham poucos direitos mas com valores elevados por direito e as ajudas diretas por vaca leiteira ou por hectare de milho silagem, bem como os novos ecoregimes tem orçamentos insuficientes para compensar as perdas quando se atingir a plena convergência.
Os produtores de leite estão também a ser pressionados pelas regras do REAP que limita a valorização agrícola dos efluentes, limitando e dificultando a sua utilização pelas distâncias exigidas a habitações vizinhas, vizinhança frequente na bacia leiteira face ao desordenamento do território. Isto ocorre ao mesmo tempo que a União Europeia pretende que se reduza de forma significativa a adubação química. Anunciam-se também exigências acrescidas de registos e de emissão de guias para o transporte dos efluentes, bem como registos acrescidos em matéria de saúde animal e limitações do uso de antimicrobianos. Percebo a necessidade de proteger a saúde pública através do uso criterioso de medicamentos, mas não podemos correr o risco de colocar em causa o bem-estar e a vida dos animais por ausência de tratamentos disponíveis na vacaria em qualquer hora.
A produção de leite, bem como os restantes setores da pecuária e da agricultura que produz os bens de grande consumo, tem visto a sua imagem apresentada de forma negativa por causa da poluição e dos gazes de efeito de estufa. Isto acontece primeiro na comunicação social e depois, por ausência de contraditório, começou também a surgir nos livros escolares. Tudo isto são fatores que incentivam ao abandono da atividade e que devem merecer a atenção dos responsáveis políticos, associativos e de quem se pretenda que a produção de leite em Portugal continue viva, a ocupar o território, abastecer a industria de transformação e a alimentar o pais.
Carlos Neves
Secretário-geral da APROLEP
(artigo escrito para a revista “Produção Animal”, da IACA, a 5 de março de 2023, antes das descidas do preço do leite anunciadas em abril aos produtores)
Fonte: Carlos Neves