Os proprietários de quintas na Serra de Sintra lamentam a ausência de articulação entre as entidades públicas e os privados na zona classificada da Paisagem Cultural, e querem “fazer parte da solução” para a sustentabilidade da área protegida.
“Podemos dar vida ao gabinete do património, que é uma figura que existe e que poderia e deveria ser a ponte com todos os privados e as entidades públicas para assegurar a gestão da serra”, defendeu Rita de Castro Neto, em declarações à Lusa.
A presidente da Associação de Proprietários de Quintas na Serra de Sintra (APQSS) veria “com bons olhos” a existência de uma “entidade que estivesse sob a alçada da câmara” para articular a gestão da zona classificada património mundial.
“Queremos fazer parte da solução e não ser ignorados. Porque todos os residentes ali, que não somos assim tantos, nem sequer sabiam quais eram as estradas que a cada dia iam encontrar cortadas, por exemplo”, após a passagem da depressão Martinho, na noite de 19 para 20 de março, acrescentou.
A associação integra o conselho de opinião da Paisagem Cultural de Sintra, órgão consultivo criado pela autarquia para a participação da comunidade local no âmbito da área classificada pela UNESCO, mas Manuel Cavalleri, tesoureiro da APQSS, lamentou que o gabinete do património mundial, criado pela autarquia e a Parques de Sintra-Monte da Lua (PSML), para a gestão da zona, se mantenha só com um técnico e sem as funções para que foi projetado.
“Teria de se desenhar toda uma gestão diferente da Serra de Sintra, concertada, (…) claro que ninguém quer aqui fazer uma nova Serra da Carregueira, pelo contrário, mas para que isso não aconteça, tem de ser mantida e tem de ser sustentável”, advogou o engenheiro florestal, que “todos os dias” vê da sua casa “casas novas a aparecer” junto ao litoral.
Para Rita de Castro Neto, o rescaldo da devastação provocada pela depressão Martinho era “um bom momento para uma gestão concertada”, em que as entidades oficiais contactassem os proprietários para explicar como “intervir para repor” as espécies afetadas pelo mau tempo.
“Este ano foi um ano muito chuvoso. Todas aquelas árvores que estão habituadas a um vento predominante de norte, que não tiveram necessidade de fazer raízes, porque os alimentos estão ali à disposição, assim que veio um vento de sul, e forte, caíram”, referiu Cavalleri.
O proprietário recordou que uma árvore atingiu o carro da sua mulher pelas 21:00 de 19 de março, antes do temporal, na estrada para os Capuchos, e a demora do reboque levou a que tivessem de esperar com os bombeiros, desde a madrugada até de manhã, para conseguirem abrir caminho entre as árvores e postes caídos.
“Posso dizer que nunca tive problemas em estar na Serra de Sintra, e de facto essa noite não foi nada fácil. Tive verdadeiramente medo, pela primeira vez. E faço isto a pé, perfeitamente, vivo aqui a tempo inteiro, sem problema nenhum”, confessou.
O técnico florestal, que já trabalhou para a PSML, lamentou não ter sido contactado por qualquer entidade pública, para saber a situação da sua propriedade, e avançou que quando recebeu um edital, por correio registado, para limpar as zonas afetadas até 31 de maio, a associação solicitou “uma reunião à autarquia para tentar esclarecer o que seria um plano de contingência para a recuperação do espaço”.
Fonte oficial da câmara presidida por Basílio Horta (PS), confirmou que a reunião solicitada esteve agendada pelo vice-presidente para 12 de maio, de que a associação diz não ter tido conhecimento, e foi “remarcada para” 19 de maio.
Em relação à falta de contacto com os proprietários, após a tempestade, a mesma fonte respondeu que a câmara “não teve conhecimento de ocorrências que levassem à necessidade” de “intervir em propriedade privada no perímetro florestal”.
A autarquia, prosseguiu, “notificou os proprietários de terrenos em perímetro florestal para a necessidade de procederem à limpeza dos seus terrenos, devido à proximidade do risco de incêndio e às situações de perigo identificadas nas suas propriedades após a passagem da depressão Martinho”.
Por iniciativa municipal, desde 20 de março, continuam a desenvolver-se trabalhos no perímetro florestal para “desimpedir os acessos que garantem o socorro e emergência e o acesso à propriedade privada”, bem como “trabalhos de limpeza que reduzam o risco de incêndio por forma a fazer face à época de maior risco que se avizinha”.
De acordo com a câmara, continuam interditadas à circulação automóvel “todas as estradas municipais na serra” e “caminhos florestais, uma vez que decorrem trabalhos de limpeza com recurso a maquinaria pesada que, somando ao risco de queda de inertes, pode representar perigo para pessoas e bens”, com exceção da estrada e calçada da Pena, e a EN375 entre Sintra e Colares.