Hoje, no Centro Cultural de Belém, a indústria agroquímica, juntamente com membros do Estado e governo português, irão, mais uma vez, defender a ligação infundada da sustentabilidade dos sistemas agroalimentares com os Organismos Geneticamente Modificados (OGM) e o herbicida glifosato. Este evento acontece dias depois de a renovação da autorização do herbicida glifosato proposta pela Comissão Europeia e apoiada por Portugal, ter ido a votos no Conselho Europeu, sem reunir a maioria qualificada necessária para ser aprovada. Ao mesmo tempo, a discussão da proposta de lei para a desregulamentação de OGM produzidos pelas chamadas novas técnicas genómicas (Novos OGM), alguns dos quais serão desenvolvidos para resistir ao glifosato, também está a revelar o fosso crescente entre uma minoria entusiasta e uma ala crítica nos Estados-membros.
Porém, mesmo que o glifosato não reúna votos suficientes na segunda votação, prevista para Novembro, a legislação prevê que a Comissão Europeia tenha a última palavra, pelo que antecipamos a sua reautorização, pese embora por menos anos.
A verificar-se, comprovará a priorização dos altos interesses comerciais pela Comissão Europeia sobre os agricultores e o clima, ignorando por completo as provas científicas actuais, relegando para segundo plano a saúde pública e a preservação dos ecossistemas, fundamentais à vida. A primazia dada à indústria da agroquímica e biotecnologia está bem patente no evento de hoje no CCB.
A Plataforma Transgénicos Fora (PTF), unida a cientistas preocupados e defensores da saúde pública, manifesta por isso profunda inquietação em relação às intenções de prorrogação da utilização do herbicida glifosato e de desregulamentação por completo da produção e venda de Novos OGM.
Jorge Ferreira da PTF explica: “Esta intenção de renovar a licença do herbicida glifosato acompanha em paralelo a actual tentativa da Comissão Europeia de desregulamentar os OGM derivados de novas técnicas genómicas na Europa, cuja proposta está em cima da mesa desde 5 de Julho. Os grandes interesses económicos da indústria agroquímica, ciente da crescente consciência dos consumidores europeus acerca dos perigos dos OGM nos campos e nos pratos, procuram simplificar a regulamentação para chegarem mais facilmente aos mercados. Tentam agora retratar estes novos OGM como algo equiparado à criação natural e por isso isento de rotulagem, rastreabilidade e avaliação de risco. Trata-se de mais uma acção de usurpação de direitos e manipulação de informação de uma ciência submetida a altos interesses económicos a qualquer custo, que numa campanha de desinformação manipuladora visa permitir a circulação dos seus produtos sem controlo na Europa.”
Os resultados do estudo realizado pelo Instituto Público Francês de Pesquisa Médica (INSERM)[i], bem como um outro deste ano do Instituto Nacional para o Cancro dos EUA (NIH)[ii], colocam em causa a afirmação da inocuidade do glifosato. De acordo com o estudo do INSERM este revelou-se: 1) Tóxico para o cérebro; 2) Genotóxico, aumentando o risco de mutações genéticas e cancro; 3) Desregulador endócrino, perturbando o sistema hormonal; 4) Com possíveis efeitos epigenéticos, transmitindo alterações embrionárias à geração seguinte; 5) Capaz de perturbar o microbioma intestinal, enfraquecendo o sistema imunológico, entre outros indícios de bioinsegurança.
Também é já sabido que o glifosato e o AMPA (ácido aminometilfosfónico), seu metabólito de degradação também tóxico, estão em toda a parte: na urina humana[iii], nos solos[iv], nas águas superficiais[v] e até no ar. Para mais encontram-se em grande quantidade nos alimentos resultantes das culturas agrícolas como a soja OGM, alimento para o qual a EFSA aumentou em 200 vezes o Limite Máximo de Resíduos do glifosato, de 0,1 mg/Kg para 20 mg/Kg, para legalizar a sua comercialização!
Há alternativas viáveis para a gestão de ervas descontroladas na agricultura que não envolvem a aplicação de glifosato ou de qualquer outro herbicida. Práticas agrícolas sustentáveis, como a rotação de culturas, culturas de cobertura do solo, palhada vegetal e métodos modernos de monda mecânica ou térmica, já permitem a adopção de uma agricultura mais ecológica. Estes modos de fazer agricultura têm a capacidade de produzir os alimentos que o país precisa, se apoiados com medidas de política agrícola ajustadas.
A inexistência de uma efectiva disseminação de conhecimento sobre outros modos de fazer agricultura deixa os agricultores presos ao consumo sistemático deste herbicida, com consequências para a resiliência económica e ecológica dos seus sistemas de produção. A este nível a PTF alerta para a necessidade de medidas abrangentes de aconselhamento técnico para a adopção generalizada das práticas alternativas mais sustentáveis.
O Dia Mundial da Alimentação, celebrado ontem, alerta precisamente para a necessidade de segurança e soberania alimentares, e a criação de sistemas alimentares sãos e justos.
A Plataforma Transgénicos Fora defende uma agricultura ecológica orientada para a protecção da biodiversidade e do direito dos povos à soberania sobre o seu património genético comum.
NOTAS
- Comunicado de imprensa da ONG francesa Générations Futures sobre estudo do INSERM: https://www.generations-futures.fr/wp-content/uploads/2023/09/press-release-glyphosate-inserm-efsa-echa.pdf
- Os cidadãos europeus apoiam o fim do glifosato: Pesticide Action Network (11 Set 2023). European citizens support an EU ban of glyphosate https://www.pan-europe.info/press-releases/2023/09/european-citizens-support-eu-ban-glyphosate
Fonte: Transgénicos Fora