Sete organizações da sociedade civil e do sistema científico nacional, no âmbito da consulta pública do Plano Social para o Clima (PSC) que termina hoje, dia 18 de novembro, reconhecem o esforço do conjunto de entidades responsáveis pela elaboração deste plano que integra diferentes áreas de governação e obriga a uma visão a médio prazo. No entanto, subsistem preocupações quanto à falta de informação acessível e completa e ao envolvimento insuficiente das organizações que trabalham diariamente no terreno nas temáticas principais deste plano, ao longo da elaboração do PSC.
Combater a pobreza energética nas habitações e na mobilidade e reduzir a dependência de combustíveis fósseis
O PSC é um instrumento central para assegurar uma transição energética justa e inclusiva, apoiando famílias e microempresas em situação de vulnerabilidade, tanto no combate à pobreza energética como na redução da pobreza de mobilidade. Num contexto de forte instabilidade dos preços dos combustíveis fósseis, cujos impactos recaem de forma desproporcional sobre os consumidores com menor rendimento, o PSC tem um papel determinante na proteção dos rendimentos, na melhoria das condições de vida e na promoção da justiça social na ação climática.
Para que estes objetivos sejam alcançados, é essencial garantir uma execução transparente, com informação compreensível e acessível a todos os cidadãos, acompanhada de apoio técnico que assegure igualdade de oportunidades no acesso aos apoios.
No caso português, está previsto um investimento total de cerca de 1,63 mil milhões de euros entre 2026 e 2032, financiado em 75% pelo Fundo Social para o Clima e em 25% por contrapartida nacional. Destes, cerca de 1.073 milhões de euros serão dirigidos à redução da pobreza energética, através da melhoria da eficiência e do conforto térmico das habitações, da eletrificação de consumos e do apoio à produção descentralizada através de autoconsumo coletivo e de comunidades de energia renovável. Já para a redução da pobreza de mobilidade está previsto um investimento de cerca de 516 milhões de euros, destinado a facilitar o acesso a transportes mais eficientes, serviços de mobilidade de proximidade e veículos de uso intensivo com menores emissões. As organizações consideram que a experiência recente com apoios financeiros destinados a famílias vulneráveis, como o Programa Vale Eficiência, o E-Lar e o programa de Apoio a Bairros Mais Sustentáveis, deve servir como lição para os riscos associados à operacionalização deste tipo de instrumentos e de como construir programas estáveis e previsíveis, de apoio claro e resposta rápida e adequada.
Organizações locais, abordagens de proximidade e melhoria da literacia energética são cruciais para a eficácia do Plano
As organizações sublinham que a eficácia do Plano depende da sua implementação em estreita colaboração com universidades e centros de investigação, organizações não-governamentais (ONG), governos locais e com quem atua diariamente no terreno em proximidade com os grupos alvo deste plano. É essencial capacitar, valorizar e financiar o trabalho das entidades locais e sociais — incluindo associação de consumidores, associações comunitárias, juntas de freguesia, escolas, centros de saúde, IPSS e associações empresariais — que têm conhecimento direto das necessidades das famílias e das microempresas vulneráveis no território onde atuam. Além disso, o Plano deve assegurar que os cidadãos dispõem de apoio técnico e informativo de proximidade, independentemente da sua localização. Embora esteja prevista a expansão da rede Espaços Energia, é essencial aproveitar as redes de informação e aconselhamento já existentes, que dispõem de experiência consolidada no contacto direto com os consumidores e as comunidades locais.
Esta articulação permitirá garantir cobertura territorial efetiva desde o início da execução, com abordagens adaptadas aos contextos rurais, assegurando que as famílias mais vulneráveis recebem acompanhamento qualificado, mesmo em regiões onde ainda não existam Espaços Energia. Para que os apoios cheguem a quem deles precisa, é igualmente crucial reforçar a comunicação pública, local e inclusiva, evitando a exclusão digital, promovendo a literacia energética e a capacitação das comunidades, garantindo que as famílias e os pequenos negócios compreendem os benefícios, as condições e os passos
necessários para aceder às medidas.
Para a implementação no terreno, é essencial assegurar apoio técnico às candidaturas individuais, e priorizar intervenções na componente passiva dos edifícios e intervenções ao nível do bairro, onde o impacto é maior e os custos unitários mais reduzidos.
Plano pode estar a excluir famílias realmente vulneráveis
Outra das principais preocupações prende-se com a falta de um indicador realista para definir famílias e microempresas vulneráveis, uma vez que os custos com energia, habitação e transportes — que têm um peso determinante no rendimento disponível — não são considerados. A inclusão de um novo limiar de elegibilidade (70% de rendimento mediano), apesar de constituir uma melhoria comparativamente ao uso apenas da tarifa social, determina ainda que vários agregados vulneráveis com rendimentos acima do limiar não possam ser beneficiários de vários programas de apoio.
O Plano não aborda os obstáculos históricos à implementação das medidas propostas, por exemplo, incentivos divididos entre proprietários e inquilinos, dificuldade em envolver consumidores vulneráveis, burocracia excessiva, programas com regulamentos pouco claros e com extensos períodos de avaliação, inflação dos preços das obras de renovação, falta de inclusão dos grupos vulneráveis em comunidades de energia e apropriação corporativa de iniciativas energéticas comunitárias.
A ausência de medidas de proteção para inquilinos, melhorando as condições de arrendamento, e de apoio consistente às comunidades de energia limita o alcance do plano, enquanto a falta de atenção às periferias urbanas e às áreas de baixa densidade populacional, onde a vulnerabilidade energética e de mobilidade é mais acentuada, pode aprofundar desigualdades territoriais.
Mais financiamento para ações de duplo impacto para reduzir tempo de viagem para quem vive em pobreza de mobilidade
Embora este plano proponha um aumento do financiamento disponível em relação a períodos passados para medidas estruturais como a reabilitação do edificado, e substituição do parque de equipamentos e frotas de veículos, os montantes disponíveis são ainda insuficientes para impulsionar as transformações necessárias nos setores dos edifícios e dos transportes e apoiar todo o segmento de agregados em situação vulnerável, de acordo com diversas estimativas apresentadas em estudos nacionais.
É fundamental reforçar o apoio a medidas com impacto intersecional, isto é, ações que atuem simultaneamente sobre a pobreza energética, descarbonização, e a pobreza de mobilidade, como projetos piloto de mobilidade partilhada associados ao autoconsumo coletivo de energia ou a comunidades de energia com armazenamento de energia, redes de serviços e equipamentos de proximidade, e intervenções integradas ao nível do bairro que reduzam tanto os custos de deslocação como os de climatização das habitações, que possam ser ampliados e replicados nos últimos anos de vigência do plano.
Importa sublinhar que o financiamento do PSC tem origem nas receitas do Sistema Europeu de Comércio de Licenças de Emissão (CELE II), demonstrando que a taxação das emissões de CO₂ pode — e deve — reverter em benefícios diretos para a população. A utilização destes recursos para aliviar desigualdades sociais e territoriais confirma que a transição climática pode ser, em simultâneo, uma estratégia de justiça social e de proteção ambiental, desde que os apoios sejam distribuídos de forma equilibrada e orientados para quem mais precisa.
Prioridade às intervenções nos bairros e criação de comunidades de energia e a criação de mobilidade com veículos comunitários deve ser melhor articulada com os planos nacionais de habitação e mobilidade
As organizações assinalam ainda a fraca articulação do Plano Social para o Clima com políticas já existentes, como a Estratégia de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética, a Estratégia de Longo Prazo para a Renovação dos Edifícios, Plano de Ação para a Economia Circular (PAEC), o Plano Nacional de Habitação e os Planos Regionais e Locais de Mobilidade Urbana Sustentável. Sem esta articulação, corre-se o risco de dispersar recursos e de se perder eficácia.
Por fim, as organizações recordam que a pobreza energética e de mobilidade estão interligadas. O plano permanece pouco ambicioso na promoção de comunidades de energia e de mobilidade, onde a produção e gestão coletiva de energia renovável, a mobilidade ativa e os veículos comunitários de uso partilhado podem reduzir custos, integrar territórios periféricos e diminuir desigualdades, contribuindo para uma sociedade cada vez mais livre da dependência de combustíveis fósseis.
Mais ênfase na importância do Transporte Público para combater a Pobreza de Mobilidade
É fundamental reforçar o papel do transporte público no Plano Social para o Clima, garantindo o acesso universal, acessível e intermodal aos sistemas de transporte coletivo, em particular à ferrovia. A criação de um Passe Nacional Multimodal, que integre o transporte ferroviário e as redes regionais e locais de transporte público (rodoviário, metropolitano e sistemas públicos de bicicletas partilhadas), permitiria assegurar a continuidade e a simplicidade tarifária entre modos e territórios, podendo o plano realizar uma comparticipação adicional para as populações mais vulneráveis. Esta medida é essencial para reduzir a dependência do automóvel de uso individual, aumentar a equidade territorial e promover uma mobilidade mais inclusiva e sustentável. Nos períodos e territórios de menos procura, deve ser igualmente reforçada a oferta de serviços de transporte a pedido, de modo a garantir a cobertura e acessibilidade básicas em áreas e períodos onde o transporte regular não é economicamente viável. Por fim, uma parte importante dos recursos do Plano e significativa das receitas fiscais provenientes dos impostos rodoviários deve ser canalizada para investimentos em transportes públicos e infraestruturas de mobilidade ativa, reforçando a ligação entre os aglomerados urbanos e o acesso à rede ferroviária nacional e interfaces relevantes, condição indispensável para uma transição climática verdadeiramente justa e eficaz. Além dos apoios à aquisição de veículos elétricos coletivos de uso intensivo, o Plano deve também financiar a conversão destes veículos com motores a combustão em veículos elétricos, sempre que isso seja viável, de modo a aumentar a abrangência do Plano. Todas estas medidas devem ter a participação das Autoridades de Transportes que coordenam os sistemas de bilhética.
Financiar a mobilidade ativa integrada em vez de caros e ineficientes veículos a hidrogénio
É preocupante que o atual Plano Social para o Clima desconsidere a mobilidade ativa, um dos pilares essenciais de uma mobilidade sustentável, saudável e inclusiva. A proposta em consulta pública revela uma excessiva dependência de soluções tecnológicas e de apoio à aquisição de viaturas automóveis, ignorando os modos ativos (caminhar e pedalar) que são os modos de transporte mais económicos, sustentáveis e socialmente justos para curtas e médias distâncias. Esta omissão é particularmente grave porque o Plano visa mitigar a pobreza de mobilidade, cuja principal origem está precisamente na falta de alternativas ao automóvel. A promoção da mobilidade ativa constitui, portanto, uma resposta estrutural, de baixo custo e elevado retorno social para as populações vulneráveis.
É urgente que o Plano integre medidas concretas de apoio à mobilidade ativa, nomeadamente através do cofinanciamento de: Infraestruturas seguras e confortáveis para caminhar e pedalar, com especial incidência em bairros vulneráveis e zonas suburbanas, incluindo ligações às interfaces de transporte público e estacionamento seguro para bicicletas; Apoio à criação e expansão de sistemas públicos de bicicletas partilhadas, articulados com o transporte público e integrados nos passes intermodais existentes; Subsídios e incentivos para a aquisição e arrendamento de bicicletas, convencionais, elétricas, de carga e adaptadas, dirigidos a famílias de baixos rendimentos, pequenas empresas e cooperativas, de modo a substituir o uso de automóveis em deslocações quotidianas e profissionais; e Programas de mobilidade escolar que incentivem deslocações a pé ou em bicicleta, contribuindo para reduzir a dependência automóvel das famílias vulneráveis.
Paralelamente, a afetação dos recursos do Plano deve concentrar-se em soluções com comprovado retorno social e ambiental, evitando a dispersão em opções tecnologicamente sofisticadas, mas economicamente ineficientes, como a aquisição de autocarros ou veículos a hidrogénio, cujos custos de investimento e operação são desproporcionados face ao seu impacto real na mobilidade das populações mais vulneráveis. É igualmente essencial que o Plano assegure a eliminação de barreiras físicas e rodoviárias para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e promova uma verdadeira mudança cultural no modo como a mobilidade sustentável é planeada e incentivada em Portugal.
Conselho de acompanhamento participado é fundamental para melhorar a execução eficaz do plano
As organizações defendem que o Governo garanta uma participação efetiva e contínua, colocando as pessoas no centro da ação climática e assegurando a criação de um conselho de acompanhamento verdadeiramente participativo, representativo das organizações sociais, comunitárias e ambientais, capaz de promover transparência, monitorização e correção de rumo ao longo da implementação do plano, reforçando a justiça energética e de mobilidade e a redução das desigualdades.
O grupo integra as organizações ZERO, a Coopérnico, o CENSE NOVA-FCT, o GEOTA, a EAPN Portugal (Rede Europeia Anti-Pobreza), a Ecomood Portugal e a MUBI, que reforçam o compromisso com as comunidades locais e com uma transição energética social e climaticamente justa.
Fonte: ZERO












































