Compreender a situação atual do mercado mundial de suinicultura é fundamental para antever os próximos cenários para 2022, seja nos Estados Unidos, Brasil ou mesmo China.
Reinaldo Cubillos (1), Adriana Peña Sanabria (2), Carlos Castro (3)
Sem margem para dúvidas, o ano 2021 trouxe grandes desafios à recuperação da economia global, tendo em conta os esmagadores efeitos negativos da pandemia da COVID-19, os quais se repercutiram diretamente na dinâmica do setor suinícola e cujas consequências continuaram a influenciar o mercado a curto, médio e longo prazo.
O objetivo deste artigo é tentar vislumbrar o que se pode esperar para o setor da suinicultura em 2022, realçando o comportamento das principais variáveis que afetam a atividade no continente americano, mais especificamente nos países líderes da América Latina, considerando os desafios que estes devem enfrentar para continuar a consolidar a sua atividade produtiva no próximo ano.
Antes de mais, é necessário conhecer e compreender o que está a acontecer atualmente no mercado da carne de porco na China, já que, como principal produtor e consumidor a nível mundial, é quem determina, em grande medida, a movimentação da suinicultura à escala global.
A SITUAÇÃO DO GIGANTE ASIÁTICO
Constatou-se que os preços internos do porco na China caíram drasticamente desde o início de 2021, e que estes não reagiram positivamente durante as épocas de eventos festivos que supõem um aumento do consumo, como as épocas de férias. A situação estaria a ser influenciada, em grande parte, tanto pelos rumores de uma sobreoferta interna, assim como pelos controlos por parte do governo chinês para evitar a inflação, como por exemplo a libertação periódica das suas reservas de carne congelada.
Ainda assim, sabia-se que os preços das importações estariam muito elevados, o que fez com que tanto a produção interna como as importações não avançassem ao ritmo esperado, retraindo o consumo e levando à substituição da carne de porco por outras proteínas animais como o frango e a vaca.
Face a estes acontecimentos, o caminho para a recuperação da oferta interna de carne de porco da China é muito incerto para 2022.
O problema dos preços baixos é bastante complexo já que, se não houver um aumento suficiente a curto prazo, as margens de lucro dos suinicultores serão cada vez mais pequenas, uma situação que provocaria a liquidação de efetivos, o desincentivo ao aumento do efetivo reprodutor e o abandono dos negócios por parte dos pequenos produtores. Contudo, tem se observado uma paulatina recuperação dos preços no último trimestre do ano.
Tendo em conta o ano anterior, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA consoante as siglas em inglês) prevê que, para o próximo ano, a produção de carne de porco na China irá sofrer uma contração de 4,9%, ao passar de 46 para 43,8 milhões de toneladas (mt), o que também explicaria, em grande medida, a descida de 1,8% na produção mundial, da qual falaremos mais à frente. Além disso, estima-se uma redução do stock de fêmeas de 2,6%, passando de 38,5 para 37,5 milhões de cabeças (mc).
Quanto às importações, o USDA aponta um crescimento de 5,6% face a 2021, alcançando os 4,7 mt, com o qual se espera que sirva de suporte aos principais países exportadores e que dinamize o mercado mundial da carne de porco.
Todos estes elementos levam-nos ao contexto da conjuntura atual e ajudam-nos a compreender a dinâmica que se espera para a suinicultura em 2022 nas diferentes regiões do nosso interesse.
A NÍVEL MUNDIAL
Segundo as últimas projeções do USDA, a produção mundial de carne de porco para o próximo ano apresentará uma diminuição de 1,8% em comparação com o volume estimado para 2021, passando de 106,1 para 104,2 mt.
Nesse sentido, esta entidade norte-americana também projeta uma descida nos efetivos mundiais de fêmeas, com uma redução de 1,9% em comparação com 2021, alcançando os 66,5 mc em 2022.
Quanto ao comércio internacional, prevê-se que este cresça 2% em 2022, tendo em conta que uma eventual escassez de carne de porco no mercado interno da China pode levar a um aumento da importação.
Por outro lado, os principais exportadores mundiais também poderão encontrar uma alternativa noutros países da Ásia Oriental, à medida que melhorem as suas condições económicas pós-pandemia. O que, por sua vez, compensaria uma procura menor por parte das Filipinas, em consequência do fim das tarifas reduzidas e dos altos volumes de quotas de importação de carne de porco assinados pelo governo. Espera-se também uma diminuição significativa das importações do Vietname, dada a recuperação da sua oferta interna, após os devastadores efeitos sofridos com a Peste Suína Africana e a COVID-19.
CONTINENTE AMERICANO
Para o próximo ano, o continente americano será responsável por 22% da produção mundial de carne de porco (Gráfico 2), subindo para 22,6 mt, o que representa um crescimento de 0,7% face a 2021 (22,4 mt).
Relativamente ao efetivo de fêmeas, espera-se que alcance os 11,7 mc, o que significa uma diminuição de 0,6% em comparação com 2021 (11,8 mc).
Por seu lado, os Estados Unidos continuam a ocupar o primeiro lugar na produção de carne de porco no continente americano, com 55% do volume total, seguido pelo Brasil e Canadá. Ainda assim, espera-se que o volume de produção contraia cerca de 0,3% relativamente a 2021, passando de 12,6 para 12,5 mt, não obstante o aumento da procura.
Esta situação deve-se a uma esperada diminuição do efetivo de porcos, assim como às baixas intenções de aumentar o efetivo reprodutor por parte dos produtores no último trimestre do ano, dado o aumento dos custos de produção, a escassez de mão de obra e as incertezas regulatórias provocadas pelas limitações aos exportadores, o qual manterá a oferta ajustada para o ano seguinte, ainda que esta seja compensada, em parte, por animais mais pesados.
Por outro lado, espera-se que as exportações norte-americanas aumentem 3% com o crescimento da procura por parte da maioria dos seus principais clientes.
O eventual crescimento das importações da China daria suporte ao comércio dos EUA tanto direta como indiretamente, à medida que os seus principais concorrentes redirecionam os seus envios para outros mercados da Ásia Oriental, como o Japão e a Coreia do Sul.
Além disso, a crescente procura mexicana e a valorização do peso mexicano, apoiarão as exportações para este país, que recentemente se converteu no principal destino das exportações norte-americanas, superando pela primeira vez a China.
AMÉRICA LATINA
A produção de carne de porco na América Latina atingirá um incremento de 2,5% em 2022, alcançando os 7,9 mt, ou seja, 196 mil toneladas adicionais em comparação com a produção de 2021 (7,7 mt). Em relação ao efetivo de fêmeas, espera-se que alcance as 4,5 milhões de cabeças em 2022. Neste sentido, ao avaliar a participação dos diferentes países, encontramos o Brasil que, além de ocupar o segundo lugar na produção do continente americano, posiciona-se como o líder da suinicultura na América Latina, responsável por 56% da produção total da região, seguido pelo México e pela Argentina, com participações de 20% e 9%, respetivamente.
Desta forma, estima-se que a produção brasileira atinja os 4,5 mt em 2022, o que significa um aumento de 2,9% face aos 4,3 mt com que encerra 2021.
Já o México, será o país a atingir um maior crescimento na região com 4,3%, ao consolidar os 1,6 mt, isto é, 65 mil toneladas acima do que produziu em 2021 (1,5 mt). Ao mesmo tempo, o efetivo de fêmeas aumentará cerca de 3,2%, alcançando 1,3 mc.
Finalmente, temos as produções da Argentina e Colômbia, as quais devem aumentar aproximadamente 10 mil toneladas cada, alcançando 690 mil e 465 mil toneladas em 2022, respetivamente.
A expansão das indústrias do Brasil e México obedecerá a uma espécie de “tomada de vantagem”, tanto da recuperação das suas procuras internas, do preço, do favorecimento das taxas de câmbio, assim como das grandes oportunidades de exportação para os países asiáticos.
Na verdade, as estimativas para a América Latina indicam um crescimento geral de 4% no volume de exportações. Nesse sentido, temos o Brasil que cresce cerca de 6,6%, segundo este indicador, passando de 1,29 para 1,38 mt em 2022, enquanto que o México alcança as 390 mil toneladas, um valor que representa um crescimento de 4% face a 2021 (375 mil toneladas).
Contudo, são esperadas diminuições na ordem de 3,6 e 28,6% para o Chile e para a Argentina, respetivamente. No que respeita às importações, projeta-se um crescimento para a região de 4% em comparação com 2021 (1,68 mt), atingindo 1,75 mt, com o México a ser o principal importador, com 1,12 mt em 2022, seguido pelo Chile e pela Colômbia, com volumes que estarão à volta de 180 e 120 mil toneladas, por esta ordem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS E DESAFIOS PARA 2022
Em 2022, o nosso setor, e em geral toda a cadeia produtiva, terá pela frente fortes pressões inflacionárias, que derivam do aumento dos custos da mão de obra, do transporte e da energia.
A juntar a tudo isto, o panorama produtivo continuará a desenrolar-se debaixo da ameaça de focos de PSA, com forte impacto nas produções locais, assim como no fluxo do comércio mundial. No que respeita às matérias-primas, espera-se que os preços se mantenham elevados em 2022, com reservas baixas e uma forte procura o que justifica estes preços. Além disso, os riscos climáticos derivados do fenómeno de la niña e as tensões geopolíticas podem exercer uma pressão adicional neste mercado.
Apesar da difícil situação conjuntural que atravessa a economia na atualidade, perfila-se um bom ano para 2022 no que respeita à suinicultura na América Latina, graças à grande expansão que se espera no mercado brasileiro e o aumento dos volumes de produção dos restantes países da região.
O restabelecimento dos fluxos do comércio internacional, com as reaberturas e a recuperação económica pós-pandemia, contribuirá, sem dúvida, para o crescimento e participação da América Latina no mercado mundial.
Outro dos desafios do setor prende-se com os modelos de agrupamentos e cooperativas. De acordo com um relatório sobre cooperação na América Latina, emitido em 2012 pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), as cooperativas pecam por excesso de orientação política estatal e falta de estruturas de apoio. Ainda que atualmente se tenha verificado algumas alterações a este nível, a maioria dos produtores da região trabalha de forma independente, revelando pouca ou nenhuma intenção de integração na sua cadeia de valor, o que os impede, em muitos casos, de melhorar a gestão no que respeita à compra de matérias-primas e consumíveis, comercialização dos animais e venda ao consumidor final. Muitos ainda se centram na comercialização da carne fresca, sem obter valor acrescentado com, por exemplo, transformação, que lhes permitam obter maior rentabilidade e ser mais competitivos.
Como consequência, o mercado latino-americano tem uma grande necessidade de maior associativismo, ainda que alguns países como o Brasil tenham dado passos em frente no que refere a agrupamentos e a cooperativismo.
Durante os últimos anos, neste país registou-se um aumento dos agrupamentos agroindustriais, caraterizados na sua maioria por integrações verticais por contrato semelhantes ao modelo espanhol, onde o suinicultor se concentra na produção de leitões e porcos de engorda, trabalhando quase sempre com base num contrato com o agrupamento. Com este modelo, o integrador é responsável pelo material genético, a alimentação, produtos veterinários e a assessoria técnica, com a obrigação de compra dos animais no final da engorda. Os suinicultores, pelo seu lado, são responsáveis pelas instalações, equipamentos, água, energia e mão de obra, com o compromisso de vender os seus animais ao integrador.
Outro modelo comum no Brasil é o cooperativismo, através do qual é constituída uma cooperativa onde todos os associados são responsáveis pelos resultados da operação, neste caso o sistema de maneio dos produtores depende dos ativos da cooperativa, razão pela qual o grau de diversificação de negócios de uma cooperativa exerce pressão direta sobre o grau de tecnicidade das unidades produtivas.
Segundo a ABCS (Associação Brasileira de Criadores de Suínos) cerca de 39% das unidades produtivas deste país trabalham com o modelo de agrupamento enquanto 23% seguem o modelo das cooperativas.
É importante referir que os vários países melhoraram as suas estruturas sindicais, as quais substituiram as funções governamentais no apoio e fomento das estruturas associativas. Um destes exemplos é o Porkcolombia que, mediante um programa de fortalecimento empresarial, contribuiu para a criação e formalização de várias associações a nível nacional, contando já com vários casos de sucesso, sobretudo com o modelo de agrupamento vertical e criação de blocos de compra de alimentos e outras matérias-primas e venda de animais. Outros países como a Argentina têm vindo a caminhar neste sentido, ainda que, tal como acontece no caso anterior, a maioria dos suinicultores continuem a produzir de forma independente.
(1) Diretor Geral da 333 América Latina
(2) Diretora Técnica na 333 América Latina
(3) Analista de Economia e Inteligência de Mercados na 333
O artigo foi publicado originalmente em FPAS.