Num contexto em que muitos dos pesticidas estão a ser retirados do mercado, criar alternativas é uma necessidade urgente. O novo laboratório colaborativo InnovPlantProtect, em Elvas, promete desenvolver compostos não tóxicos de base biológica para combater as pragas e as doenças que afetam as culturas mediterrânicas. O Professor Pedro Fevereiro, CEO do InnovPlantProtect, garante o laboratório colaborativo contribuirá para uma produção agrícola nacional mais competitiva e com impactos económicos, ambientais e sociais positivos.
Entrevista: Margarida Paredes / CiB
Fotografia e vídeo: Joaquim Miranda
Um dos grandes desafios da agricultura é o controlo de pragas e doenças, às quais se deve a perda de 40% da produção agrícola global. A missão do InnovPlantProtect é acabar com elas?
40% é um cálculo aproximado e não reúne consenso; há publicações que referem 60%. O InnovPlantProtect é um laboratório colaborativo (CoLab) concebido para desenvolver estratégias para reduzir o impacto de pragas e doenças, sobretudo emergentes, na agricultura mediterrânica. Contudo, não irá acabar com elas, porque as pragas e doenças existirão sempre. O que vamos fazer é criar soluções inovadoras de base biológica para promover culturas agrícolas mais sustentáveis, ou seja, mais seguras (não tóxicas para seres humanos e animais), mais eficientes (mais produtivas) e com menos impactos no ambiente.
Que culturas mediterrânicas vão ser abordadas?
Culturas permanentes e anuais estabelecidas em Portugal e noutros países com clima mediterrânico, por exemplo vinha, olival, milho, trigo, tomate e, eventualmente, pera e maçã.
E em que pragas e doenças vai incidir?
Sem ser exaustivo, enumero apenas algumas pragas e doenças com características distintas: o percevejo marmoreado ou percevejo asiático, uma praga instalada nos EUA e que na Europa, por exemplo em Itália, está a ser preocupante por já ter causado importantes estragos nas culturas – muitas pessoas consideram-na a praga do século XXI; a Xyllela fastidiosa, uma bactéria que se instala nos vasos condutores das plantas lenhosas, atacando sobretudo o lenho das árvores de fruto; a Drosófila suzukii, que afeta vários frutos; a diabrótica, uma lagarta que ataca as raízes do milho; a traça da Guatemala, cujas larvas constroem galerias nos tubérculos da batata; a ferrugem amarela, que ataca o trigo e outros cereais. Todas estas pragas e doenças são motivo de grande preocupação porque não existe atualmente nenhuma planta resistente e nenhum pesticida que as consiga controlar eficientemente.
Então não existe no mercado nenhuma solução para estas pragas?
As soluções que existem e que podiam eventualmente ser utilizadas estão a ser descontinuadas. Devido aos seus níveis de toxicidade ou ao seu espectro de atuação muito amplo, podendo afetar insetos e outros organismos benéficos para o meio ambiente ou até mesmo pessoas, a legislação está a retirar do mercado as formulações que poderiam controlar alguns desses fatores bióticos que afetam as culturas. Por outro lado, há novas pragas e doenças para as quais não existe atualmente nenhuma planta resistente e nenhum pesticida que as consiga controlar. A retirada de princípios ativos acontece com mais incidência na Europa, mas começa também a acontecer nos Estados Unidos e noutros países.
Faz ideia de quantas soluções serão desenvolvidas pelo InnovPlantProtect a curto/médio prazo?
Temos três anos para conseguir pelo menos duas soluções capazes de funcionar em condições reais. Nesta fase estamos a selecionar as pragas e doenças a abordar. Já temos uma noção, mas não queria adiantar mais informação. O que posso dizer é que a ideia é conseguir controlar essas pragas e doenças através de metodologias inovadoras, utilizando sobretudo moléculas biológicas.
A quem cabe selecionar os problemas a resolver e os produtos a desenvolver? Aos parceiros?
É uma seleção partilhada, digamos assim. Numa primeira abordagem, houve uma discussão aprofundada com os associados do InnovPlantProtect para identificar um conjunto de prioridades, mas acabamos por identificar demasiadas (cerca de 10), pelo que, neste momento, estamos a fazer uma avaliação mais detalhada dos aspetos técnico-científicos para estabelecer duas ou três prioridades.
Que critérios estão a ser considerados?
Em primeiro lugar, a incidência. Aferimos se a doença/praga tem uma amplitude suficientemente abrangente não só em Portugal como em vários locais do mundo de clima mediterrâneo, por exemplo Califórnia (nos EUA), África do Sul e Austrália. Em segundo lugar, a disponibilidade de condições no campo para fazer experimentação com essa doença/praga. Por último, a ineficiência ou a descontinuação das soluções existentes no mercado. É a conjugação destes critérios e de outros critérios que nos permitirá decidir se temos capacidade técnico-científica para desenvolver a solução.
Quando diz que o InnovPlantProtect vai desenvolver “soluções inovadoras de base biológica”, refere-se a quê exatamente? A bio-pesticidas ou ao melhoramento de plantas através da edição do genoma?
Vamos desenvolver novas soluções de base biológica (aquilo a que genericamente se designa biopesticidas) e vamos utilizar a tecnologia da edição do genoma (como o CRISPR-Cas9) para desenvolver variedades de plantas resistentes ao ataque de doenças. A edição do genoma é uma tecnologia que permite alterar as características das plantas de forma a torná-las resistentes. E pode acontecer que sejam necessárias ambas as soluções face a uma praga muito agressiva. Por mais que trabalhemos com a planta, pode não ser possível criar uma variedade 100% resistente, no entanto, podemos conseguir um controlo efetivo da praga se a planta, ainda que parcialmente resistente, for apoiada pela aplicação de um determinado produto com caraterísticas biológicas.
Soluções biológicas são soluções não-químicas?
A generalidade das pessoas pensa que químicos são os produtos de síntese, mas isso não é verdade. Tudo o que é vida é químico. No caso dos produtos que vamos tentar desenvolver, serão soluções químico-biológicas na medida em que terão por base, sobretudo, ácidos nucleicos (pequenos RNA de interferência) e pequenas proteínas que têm a capacidade de inibir a interação entre os organismos patogénicos e as plantas que queremos defender. É com este tipo de moléculas que vamos trabalhar. Como disse no início da entrevista, não são tóxicas para seres humanos e animais, são específicas e com menos impacto no ambiente do que os agroquímicos de síntese atualmente existentes.
Tendo como parceiros multinacionais como a Bayer e a Syngenta e associações de produtores, imagino que a aceitação dos produtos/soluções no mercado não será um problema…
A razão pela qual o InnovPlantProtect foi constituído é porque estamos convencidos que existe mercado para estas novas soluções. Embora seja o único laboratório colaborativo nesta área em Portugal, não é a única instituição no mundo a tentar desenvolver soluções com este tipo de tecnologias. Noutros países existem empresas, ainda que poucas, que estão a trabalhar no mesmo sentido.
“O InnovPlantProtect não trabalha para a Europa, trabalha para o mundo. Se a legislação europeia não estiver preparada para aceitar soluções como as que vamos tentar desenvolver, seguramente iremos conseguir comercializá-la noutros países.”
Vai utilizar a edição do genoma de plantas, que muitos investigadores acreditam que será o marco da agricultura moderna. Não receia a mesma resistência e desconfiança que se instalou na Europa relativamente aos OGM?
Antes de mais, deixe-me esclarecer que o InnovPlantProtect não trabalha para a Europa, trabalha para o mundo. Portanto, se a legislação europeia não estiver preparada para aceitar soluções como as que vamos tentar desenvolver, seguramente iremos conseguir comercializá-la noutros países. Em todo o caso, a expectativa é que a Europa altere a sua forma de observar estas novas tecnologias de melhoramento de plantas e que, num prazo razoável, crie legislação que permita, pelo menos em parte, utilizar variedades melhoradas através de edição do genoma. Desde que a regulamentação o permita, estou convencido que estas soluções serão muito bem aceites pelo mercado.
Além de desenvolver produtos, o InnovPlantProtect também vai prestar serviços. Quais?
Vai prestar dois tipos de serviços que vão valer-se de todas as ferramentas digitais que permitam não apenas seguir a progressão de pragas, sobretudo de novas pragas, como criar modelos que ajudem a prever a evolução dessas pragas – por exemplo, quando é que eclodem e quando é que afetam as plantas – e desenvolver métodos eficientes de diagnóstico de pragas que aparecem numa determinada exploração agrícola e para a quais ainda existem pouquíssimos serviços em Portugal. Aliás, é por isso que o InnovPlantProtect vai ter dois departamentos de informática, onde se fará a utilização de vários tipos de dados – climáticos, de satélite, de solo e locais (dados colhidos pelos próprios agricultores para aferir a presença ou ausência de determinadas pragas), etc. A ideia é recolher e analisar todos estes dados e, posteriormente, modelizar a progressão das pragas e, com isso, prestar um serviço de aviso e de diagnóstico, que irá, inclusive, permitir aos agricultores escolherem a altura mais adequada para o tratamento e para a colheita (no caso de estar previsto o aparecimento de uma nova praga num período próximo).
Qual vai ser o impacto mais importante do InnovPlantProtect? A inovação?
O InnovPlantProtect vai ter impacto em três aspetos muito importantes para os agricultores, que terão a oportunidade de recorrer a soluções mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, económico e social, mais eficientes e o mais atempadamente possível. A nossa perspetiva é aumentar a sustentabilidade do sistema, utilizando estas novas tecnologias. Quando me pergunta se o impacto mais importante do InnovPlantProtect é a inovação, depende do que entende por inovação. Há quem pense que inovação são coisas novas, mas, tecnicamente, inovação não significa isso. Inovação são soluções/ferramentas que podem ser protegidas intelectualmente e comercializadas.
O InnovPlantProtect não vai também comercializar os “seus” produtos?
Primeiro vai protegê-los, através de patentes ou de outra forma de proteção intelectual juridicamente sólida, e, posteriormente, licenciá-las ou vendê-las. A nossa finalidade não é produzir e comercializar as nossas soluções, é encontrar empresas interessadas em produzi-las em larga escala e em colocá-las no mercado. Isso implica ter parceiros como a Bayer e a Syngenta, mas, no caso de não estarem interessadas, poderemos licenciar as soluções a outras empresas.
O licenciamento é uma componente importante da atividade do InnovPlantProtect?
É, porque a médio prazo é o licenciamento das soluções que permitirá a viabilização financeira do InnovPlantProtect. Embora o laboratório beneficie nesta fase inicial de um financiamento essencialmente público, com algum apoio de entidades privadas associadas, a ideia é que, a partir de uma certa altura, 2/3 do financiamento provenha ou da prestação de serviços ou do licenciamento. O InnovPlantProtect tem de ser auto sustentável.
Num mundo em que a população atingirá os 8,3 mil milhões de habitantes até 2030, será necessário produzir entre 35% a 50% mais de alimento, ao mesmo tempo que são exigidas adaptações atempadas às alterações climáticas. Acha que a atividade do InnovPlantProtect vai contribuir para minimizar o impacto deste cenário?
A nossa perceção é que as soluções que venhamos a desenvolver contribuam para reduzir as perdas nas culturas. Esse é o objetivo final do InnovPlantProtect. Se contribuirá diretamente para uma redução da pressão resultante do aumento da população, obviamente que não, porque esse é um problema global com muitas outras componentes em jogo, como a redução do desperdício, a distribuição equitativa das produções alimentares, as condições de produção associadas aos preços, a disponibilidade de água… Combater as pragas não resolve por si só o problema, mas, do ponto de vista do controle de pragas e doenças, é, sem dúvida, uma das componentes mais importantes associada à garantia de uma produção mais sustentável. A sustentabilidade da produção garante a sustentabilidade da segurança alimentar (segurança no sentido de existirem alimentos disponíveis).
Porquê sedear o InnovPlantProtect em Elvas?
Por três razões. Em primeiro lugar, porque o Programa que permitiu a constituição dos Laboratórios Colaborativos (CoLab) não financiava a construção de edifícios, pelo que era preciso encontrar uma infraestrutura que estivesse disponível para receber este laboratório colaborativo. Em segundo lugar, porque esta casa [INIAV de Elvas, Estação de Melhoramento de Plantas, onde fica a sede do InnovPlantProtect] tem já uma grande tradição no melhoramento de plantas e dispõe de campos agrícolas para fazermos a experimentação. Por último, é uma forma de promover a descentralização, como o próprio Programa dos CoLab requer. Estes três fatores associados – e o facto de contarmos com o apoio da autarquia de Elvas e do INIAV, ambos associados do Laboratório Colaborativo – foram determinantes para instalar o InnovPlantProtect em Elvas.
Tem previsão de quando estará a funcionar em pleno?
Em abril vai ser lançado concurso para as obras no edifício, que deverão começar em setembro e terminar em maio do ano que vem. Prevemos que em junho de 2021 estaremos a funcionar em pleno, mas antes, talvez em setembro, teremos condições laboratoriais para começar a desenvolver uma parte das nossas atividades.
O InnovPlantProtect não é um laboratório “tradicional” de investigação, é uma unidade de desenvolvimento de soluções, estruturada em cinco departamentos. Muito resumidamente, o que é que cada um vai desenvolver?
É um laboratório colaborativo que vai três laboratórios típicos (de biologia, química e bioquímica) e dois de informática. O departamento 1 vai dedicar-se fundamentalmente ao desenvolvimento de moléculas biológicas (os designados biopesticidas) com atividade que permita controlar as pragas e doenças. O departamento 2 vai focar-se na questão da interação planta/organismo, ou seja, vai alterar as características das plantas ou encontrar na diversidade existente plantas que apresentem capacidade de resistência. O departamento 3 será um departamento de formulação. As moléculas que queremos desenvolver, nuas, se forem entregues sem mais nada no meio ambiente têm um tempo de vida muito limitado, pelo que precisamos de encontrar fórmulas que permitam manter a molécula disponível, mas, ao mesmo tempo, protegê-la das condições ambientais. Queremos apostar sobretudo no desenvolvimento de soluções baseadas em nano-partículas. Existem diversos tipos de nano-partículas, algumas delas ambientalmente inertes, não tóxicas e é nesse tipo de partículas que vamos apostar para proceder a uma espécie de encapsulamento destas novas moléculas para colocar nas plantas.
Os departamentos 4 e 5 serão de informática. Num deles iremos desenvolver bases de dados e modelos de progressão das pragas, no outro iremos criar novos métodos de diagnóstico e de identificação de pragas e doenças. Ambos os departamentos trabalharão em colaboração com associações de produtores e centros operativos da área da agricultura.
O InnovPlantProtect é uma iniciativa da Universidade Nova de Lisboa, liderada pela unidade de investigação GREEN-IT do Instituto de Tecnologia Química e Biológica da NOVA, em cooperação com outras unidades de investigação da NOVA (CTS FCT NOVA, NOVA LINCS, FCT NOVA e MagiC NOVA IMS) tendo como parceiros o Instituto de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), a Câmara Municipal de Elvas, a Bayer Crop Science, a Syngenta Crop Science, a Fertiprado, o Centro de Biotecnologia Agrícola e Alimentar do Alentejo (Cebal) a Associação Nacional de Produtores de Proteaginosas, Oleaginosas e Cereais (ANPOC), a Associação Nacional de Produtores de Milho e Sorgo (ANPROMIS), a Casa do Arroz e a Federação Nacional das Organizações de Produtores de Frutas e Legumes (FNOP). Estas instituições criarão uma associação privada sem fins lucrativos que tem como responsabilidade gerir o InnovPlantProtect.
Pedro Fevereiro é diretor-geral executivo do laboratório colaborativo InnovPlantProtect, sedeado em Elvas, Professor Auxiliar com Agregação do Departamento de Biologia Vegetal na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e diretor do Laboratório de Biotecnologia de Células Vegetais no ITQB NOVA, tendo como áreas de investigação a Biotecnologia Vegetal, Engenharia Genética Vegetal, Diversidade Molecular e Genética de Plantas e Purificação e Caracterização de Enzimas Vegetais. Também preside ao Centro de Informação de Biotecnologia (CiB).