Os poucos viticultores que hoje aceitaram falar sobre a Casa do Douro, na Régua, defenderam a restauração da instituição “com mais poderes” para apoiar os produtores e a vinha, que é o sustento de muitas famílias na região.
Foram poucos e sobretudo os mais velhos que se pronunciaram sobre a instituição junto ao mercado da Régua, e a maioria revelou desconhecer que o processo de restauração da Casa do Douro, como associação pública e inscrição obrigatória, regressa na quinta-feira ao parlamento, por iniciativa do Bloco de Esquerda, PCP e PS. Os diplomas serão, depois, votados na sexta-feira.
O estatuto da instituição, criada em 1932 para defender os viticultores e a produção duriense, foi alterado pelo Governo liderado por Pedro Passos Coelho, que a transformou numa organização com gestão privada.
“A Casa do Douro era bom, só que deixaram-na ir pelo rio Douro abaixo”, afirmou à agência Lusa José Lebres, produtor de 69 anos que colhe cerca de 60 pipas de vinho em Galafura, no concelho da Régua, distrito de Vila Real.
Este viticultor concorda com a restauração da instituição porque a região precisa de quem organize o setor “do vinho” que está “mau”.
Na sua opinião, era preciso uma Casa do Douro “até mais forte, melhor”, considerando que atualmente é “muito difícil ser agricultor”.
“Nem fazem ideia do trabalho que o lavrador leva a trabalhar a vinha e não é recompensado em nada. As grandes casas quanto mais barato o comprarem melhor. Estamos há 20 anos com o mesmo preço no vinho generoso”, salientou.
É “a mão de obra familiar” que ajuda a manter a vinha, porque se tivesse que contratar trabalhadores “não retirava da vinha rendimento suficiente para pagar as despesas”.
“Adubos, sulfate, combustível, tudo subiu muito e não para. O Douro vai ficar sem ser trabalhado, quem estiver mecanizado ainda vai aguentando, quem tiver que trabalhar da forma tradicional tem os dias contados”, lamentou José Lebres.
Com uma produção de três pipas de vinho, Licínio Martins, de 70 anos, afirmou à agência Lusa que foi “uma injustiça enorme” a retirada dos poderes da Casa do Douro e que, a partir daí, os “lavradores pequenos sentiram todos na pele”.
Questionado sobre se considera fazer sentido atualmente uma associação pública e de inscrição obrigatória, o produtor respondeu: “completamente”.
“A Casa do Douro é essencial para todos os lavradores. Não digo para as grandes empresas, que essas não precisam, mas os pequenos e médios lavradores cada vez mais precisam da Casa do Douro para sobreviverem aos problemas que existem”, salientou.
Viticultor em Valença do Douro (Tabuaço), José Pinto, 72 anos, afirmou que a instituição “nunca devia ter acabado porque era o bem do lavrador”, mas referiu ter perdido o “fio à meada” no que diz respeito a este processo.
Carlos Bernardo, com 53 anos e vinha em Alvações do Corgo, Santa Marta de Penaguião, defendeu que a instituição devia ser o interlocutor de todos os viticultores que há muitos anos estão a passar dificuldades.
Queixou-se que o “benefício é pouco”, ou seja, a quantidade de vinho do Porto que cada um pode produzir em cada vindima, e defendeu como “ideal” para os produtores uma intervenção da Casa do Douro na regulação dos preços, tanto do vinho do Porto como do vinho de consumo.
Sobre o ponto em que o processo está, reconheceu que só hoje ficou a saber que o tema está de regresso à Assembleia da República devido aos panfletos distribuídos por elementos do Partido Comunista Português (PCP), no mercado municipal da Régua.
“Espero que saiam de lá boas notícias para o Douro. O Douro não é só turismo, embora felizmente o turismo esteja a progredir, mas infelizmente nós vivemos da vinha. A vinha é que é o sustento da maioria das pessoas de cá”, salientou Carlos Bernardo, que apontou ainda para a necessidade de olhar “bem para os pequenos agricultores”.
Gonçalo Oliveira, do PCP de Vila Real, explicou que o partido está hoje e quinta-feira em contacto com a população duriense para “dar nota da iniciativa comunista” que procura desmontar “um escândalo político” e que tem a ver com “a forma como a Casa do Douro tem sido atacada para que deixe de pertencer aos produtores e passe a estar mão das grandes casas exportadoras”.
O PCP, frisou, “não desiste” de devolver a Casa do Douro “com todas as suas competências” aos produtores.
BE, PCP e PS retomaram o processo de restauração da Casa do Douro como associação pública, apresentando projetos de lei que pretendem ultrapassar inconstitucionalidades apontadas pelo Tribunal Constitucional à anterior lei.
No verão de 2021, o Tribunal Constitucional (TC) declarou a inconstitucionalidade de algumas normas do decreto-lei n.º 73/2019 que entrou em vigor em janeiro de 2020 e restaurava a Casa do Douro como associação pública e de inscrição obrigatória, apontando, nomeadamente, uma insuficiência na definição de competências de natureza pública.
Para dar resposta às questões levantadas pelo TC, Gonçalo Oliveira salientou que o PCP defende competências para a instituição como o cadastro das parcelas dos viticultores, a distribuição anual do benefício a cada produtor, a promoção dos vinhos e a manutenção de um ‘stock’ histórico de vinhos.
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