No cenário de alterações climáticas, cujos efeitos são já visíveis com períodos de seca cada vez mais frequentes, a agricultura de regadio é uma atividade estratégica para a economia portuguesa, e deve ser encarada como tal pela Sociedade e pelos decisores políticos. A produção de alimentos em quantidade suficiente para suprir as necessidades da população portuguesa e para manter o dinamismo das nossas exportações agroalimentares, depende do regadio.
Um estudo publicado em Setembro passado pela Agência Europeia do Ambiente alerta que o futuro da Agricultura na Europa está ameaçado pelas alterações climáticas e recomenda aos Estados-Membros que deem prioridade máxima à adaptação do setor à nova realidade climática, aumentando a sua resiliência a eventos extremos (seca, ondas de calor e inundações). O regadio é estratégico nesta adaptação.
As recentes ondas de calor ocorridas em várias regiões da Europa provocaram a redução das colheitas, aumentaram os custos de produção, com impactos negativos na quantidade, qualidade e preço dos produtos agrícolas. E, segundo o estudo, no futuro os impactos negativos do clima na agricultura tendem a intensificar-se, com consequências mais gravosas nos países do Sul da Europa e Mediterrâneo, onde pode ocorrer uma diminuição da produção agrícola e pecuária ou mesmo o abandono de terras cultivadas.
As projeções climáticas mais pessimistas estimam, por exemplo, uma redução de 50% na produtividade do milho, trigo e beterraba sacarina, em regime de sequeiro no Sul da Europa, no ano 2050. O valor económico das terras agrícolas pode ver-se reduzido em 80% até final do século, levando à desertificação das zonas rurais. É urgente agir para evitar que estas projeções se tornem realidade, investindo no aumento da capacidade de armazenamento de água, na modernização das infraestruturas de rega e em novas tecnologias para um regadio mais eficiente.
Uma estratégia de longo prazo para o regadio
A FENAREG decidiu dar o seu contributo, através de um estudo sólido e fundamentado, para uma estratégia que enquadre um caminho a seguir em matéria das políticas públicas de regadio para o médio/longo prazo. Este estudo faz um diagnóstico estratégico e aponta objetivos a alcançar até 2050, um plano de ação a executar entre 2021-2027 (período do próximo Quadro Comunitário de Apoio) e respetivos cálculos do investimento e a origem do financiamento. Foi apresentado publicamente, ao ex-Ministro da Agricultura, Luís Capoulas Santos, em Junho de 2019 e voltou ser apresentado à tutela, a 6 de Janeiro, numa reunião com a Senhora Ministra da Agricultura, Maria do Céu Albuquerque.
Os 7 eixos de desenvolvimento estratégico das políticas públicas de regadio propostos são:
Expandir a área infraestruturada para rega – criar novas áreas de regadio para mais 250.000 hectares de terrenos agrícolas, metade das quais no Interior do país e que atualmente regam com elevado risco de garantia de água. Até 2027 propõe-se a execução de 50.000 hectares, num investimento estimado de 965 milhões de euros. São áreas que, já sendo regadas a partir de captações privadas e de suficiência limitada, passam a beneficiar de infraestrutura pública coletiva, com um grau de segurança de acesso elevado. Além de expansão de redes já existentes, as três novas obras de rega propostas para 2021-2027 são o Crato, o Projeto Tejo e o Planalto Noroeste de Mirandela.
Aumentar a capacidade de armazenamento de água e de regularização interanual – propõe-se o alteamento de algumas barragens que já foram estudadas e a construção de novas barragens nas bacias hidrográficas mais carenciadas do continente, numa abordagem sustentada de fins múltiplos (regadio, abastecimento público e outras atividades económicas) e a ligação em rede entre bacias hidrográficas. Recorde-se que o armazenamento de água em barragens é necessário para a agricultura, mas também é indispensável para abastecer a população.
Modernizar as infraestruturas públicas de rega – visando a redução das perdas de água ao longo dos sistemas de armazenamento e distribuição mais antigos, a redução dos custos de operação destes e a melhoria da garantia de fornecimento de água com qualidade aos utilizadores. Identificam-se prioritárias intervenções em construções anteriores a 1990 que não tenham ainda sido objeto de modernização, a capacitação dos quadros técnicos e instrumentos tecnológicos de apoio à gestão. O investimento estimado para o período de 2021-2027 é de 437 milhões de euros.
Promover as melhores práticas de rega nas explorações agrícolas – o objetivo é aumentar a eficiência no uso da água e da energia pelos agricultores regantes, através da criação de apoios para adoção de tecnologias de rega de precisão. As metas a atingir até 2050 incluem a reconversão de 200.000 ha para sistemas de rega mais eficientes, a adoção de práticas de agricultura de precisão em pelo menos 50 % da área e a redução do peso médio da energia no custo de cada m3 de água para um máximo de 30%, com instalação de sistemas de energias renováveis e adequação do regime de potência. O investimento estimado até 2027 é de 225 milhões de euros.
Reforçar a sustentabilidade ambiental do regadio – propõe-se o desenvolvimento, em colaboração com o Ministério da Agricultura e o Ministério do Ambiente, de uma norma para o reconhecimento e posterior certificação de “explorações de regadio sustentável”, que incorporem entre outras dimensões a proteção e a gestão dos recursos hídricos, a conservação do solo, o contributo positivo para a biodiversidade (habitats e espécies) e a melhoria da sustentabilidade carbónica. A adoção destas ações contribuirá para a criação de Zonas Agrícolas de Regadio Sustentável. O objetivo é atingir 100.000 hectares certificados até 2027, com um investimento estimado de 10,5 milhões de euros.
Compatibilizar instrumentos de ordenamento do território e de conservação da natureza com a expansão das áreas regadas – um dos objetivos é a criação de “acordos de responsabilidade” entre as entidades gestoras das áreas protegidas/classificadas e os utilizadores da água para rega, prevenindo conflitos e prevendo mecanismos de resolução claros quando eles ocorrem, considerando o contributo dos significativos avanços que a ciência e a tecnologia têm vindo a proporcionar. O levantamento de zonas de sobreposição, revisão de áreas beneficiadas e implementação de mecanismos de compensação, são algumas das ações deste eixo que abrange todos os aproveitamentos hidroagrícolas, com um investimento estimado de 11 milhões de euros.
Rever os modelos de tarifários da água e adequar a legislação à nova realidade – visa a criação de um sistema claro, equilibrado e equitativo dos tarifários associados à utilização de água para rega, premiando os aumentos de eficiência e integrando o valor das externalidades positivas (sociais, territoriais e ambientais) no cálculo do “preço da água” à luz do que define a Lei da Água. A meta a atingir até 2027 é a adequação da legislação à realidade mais complexa que já existe no terreno (e que se deverá aprofundar no futuro) e a revisão dos modelos de tarifário praticados em todos os perímetros de rega públicos. O investimento previsto é de 500.000 euros.
O Programa Nacional de Investimentos 2030, divulgado pelo Governo no início de 2019, aloca 750 milhões de euros para investimento em regadio. No entanto, a FENAREG considera que será possível financiar o conjunto de ações propostas na sua Estratégia e atingir as respetivas metas, alargando os instrumentos financeiros a fundos para além do FEADER, nomeadamente ao FEDER, do Fundo Social Europeu, ao Fundo de Coesão, ao Fundo Ambiental, a empréstimos do Banco Europeu para o Investimento, ao Orçamento Geral do Estado e ao investimento privado, articulados numa verdadeira abordagem multifundos.
No âmbito das negociações sobre a reforma da PAC e dos restantes instrumentos financeiros da União Europeia, Portugal deverá submeter à Comissão Europeia um documento de “Estratégia Nacional”. Sendo o regadio um fator determinante para o sucesso da agricultura no nosso país e para o aumento da coesão do nosso território, não é possível estabelecer uma estratégia para a agricultura portuguesa que não incorpore, à partida, o desenvolvimento futuro das infraestruturas de rega e de todas as matérias que são relevantes para mais e melhor regadio no nosso país.
Para a FENAREG é essencial uma política agrícola orientada para o regadio, geradora de condições de fundo para um desenvolvimento do território rural e crucial à sustentabilidade da produção nacional de alimentos.
O documento integral da proposta pode ser consultado no site da Federação em: www.fenareg.pt
O artigo foi publicado originalmente em AgroGlobal.