O sobreiro é uma árvore protegida há muitos anos, essencialmente por causa da relevância económica da cortiça, mas essa protecção tem evoluído no sentido de ser justificada por razões ambientais (muito mal definidas, diga-se de passagem, confundindo a protecção de habitats e formações arbóreas com a protecção de cada árvore).
O resultado concreto é uma legislação de protecção do sobreiro e da azinheira que não tem pés nem cabeça, conduzindo a resultados perversos (poucos proprietários querem hoje plantar sobreiros porque plantar sobreiros deixou de ser uma opção de gestão da propriedade para passar a ser uma transferência de direitos de propriedade do proprietário para o Estado e o funcionário público concreto que passa a emitir pareceres sobre tudo e mais alguma coisa).
Ainda assim, não há qualquer sinal de diminuição do sobreiro e da azinheira que justifique qualquer preocupação com estas espécies.
Mas o mito persiste e um bom exemplo é um artigo de Jorge Paiva no Público de ontem.
Jorge Paiva tem para o movimento ambientalista um estatuto semelhante ao de Ribeiro Telles na minha profissão: a sua importância histórica é tão grande, que deixou de ser possível admitir que ninguém é perfeito e qualquer pessoa diz e escreve coisas erradas (umas erradas quando são escritas, outras que no momento em que foram escritas até poderiam não estar erradas, mas hoje estão seguramente erradas).
O artigo de ontem de Jorge Paiva com uma coisa sem pés nem cabeça, em que Jorge Paiva insiste, mesmo depois de lhe demonstrarem que o que diz, nesta matéria, é um absurdo, a ideia de que a deflorestação em Portugal tem uma forte ligação com as Descobertas.
Jorge Paiva ignora as paupérrimas condições de transporte no país, ignora os vários estaleiros existentes, quer no Brasil, quer em Goa, ignora a documentada e relevante importação de madeira e outros factos históricos perfeitamente estabelecidos, incluindo o que já hoje se sabe sobre a evolução da paisagem e afirma peremptoriamente que nos séculos XVI e XVII foram construídas cerca de duas mil naus, ou seja, foram usados 8 milhões de carvalhos.
Oito milhões de carvalhos, em dois séculos, são qualquer coisa como 40 mil carvalhos ano.
Tendo Portugal nove milhões de hectares, admitindo que um terço seria florestado (um absurdo, essa é a proporção actual mas no fim do século XIX seria apenas um décimo do país), temos três milhões de hectares de povoamentos florestais, dos quais se tirariam 40 mil carvalhos por ano, ou seja, perto de um carvalho por cada cem hectares.
Argumentar que retirar anualmente um carvalho por cada cem hectares de povoamento (mesmo que fosse um carvalho por hectare) levou a uma deflorestação “particularmente intensa” de Portugal, é delirante.
Não contente com esse arranque do artigo, Jorge Paiva prossegue, traçando um quadro negro da conservação do sobreiro em Portugal e argumentando que a legislação, e sua aplicação, deveria ser reforçada, falando em decisões recentes que autorizaram o corte respectivamente de 700 sobreiros e 1800 sobreiros (esquecendo-se de dizer que estes arranques de sobreiros foram condicionados a plantações de mais do dobro de árvores).
Fala em 35 mil sobreiros arrancadas por razões de interesse público, em dez anos (volto a repetir, com obrigações de plantação de mais do dobro, uma regra sem grande interesse, mas enfim), como se 35 mil sobreiros tivessem a menor relevância nos cerca de 700 mil hectares de sobreiro que existem no país, com densidades variáveis mas, considerando uma densidade média de 80 árvores por hectare, seriam 56 milhões de sobreiros (na verdade, são muito, muito mais e em crescendo). O tal drama das 35 mil árvores representam menos de 0,07% das árvores existentes no país de uma espécie com tendência crescente.
Se o país continuar com esta mania de ter vacas sagradas a determinar o sentido de políticas públicas erradas, contraproducentes (a conservação do sobreiro depende muito mais do seu interesse para o prorietário que de legislação irracional que leva os proprietários a evitar plantações da espécie e a liquidar qualquer sobreirinho que nasça, com medo das consequências legais a prazo, a razão pela qual há cada vez mais sobreiro, neste momento, é porque há cada vez mais abandono, e ver nascer sobreiros em áreas abandonadas, em todo o país, é do mais trivial que há) e absurdas, dificilmente deixar de ser este sítio triste de onde se vão embora pessoas que até gostariam de ficar, mas não com o custo que isso representa para a sua vida quotidiana.
Asneiras todos dizemos, com certeza, mas eu dizer asneiras não tem nenhuma relevância, já Jorge Paiva escrever asneiras desta dimensão é um problema sério, porque influencia um grande número de seguidores para quem a sua palavra pesa mais que a realidade.
É pena.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.