Estamos num momento particularmente crítico, e interessante, da geopolítica e da economia europeias. Este ponto de vista é verdadeiro sob vários ângulos, como o dos diversos conflitos militares activos (Ucrânia, Siria, etc.), da energia, da demografia e da soberania alimentar. No entanto, o que mais me tem preocupado é a vertente económica.
Neste fim de ano de 2024, a nova comissão europeia foi indigitada, com a mesma presidente, Ursula von der Leyen, mas com novos comissários. E é daqui que vêm as minhas preocupações. Sou da opinião que a Europa não aguenta mais um mandato de cinco anos que seja caracterizado pela mesma abordagem de políticas vistas até aqui.
Como dizem os americanos, when all you have is a hammer, everything looks like a nail. Mas assumir que a mesma solução de sempre, que não resolveu problemas até aqui, será adequada aos problemas futuros parece um perfeito disparate.
Até aqui, o martelo que esteve à disposição da presidente von der Leyen foi o carbono. Ideias como taxar as emissões de carbono (na Dinamarca parece que já taxam as vacas), subsidiar carros eléctricos (mesmo sem que haja produção de energia verde nem capacidade de distribuição suficientes) e, no caso da agricultura, a redução cega do uso de fitofármacos e fertilizantes e a destruição de barragens, entre outras. Estas ideias, têm dois problemas principais:
- São desadequadas para os objectivos a que se propõem, como tentar usar um martelo para tapar uma fuga de água num cano;
- Fazem parte de uma caixa de ferramentas, utilizada por muitos outros políticos europeus, onde se encontra, para além deste martelo “carbono”, um conjunto de outros martelos. Essa caixa de ferramentas chama-se “regular e proibir”.
Para que me percebam bem, não sou contra a redução das emissões de gases com efeitos de estufa. O que eu sou é contra medidas que, mesmo que soem bem e tenham nomes pomposos, não têm nenhuma probabilidade de resolver o problema que endereçam e têm um custo enorme para a economia. Temos de encontrar novas ferramentas!
É que o objectivo não é reduzir o carbono sobre os céus da Europa. É reduzir na atmosfera, porque, como dizia o Gato Fedorento, o ar é de todos. A UE até tem conseguido reduzir as suas emissões, com 2023 a representar uma redução de 39% desde 1980 e de 30% desde o ano 2000. O problema é que, como o gráfico seguinte mostra, de forma global, as emissões aumentaram 91% e 48% nos mesmo períodos.
A Ásia, incluindo a India e a China, representaram, em 2023, 59,8% das emissões globais, e tiveram aumentos muito significativos nas últimas décadas. Enquanto assim for, parece-me bastante intuitivo que o rácio beneficio-custo das medidas ambientais focadas na redução de emissões, na UE, será muito baixo, e que outras medidas serão necessárias.
De facto, este é um problema económico: queremos ser os primeiros a tomar medidas que soam bem, mas não têm consequências relevantes, ou queremo-nos dedicar às políticas económicas que tenham alguma chance de melhorar o futuro económico da União?
Como o gráfico seguinte mostra, nos últimos 19 anos até 2023, a China só cresceu a menos do que 5% em 2020 e 2022. Não seria bom almejarmos a crescimentos dessa ordem também?
Então, quais seriam as ferramentas que, para além do martelo de Úrsula (não confundir com o mítico martelo de Thor) a UE poderia utilizar?
Na minha opinião, abordagem política deveria passar por um conjunto de medidas que aliassem bom-senso com uma posição negocial e geopolítica forte. Ou seja, procurar tomar medidas que tenham uma boa probabilidade de surtir o efeito a que se propõem (mesmo que corram o risco de não cumprir o ritmo dos ciclos políticos e que não tenham nomes bonitos para lhes dar cobertura) e que tenham como base uma posição entre blocos geopolíticos em que a UE não se subjugue à partida.
No desenvolver desta nova posição alternativa, que me parece ser muito mais adequada, há vários factores e perspectivas. Do ponto de vista da agricultura e dos sistemas alimentares, de forma mais ampla, penso que os principais pilares de uma abordagem adequada seriam:
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- O solo – do ponto de vista da técnica de produção, o solo é o principal factor de melhoria dos ecossistemas (sim, porque nós humanos somos parte do ecossistema). Já há muitos anos que esta ideia é conhecida, e já ouvi a antropólogos e biólogos, que foi a descoberta da melhoria dos solos, através da aplicação de estrume, que potenciou o desenvolvimento da economia agrícola europeia melhorando as produtividades através do aumento da matéria orgânica e, em seguida, a restante economia.
Mas atentemos nesta ideia, porque esta ideia tem um conjunto de implicações importantes e contraditórias a como se vê o meio agrícola hoje, na UE. Desde logo, a produção animal não pode ser vista como maligna, mas como parte integrante do sistema – a parte que retorna ao solo a matéria orgânica que foi extraída sob a forma de pastagem ou outros alimentos. Para além disso, a produção animal é muitas vezes julgada na Europa com base em estatísticas globais de emissão de carbono. Ora, na UE, a produção animal é responsável por uma proporção substancialmente menor das emissões que essas médias globais. Mais uma vez, o martelo do carbono não é a ferramenta adequada para esta situação.
Para além disto, existem hoje técnicas de melhoria do solo, como o pastoreio holístico, a incorporação de lenha de poda, a utilização de culturas de cobertura e aplicações de correctivos e de bioestimulantes, que mostram consistentemente que podem ser factores de melhoria forte na qualidade dos solos e, consequentemente, na sua função no ecossistema;
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- A água – nestes cinco anos futuros, que se esperam de desenvolvimento e de melhoria da autonomia e segurança alimentares da EU, é importante dar atenção às questões da água.
Na confusão que se gerou no contexto do Pacto Ecológico Europeu, surgiu a ideia de que muitos açudes e barragens seriam obsoletos e que deveriam ser removidos para permitir cursos de agua mais naturais e ininterruptos. Não tenho a confirmação com dados exactos, mas pelo que julgo saber, mais de 300 barragens e açudes foram destruídos em Espanha desde 2021, com base no green deal. Isto surpreende-me enormemente porque admiti que a remoção de uma estrutura que estivesse instalada há décadas (só assim pode estar obsoleta) tivesse de ser sujeita a estudo de impacto ambiental, pelas alterações ao ecossistema que introduzirá. Ou isso só é exigido quando se constrói e não quando se remove? Ou é indispensável quando não vai bem com a narrativa pseudo-ambientalista mas dispensável quando é concordante com esta?
A água tem de ser vista de forma estratégica para a Europa, e a sua gestão tem de ser feita de forma adequada localmente. Ao contrário do ar, que é de todos, a água é local e comporta-se de forma muito diferente ao longo do território da UE. Na Holanda as obras hidráulicas de um campo agrícola são para retirar água e não para regar. As políticas públicas têm de entender e espelhar estas diferenças para poderem ser eficientes e equilibradas. É óbvio que um deputado europeu ou um membro da comissão que não tenha esta sensibilidade, vai produzir iniciativas, que se podem vir a tornar vinculativas, que não servem a grandes extensões do território. É também obvio que os países do Sul têm de conseguir armazenar e distribuir água para que o tecido económico rural possa não desaparecer por completo. Isso não será tão obvio para quem não entende o mundo rural ou só conhece os campos da Alemanha ou o Norte de França.
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- A simplificação e desburocratização de politicas e regulamentos – a potenciação da actividade económica através da simplificação de regulamentos e de politicas focadas no estímulo e não na proibição pode ter um impacto enorme na melhoria das taxas de crescimento do PIB, que discutimos anteriormente.
Nos últimos cinco anos verificaram-se vários agravamentos deste problema, mas talvez o recente problema da EUDR (Regulamentação Europeia para a Desflorestação) seja o mais adequado como exemplo. Foi, neste mês de Dezembro, adiada por um ano a entrada em vigor desta regulamentação da UE, que visa combater a desflorestação impedindo a entrada de vários produtos sem que fosse comprovado por certificação adequada que o produto não provinha de áreas desflorestadas nem tinha dado origem a desflorestação. Acontece que, pelo que entendi da questão, os requisitos pedidos a países terceiros têm de ser também cumpridos internamente, o que levou à necessidade de adiar a entrada em vigor pois tornou-se claro que os países da UE não estavam preparados para cumprir. Vale a pena notar bem o que esta ideia implica: o legislador europeu achou que era razoável exigir um nível de certificação a regiões como a América do Sul e outras, que nem os europeus (conhecidos campeões da papelada) conseguem cumprir! Muito importa criar formas mais inteligentes que burocráticas para resolver os problemas a que nos propomos dar resposta!
Mas este é apenas um exemplo de entre muitos que os leitores que estejam familiarizados com o sector agroalimentar conhecerão muito bem. O que é importante reter é que tem de haver um foco, consciente e dirigido, em criar regulamentação mais simples e mais eficaz, pois isso vai reduzir custos desnecessários aos empresários do agroalimentar e melhorar a competitividade das nossas empresas.
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- A posição negocial da Europa – O uso do peso económico de (ainda) sermos o maior mercado agroalimentar do mundo tem de ser um factor-chave no nosso posicionamento internacional. Se de facto somos o mercado a que todos os países querem chegar, temos de ter os benefícios negociais que nos permitam proteger a produção europeia de concorrências desleais e de abusos no uso de denominações protegidas. Simultaneamente, temos de tomar medidas para melhorar a nossa soberania alimentar.
Nesta frente tem havido muitos desenvolvimentos recentes: a recente aprovação do acordo com a Mercosur e a aposta nas tarifas alfandegárias como bandeira da politica económica externa da presidência Trump dever-nos-iam fazer pensar bem em como se quer posicionar a Europa face a estes e a outros blocos. Se utilizarmos este poder negocial e , em simultâneo, tomarmos medidas de estímulo à economia das explorações agrícolas e florestais, poderemos criar um sector agroalimentar europeu mais robusto e que defende simultaneamente os produtores e os consumidores. Mas isso só se consegue se estivermos a gerir para os nossos interesses e não para um conjunto de prioridades globais que depois não parecem ser prioridade para os outros blocos económicos.
Do ponto de vista social (eu sei que disse que me ia centrar na componente agrícola, mas, neste caso há cruzamentos relevantes) a UE também tem de usar a sua posição de força para gerir melhor ao fluxos migratórios. Em vários sectores, e em grande medida na agricultura a mão-de-obra estrangeira é muito importante para a manutenção das operações. Mais uma vez, a europa parece ser o mercado onde toda a oferta quer chegar, por isso tem de ser capaz de impor as suas condições.
Em suma, parece-me fundamental que estes próximos cinco anos sejam centrados na criação de uma UE forte e com politicas responsáveis para com os seus cidadãos e as suas empresas. Do ponto de vista agrícola isso vai significar escolher incentivos bem direccionados para a melhoria do solo e da distribuição da água, e o desenvolvimento de uma economia mais rentável e eficiente, enquanto se garante condições de concorrência leal com os outros blocos económicos. Do ponto de vista do consumidor europeu, isso representará uma Comissão que promove a sustentabilidade ambiental não descurando as regras de segurança alimentar que preconiza para o seu espaço, garantindo que se importa com os mesmos requisitos de produção que se exige internamente, mas também que esses requisitos sejam razoáveis: exigir regras semelhantes quanto à utilização de agroquímicos que podem ter efeitos residuais na alimentação parece razoável; achar que se vai usar a regulamentação para acabar com a desflorestação parece menos e realista e algo que poderá ter impactos muito fortes nos custos de produção e distribuição.
Miguel Vieira Lopes
Área Internacional
O artigo foi publicado originalmente em AGRO.GES.