Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes defende carreira e estatuto próprio para quem trabalha nas corporações, denuncia desinvestimento público e falta de ajuda no preço dos combustíveis. Defende o comandante dos fogos em Pedrógão Grande, Augusto Arnault, e diz ser “injusto” o Ministério Público insistir no pedido de condenação.
António Nunes, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, conhece por dentro e por fora as estruturas da Proteção Civil em Portugal. Já foi quase tudo, até presidente do antigo Serviço Nacional de Bombeiros, foi o homem escolhido para liderar a fusão dos serviços de Bombeiros e Proteção Civil numa única entidade. Liderou a primeira versão da ASAE, a Direção-Geral de Viação, entre outras coisas pelo meio. Aos 67 anos é também presidente do Observatório de Segurança e Criminalidade Organizada e Terrorismo.
A sua voz é crítica quanto à falta de um comando próprio dos bombeiros. O mudou desde o momento em que liderou a fusão dos Bombeiros com a Proteção Civil?
Mudou tudo, porque os Bombeiros são os únicos agentes de proteção civil em Portugal que não têm uma estrutura de comando própria. Isso representa que, a partir do momento em que o comandante de um corpo de Bombeiros deixou de ter uma capacidade para ascender a uma estrutura como acontecia na altura do Serviço Nacional de Bombeiros, em que tínhamos uma estrutura de comando operacional acima do corpo de Bombeiros. Designadamente, tínhamos zonas e setores operacionais e uma inspeção superior ou comandante nacional, mas neste momento, o que se passa é que ao nível do comandamento de bombeiros, o comandante do corpo de Bombeiros passa para a Proteção Civil. E ao passar para a Proteção Civil, estamos a confundir coordenação de operações de socorro com comando de operações de socorro. Os outros agentes de proteção civil – a GNR, a PSP, as Forças Armadas – têm o seu comando próprio, mas os Bombeiros não têm. Portanto, são sistematicamente obrigados, por decisão da Proteção Civil, a passar o comando para uma estrutura que, face a lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, pode não ter um bombeiro.
Não se apercebeu que isso poderia acontecer com a fusão?
Não, não estava na nossa configuração e isso tem vindo a agravar-se. Provavelmente, o resultado e o expoente máximo de que isso é inadequado, é a situação de termos um comandante de Bombeiros a ser julgado. Portanto, não temos uma estrutura, mas temos uma pessoa, e isso não pode ser assim, seremos bastante críticos sobre a matéria.
Falou, durante a campanha e nos primeiros tempos de mandato, dos Conselhos Operacionais Distritais e de um Conselho Nacional Operacional, que são uma espécie de paralelo disso que está a falar. É para mostrar como deve ser esse comando próprio dos Bombeiros?
Não. O Conselho Nacional Operacional representa a nossa ligação com os comandantes de Bombeiros. A Liga dos Bombeiros Portugueses é sui generis do seu ponto de vista organizacional porque, por um lado, representa as associações humanitárias, bombeiros voluntários, e entidades detentoras dos corpos de Bombeiros, todos são sócios da Liga. Por outro lado, também representa os bombeiros, ou seja, tem aqui uma dupla qualidade: de um lado, defender aquilo que é a organização e a gestão dos Bombeiros e, por outro lado, garantir que as entidades detentoras dos corpos de Bombeiros são capazes de ter os meios suficientes para que os corpos ativos possam funcionar e defender as suas populações. Nesse sentido, o que fizemos foi um Conselho Nacional Operacional que tem uma mesa coordenadora com três elementos – comandantes -, e em cada distrito existe um elemento de ligação. Funcionou muito bem na Operação Ucrânia, por exemplo. A operação “Um Capacete para a Ucrânia”, foi desenvolvida por este Conselho Nacional Operacional, e aquilo que defendemos para os Bombeiros é uma estrutura muito simples que é ter um comandante nacional com dois adjuntos, comandantes setoriais ao nível regional, comandantes ao nível das NUTS se forem implementadas, e comandantes a nível das zonas operacionais. Portanto, são quatro ou cinco estruturas, são um único comandante por estrutura – ao contrário do que acontece agora na Proteção Civil -, é uma estrutura que não representa um encargo maior para a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, e não queremos sair da mesma. O que queremos é que a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, enquanto órgão tutelado do Estado, tenha na sua estrutura uma capacidade de autonomização daquilo que é o comando operacional dos Bombeiros. Se isso não vier a acontecer, naturalmente todas estas operações ficam sempre mais complexas, e cria-se uma iniquidade nesta situação. Por exemplo, fui a Fátima e o INEM tinha o seu posto de comando, a Cruz Vermelha tinha o seu posto de comando, a GNR tinha o seu posto de comando, e quem é que não tinha? Os Bombeiros. Isto não pode existir.
Pode existir se o comandante da Proteção Civil for um comandante dos Bombeiros?
Sim, mas é preciso entender que um gestor de proteção civil, de emergência, tem muita coisa para fazer, não tem só o comandamento dos bombeiros. Os Bombeiros têm missões próprias: missões de salvamento, de combate a incêndios, de socorro, de emergência pré-hospitalar. Mas na proteção civil há muitas outras coisas para fazer, desde a questão da segurança social e apoios sociais, a questão dos abastecimentos de água, até a questão da mortuária. Portanto, achamos que até contraproducente para a própria Proteção Civil, que a determinado momento alguém se tenha de preocupar especificamente com o combate aos incêndios, quando há outras matérias para resolver. Por exemplo, em Pedrógão a operação de proteção civil deve ser mais abrangente, há desalojados, é necessária a reposição das condições básicas de vida, a eletricidade, as comunicações, a questão da circulação e mobilidade das populações, tudo isso é proteção civil. Os Bombeiros têm de ter a própria estrutura de comando como os outros.
O profissionalismo gradual é uma inevitabilidade ou a marca do voluntariado tenderá a ficar sempre colada aos Bombeiros?
Portugal tem uma tradição muito grande de voluntariado, está instituído há mais de 150 anos, de forma organizada, e acreditamos que ele veio para ficar e vai continuar. Até porque não acreditamos que nos próximos anos haja capacidade orçamental por parte do Estado para substituir os corpos de Bombeiros voluntários por profissionais. O número é muito simples de calcular: se tivéssemos em todos os municípios um corpo profissional, o Estado gastaria cerca de 2,4 mil milhões de euros. É impensável, não há capacidade financeira para o fazer. Mas o que acompanhamos e entendemos que a exigência que hoje temos enquanto cidadãos, da qualidade e prontidão do serviço, mostra-nos que há determinadas horas do dia em que é impensável estar a aguardar que cheguem voluntários a um determinado local para socorrer alguém. E essas equipas têm de ser feitas com profissionais, portanto, o que defendemos é que em cada corpo de Bombeiros voluntários exista um conjunto que possa executar o serviço ao momento, que é a qualidade e prontidão que todos esperamos enquanto cidadãos europeus.
“Se tivéssemos em todos os municípios um corpo profissional, o Estado gastaria 2,4 mil milhões de euros. É impensável, não há capacidade financeira. Já uma estrutura mínima nunca passaria 300 ou 400 milhões de euros.”
Já foram feitas essas contas? Em vez dos 2,4 mil milhões, quanto custaria ter estruturas mínimas?
Essa estrutura mínima nunca passaria os 300 ou 400 milhões de euros.
Já defendeu também uma solução para criar um estatuto para os trabalhadores das corporações de Bombeiros. Numa situação destas, a Liga representa os interesses das corporações, dos próprios bombeiros, sendo que podem ser até interesses divergentes?
Não são interesses divergentes, essa é a grande vantagem que os corpos de Bombeiros têm. Temos de entender que um corpo de Bombeiros não existe autofagicamente, existe para servir o cidadão. E quer os dirigentes associativos que têm a parte administrativa e a capacidade para poder garantir os recursos financeiros e humanos necessários ao funcionamento do corpo de Bombeiros, quer o próprio corpo, estão ao serviço dos cidadãos. Este é um princípio basilar na apreciação destas circunstâncias. Entretanto, defendemos que haja um estatuto porque também entendemos que essas tais equipas que são permanentes tenham a sua carreira, tenham um estatuto próprio. Não é possível querer recrutar jovens para um corpo de Bombeiros – sejam voluntários ou profissionais – e dizerem-lhes que estarão ao serviço das populações 20 anos com as mesmas categorias e com a mesma remuneração. Mas é assim que hoje funciona e nós não estamos de acordo com isso. É preciso encontrar uma solução para que durante o período em que não é possível trabalhar só com voluntários, que os profissionais tenham uma carreira própria que lhes permita garantir que serão capazes de adquirir os conhecimentos e formação. Mas ao final de quatro ou cinco anos vão-se embora porque não há esperança de evolução.
“Não é possível querer recrutar jovens e dizerem-lhes que estarão ao serviço das populações 20 anos com as mesmas categorias e remuneração. É assim que hoje funciona e não […]