Um dia destes mandaram-me uma entrevista sobre fogos cujo título era “A dura realidade: se não for gerida e rentável, a floresta portuguesa vai continuar a arder“.
A ideia central é a que hoje critico num artigo para o Observador.
Afinal, o que critico eu numa coisa que parece tão evidentemente certa?
A associação entre a necessidade de gerir e a rentabilidade, na forma como é sistematicamente colocada nos documentos estratégicos sobre o sector, há anos.
Há a convicção, no sector florestal, que desde que se mude o suficiente a realidade (se faça a maior reforma florestal desde D. Dinis, como a caracterizou Capoulas Santos num assomo de modéstia notável), a exploração florestal passa a ser um sector de onde jorra o leite e o mel.
É preciso que o Estado altere o contexto da propriedade (coisa pouca, como sabemos), que altere o enquadramento fiscal (como se fosse a fiscalidade do sector um problema sério), que intervenha nos mercados da madeira (tem dados excelentes resultados), que elimine o risco de fogo (novidade mundial perante o qual o mundo se inclinará), que se altere a composição do coberto florestal para as espécies adequadas (uma coisa sempre útil e com bons resultados), que se capitalizem os agentes do sector (em numerário, mas sobretudo em terra), que se facilite o acesso à terra (diminuindo o custo de contexto das transações e resolvendo as questões de heranças), que o Estado invista no emparcelamento (o sector será muito rentável, mas não o suficiente para gerar meios para que o mercado faça emparcelamento), que o Estado financie as organizações de produtores (o interesse é dos produtores, mas os contribuintes é que pagam as quotas), etc., mais umas coisas simples como as anteriores, em que o Estado vai transformar o contexto em que o sector actua, com dinheiro dos contribuintes, e os produtores retribuem com criação de riqueza, emprego e gestão de combustíveis finos, um dia num qualquer amanhã que cantará.
Deixem-me usar a descrição de uma testemunha qualificada (não só estava lá, como é uma pessoa com larga experiência de gestão florestal, incluindo gestão do fogo) do recente incêndio de Penamacor, para arrefecer todo este entusiasmo na ideia do que o Estado deve fazer é mudar o contexto do sector, para que um dia o sector cumpra as promessas que há 200 anos nos fazem sobre a vocação florestal do país.
No incêndio de Penamacor/ Idanha, grande parte da área que ardeu (3000 ha) era gerida. Muita pecuária, mas também montado (gerido!), olival (entre tradicional e intensivo), horticultura, eucaliptal (gerido!). Era basicamente a paisagem desejada de que se fala: em mosaico, com muita presença humana, grande diversidade de culturas e modelos de gestão. Originou um incêndio que teve uma velocidade média no primeiro dia de 3,5 km/ hora. Passou por três aldeias, onde entrou: Aldeia de João Bispo; Bemposta e Medelim e só não entrou em Proença-a-Velha porque foi travado nos eucaliptais (geridos, acrescento eu).
Ou seja, mesmo que por milagre um governo, qualquer governo, conseguisse alterar de tal forma o contexto que a sociedade respondesse com a paisagem pretendida (e não vou entrar na discussão sobre qual a paisagem pretendida), isso não nos levaria ao paraíso, apenas nos levaria a uma realidade em que um incêndio em condições meteorológicas particularmente favoráveis ao desenvolvimento do fogo poderia ser gerido ao ponto de os seus efeitos negativos serem socialmente aceitáveis.
O meu problema com a ideia de que é preciso tornar rentável o sector, para depois se obter a gestão pretendida é que já vamos com décadas dessa ideia, o dinheiro dos contribuintes vai sendo gasto (quer nas tentativas para chegar ao paraíso, quer no combate a fogos progressivamente mais difíceis, quer ainda na assunção do papel de segurador que o Estado tem vindo progressivamente a adoptar, pagando prejuízos a torto e a direito, sem que ninguém discuta se esse é o papel do Estado e o destino adequado para o dinheiro dos contribuintes), mas os resultados tardam em chegar.
É por isso que a formulação deveria ser diferente, pondo a tónica na gestão, e deixando aos mercados a definição da rentabilidade.
Do que precisamos é de mais gestão de combustíveis finos, e deveríamos parar aqui na equação do problema.
Para isso o Estado tem um caminho simples, directo e com resultados quase imediatos, pagar, total ou parcialmente, a gestão que pretende obter.
O dinheiro dos contribuintes, de uma ou outra forma, será sempre gasto, a discussão que interessa é a de saber qual é a maneira mais eficiente de o gastar, para obter o resultado colectivo que se pretende, isto é, uma gestão socialmente aceitável do fogo.
Para mim é cada vez mais evidente que devemos usar o pagamento da gestão de combustíveis finos para melhorar a rentabilidade das actividades que fazem essa gestão, isto é, em vez de perseguirmos a quimera de que o Estado é capaz de criar competividade de forma mais eficiente que os mercados, o que temos de fazer é alinhar incentivos para que os mercados consigam responder melhor ao objectivo de gerir combustíveis finos.
Para isso, não vejo solução mais eficiente que a de pagar directamente a gestão de combustíveis finos, melhorando as contas de exploração das actividades que gerem combustíveis finos, esperando que com a melhoria do seu desempenho económico as empresas existentes expandam a sua actividade, e novos agentes se sintam tentados a investir no sector.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.