Esta semana tivemos oportunidade de estar em Madrid em reuniões com os nossos colegas de Espanha, da CESFAC, na sua Assembleia-Geral, que discutiu temas de particular relevância para o setor agroalimentar – um dos principais eixos do desenvolvimento económico e social – e desde logo para a indústria da alimentação animal.
O país vizinho, tal como nós, enfrenta uma crise profunda, consequência da guerra da Ucrânia a seguir a uma pandemia de dois anos de enormes disrupções (algumas das quais só agora estamos a sentir no funcionamento da nossa sociedade), mas em que o Setor, lá como cá, mostrou uma notável resiliência, nunca parou e foi então reconhecido pelo Governo de Pedro Sanchez como prioritário.
Falámos dos problemas das matérias-primas, dos combustíveis, a energia, a situação difícil da pecuária, os ataques constantes à produção animal, distorções da realidade, uma agenda ambientalista e animalista que entrava o desenvolvimento sustentável da agricultura e de um País que quer e precisa de continuar a exportar, que olha para o comércio externo e para a qualidade dos seus produtos como bandeira para crescer, melhorar as condições de vida da sua população e sair do marasmo em que se encontra.
Para além dos custos de produção, em alta, para preços dos produtos de origem animal que ainda se encontram longe de viabilizar as explorações pecuárias e, consequentemente, fornecerem a liquidez necessária à indústria de alimentação animal e a toda a Fileira, os mesmos dramas: inflação em alta, baixos salários, ameaças de greves, falta de mão de obra generalizada, numa altura em que o turismo se acentua, existindo uma relativa euforia no regresso à normalidade possível no pós-Covid.
E a seca, a terrível seca que, todos pressentem, vai ser ainda mais dramática para as culturas atuais e para as que se perspetivam, com uma opinião pública, cada vez mais urbana, a condicionar as escolhas…e temos ainda o consumo de água pela população, para a produção de energia, o turismo…e a ideia de que poderão ser as culturas anuais as grandes sacrificadas. Para já, a produção de cereais foi afetada, teremos menor produção que o esperado e vai ter seguramente impacto na disponibilidade de milho.
Um mundo rural, mais ameaçado e com um futuro adiado, para já seriamente comprometido.
Tal como em Portugal, os agricultores queixam-se do Governo e da falta de ambição nas ajudas ao setor, promessas que não são cumpridas, os milhões que nunca mais chegam, atrasos de Bruxelas, afinal onde estão os setores tão importantes, os tais estratégicos, resilientes e que numa conjuntura nunca antes vivida, parecem abandonados à sua sorte, entregues a si mesmos, ainda que existam as Autonomias que, não raras vezes, tornam os problemas ainda mais complexos.
Afinal, a mesma Ibéria, filhos de um mesmo Deus.
Tal como nós, o que assusta os nossos colegas espanhóis, com uma guerra sem fim à vista é o que nos poderá acontecer depois do verão, em setembro, com o regresso às aulas, os custos com a educação, outras atividades, os juros da dívida, a energia, o poder de compra e as repercussões no consumo interno, quando os turistas regressarem aos seus países e ficarmos todos mais expostos ao mercado interno, com as pressões de Bruxelas para acelerar a transição verde, a estratégia “Do Prado ao Prato”, a Biodiversidade, o PEPAC cada vez mais verde e ambientalista, as cadeias livres de desflorestação, quando precisamos de produzir mais e melhor e se diaboliza a soja ou os produtos geneticamente modificados e temos cada vez mais demagogia e menos pedagogia, quando é por demais evidente que a biotecnologia, as novas técnicas de melhoramento genético (NGT), todas as modernas tecnologias têm de ser equacionadas e incluídas na estratégia para o desenvolvimento sustentável, sobretudo quando nos são retirados instrumentos de combate à proteção de animais e plantas.
Se o mundo mudou, porque não assumir, com humildade, que temos de revisitar aquelas Estratégias?
Não está em causa o ambiente ou o combate às alterações climáticas, mas o bom-senso e velocidade de adaptação.
Como conter toda a desinformação, decisões ideológicas e não de base científica quando nos confrontamos com cada vez menos pessoas nas zonas rurais e um menor peso político nos órgãos de decisão? Quando um deputado urbano necessita de menos votos que o mesmo representante do interior? Será que compreendemos a verdadeira importância da Agricultura e da Alimentação?
Estivemos igualmente com um grupo de empresários da América do Sul que nos questionaram sobre o que quer ser a Europa, qual o papel de Portugal e de Espanha, em África ou no continente sul-americano e, ainda mais relevante, que posição pretende assumir a União Europeia no cenário internacional, num mercado global que vai crescer na procura de alimentos e sobretudo de produtos de origem animal?
Infelizmente, estamos preocupados, mas não temos respostas.
Reiteramos as nossas posições que são conhecidas, mas temos de lidar com as contradições de um caminho manifestamente errado traçado pelos decisores políticos, nacionais e europeus, por quem não conhece a realidade da agricultura e da pecuária.
A União Europeia não é uma Ilha. Soberania não é abandonar os mercados externos, longe disso, a Europa precisa de reforçar o multilateralismo, Portugal e Espanha também.
No entanto, a grande tempestade ainda pode surgir no horizonte e prende-se com uma eventual greve em Espanha, já anunciada para outubro, ensombrando o Setor, que não quer voltar a passar pelo pesadelo de março, quando muitas empresas ficaram sem matérias-primas, animais sem alimentos, explorações sem recolha de leite…e todos se questionaram como foi possível?
Como é possível um setor estratégico, toda uma cadeia de abastecimento ficar refém de alguns transportadores (foram de facto uma minoria), pondo em causa o Estado de Direito, a liberdade de funcionamento das empresas e do conjunto da economia, provocando falências, desacatos e instabilidade? Não prestigia a política, os políticos e a democracia. E é possível que a situação se repita em outubro, com repercussões em Portugal.
Existe um sentimento muito negativo para o segundo semestre, sobretudo no último trimestre, com um inverno condicionado pela crise energética (a dependência europeia do gás russo), admitindo-se um cenário de recessão, de acrescidas dificuldades em 2023.
Para um país como o nosso que depende do mercado espanhol, principal parceiro, não são boas notícias. As perspetivas não podem ser animadoras.
Em Espanha, tal como em Portugal, reina o pessimismo, não nos peçam mais resiliência, apenas é preciso que reconheçam o setor e a cadeia alimentar com a devida importância social e económica, que nos valorizem, criando as condições necessárias para que continuemos a funcionar, e exigindo em Bruxelas as ajudas necessárias para enfrentar a crise.
Sem medo das palavras e estando à altura das responsabilidades. Se possível, unindo esforços, Portugal e Espanha. Podem contar com a IACA e a CESFAC.
No âmbito destas reuniões, a CESFAC, organização congénere da IACA, a Fundação CESFAC e o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação de Espanha, atribuíram uma série de Medalhas de Mérito, destinadas a premiar diversas personalidades em áreas relevantes da alimentação animal. No meu caso, fui distinguido com a Medalha de Personalidade do Ano pelos serviços prestados na defesa de interesses e causas comuns junto da União Europeia e nos fóruns internacionais.
Gostava de agradecer publica e humildemente à CESFAC, e muito em particular aos seus Presidente Fernando Antunez, Diretor Pedro Cordero e Diretor-Geral Jorge de Saja, o prémio que me concederam, que muito me honra, tanto mais que, para além de outras referências que sempre são exacerbadas nestes momentos, foi destacado aquele que é e sempre será o ADN da IACA: a cooperação e construção de pontes, a defesa dos valores em que acreditamos. Neste caso, das relações entre os dois países, as posições assumidas em Bruxelas e nos fóruns internacionais, tendo como objetivo a competitividade da Fileira da Alimentação Animal e o seu desenvolvimento sustentável.
Representar tão importante setor não é, não pode ser um ato isolado ou voluntarista. Tem muito de missão de serviço público, só possível pela qualidade e exigência dos Associados que representamos, pelas sucessivas Direções com quem temos trabalhado, lideradas pelos Presidentes Jaime Lança de Morais, Alberto Campos, Pedro Corrêa de Barros, Cristina de Sousa e José Romão Braz, sem esquecer o meu antecessor, que muito me ensinou, sobretudo a dignificar o cargo que hoje ocupo com muito orgulho, Comendador Luis Marques, a uma Equipa que comigo trabalha diariamente na IACA, e a uma Família que me tem permitido dedicar a esta Instituição, um trabalho de paixão e entrega. Um agradecimento igualmente à FEFAC e ao seu incansável Secretário-Geral Alexander Döring.
Todos confiaram em mim, permitiram-me crescer como pessoa e profissional, estiveram sempre quando era (e é) preciso, também é deles este prémio que apenas me foi confiado e que tentarei dignificar e estar sempre à altura do que ele representa: a cooperação e cumplicidade entre organizações, entre povos irmãos, na procura de um bem comum.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
O artigo foi publicado originalmente em IACA.