Com uma reunião informal a 13 de junho, dedicada ao potencial da agricultura e o seu contributo para a transição verde, em que a inovação e a tecnologia serão essenciais para a promoção da bioenergia, e um Conselho Agrícola, a 26 e 27 de junho, que vai analisar, entre outros dossiers, a utilização sustentável dos pesticidas e temas relativos ao comércio, termina assim a presidência da União Europeia deste semestre, liderada pela Suécia.
Bioeconomia e desenvolvimento sustentável foram os grandes temas da Agenda, para além da segurança alimentar, dos impactos da guerra na Ucrânia nos mercados e no orçamento da União Europeia, ou a segurança europeia, com as migrações e os dramas dos conflitos internacionais que acabam por afetar a Europa, onde, apesar de tudo, tem uma importância económica a nível mundial relevante, e partilha valores que, felizmente, ainda representam um enorme polo de atração e onde todos querem viver.
Se a potência de um grande parceiro económico à escala global que constitui inevitavelmente a União Europeia lhe confere um papel de liderança política na geoestratégia internacional, num mundo que é cada vez mais bipolar e menos multilateral, essa é uma outra questão, para a qual também é importante refletir.
Sobretudo numa altura em que não só se discutem as perspetivas do Quadro Financeiro Plurianual, como se alinham posições para uma PAC pós-2027, quando esta ainda se não iniciou.
De qualquer forma, a Suécia deixa para a Espanha, o “senhor” que se segue na liderança da União Europeia a partir de 1 de julho, alguns dossiers relevantes para o agroalimentar e para a indústria da alimentação animal, que importa relembrar.
Desde logo, a legislação sobre as cadeias livres de desflorestação que, em bom rigor, ninguém sabe como irá ser implementada, a due diligence, a rastreabilidade, os controlos, as zonas de risco, sendo urgente a criação de Guias, bem como mais interligação com os países terceiros exportadores, nossos fornecedores, como os EUA, Brasil ou Argentina, no caso da soja, sob pena de criarmos disrupções na cadeia de abastecimento.
Temos, no entanto, outros processos em curso, para além da PAC, do Green Deal , da Estratégia “Do Prado ao Prato” e da Biodiversidade, que não deverão sofrer quaisquer alterações. Talvez a velocidade de implementação de alguns pacotes legislativos, devido às divergências no Parlamento Europeu, entre as Comissões AGRI e ENVI, ou às eleições europeias, numa Comissão em final de Mandato, tendo sinais claros de algum “degaste” do Vice-Presidente Timmermans face a outros Comissários, não porque o Agrícola tivesse ganho mais legitimidade, mas pela crescente contestação de alguns Estados-membros, que começam a estar cansados de que as questões agrícolas e da alimentação sejam crescentemente “tuteladas” pelas áreas do ambiente ou da saúde.
Relembre-se que temos dossiers centrais para o nosso futuro como o bem-estar animal, a resistência antimicrobiana, a biotecnologia ou os Sistemas Alimentares Sustentáveis, da responsabilidade da DG SANTE, sendo (quase) certo que um eventual alargamento (recentramento?) a Leste, pode conduzir a menos recursos na Política Agrícola ou na Coesão, para os países do Sul.
Pese embora se desconheça, por enquanto, a Agenda da Presidência espanhola, temos sinais de que o trio, constituído pela Espanha, Bélgica e Hungria, aposta (estará alinhado?) nas trocas comercias e na segurança alimentar (disponibilidade de alimentos) como dossiers prioritários, não deixando de dar seguimento aos já referidos.
Não serão ignoradas certamente as consequências do conflito entre a Rússia e a Ucrânia, a entrar numa nova escalada, com eventuais bloqueios no acordo do Mar Negro pela Rússia ou nas Vias de Solidariedade, pelos países vizinhos que mais têm contestado o acordo com a Ucrânia, em que a Hungria (assumidamente contra a biotecnologia) e “desalinhado” com muitos dos valores da União, assume a presidência no segundo semestre de 2024, no rescaldo das eleições europeias.
Centremo-nos na Espanha. Sendo um Estado-membro relevante no setor pecuário, os agricultores, lá como cá, também se sentem desamparados, isolados na resolução dos seus problemas e, sobretudo, cansados de esperar por respostas que vão sendo sucessivamente adiadas, à espera de eleições em julho, de desfecho imprevisível, com uma eventual viragem à direita, com o Vox a pretender a pasta da Agricultura. Lá como cá, talvez por não sentirem que os partidos mais moderados consigam defender, ou sequer entender, os reais problemas do Mundo Rural, como muitas vezes aqui temos escrito.
No entanto, não nos parece que um qualquer novo Governo em Espanha consiga alterar a Agenda já traçada, apenas travar ou adiar a implementação de propostas legislativas que estão previstas, como, por exemplo, a comunicação da Comissão sobre as Novas Técnicas Genómicas, em que esperamos que fique claro que estas novas técnicas são relevantes para a sustentabilidade da Agricultura, ou sobre o bem-estar animal, que tenha em conta uma análise científica, do comportamento dos animais e equilibrada do ponto de vista da segurança alimentar, bem como as trocas comerciais, devendo a Comissão Europeia ter a coragem de recusar os pareceres que foram publicados pela EFSA e que têm sido questionados por personalidades bastante qualificadas e prestigiadas ligadas ao setor pecuário.
Outro tema em discussão vai ser o (eterno) Plano Europeu da Proteína, lançado pelo Comissário Phil Hogan em 2017, no Congresso de FEFAC, em Córdoba e que temos vindo a discutir em Bruxelas. A Europa precisa de reduzir a sua dependência proteica, sobretudo de matérias-primas de elevado teor de proteína, mas há que ter em conta todas as fontes proteicas, de origem vegetal ou animal, as atuais ou mais inovadoras, não apenas as culturas tradicionais, sendo que, mesmo essas, têm de ser fortemente apoiadas.
Há que ter atenção aos custos da alimentação animal e à competitividade da pecuária europeia e se os custos da transição vão ser pagos pelos agricultores, repartidos ao longo da cadeia alimentar ou suportados pelos consumidores e pelas políticas públicas. Se nos lembrarmos da inflação elevada nos preços da alimentação e do comportamento dos consumidores perante esses agravamentos, numa conjuntura de baixos rendimentos, sendo certo que as perspetivas económicas serão mais favoráveis em 2023 e, espera-se, em 2024, não restarão grandes dúvidas de quem pagará essa “fatura”.
Os ventos da Suécia estendem-se assim a Espanha, à Bélgica – que também lida com os problemas do ambiente e restrições à atividade pecuária, talvez mais “seguidista” face a Bruxelas, mas com divergências regionais importantes – e à Hungria, em que são conhecidos os posicionamentos face a questões centrais da União Europeia, e as ameaças da suspensão dos fundos podem conduzir a maiores tensões no relacionamento com as instituições europeias.
Dando como certo que a prioridade do trio serão os acordos comerciais da União Europeia, com Espanha (e Portugal?) a pretender fechar o acordo com o Mercosul, conhecidas as ameaças para os setores dos bovinos e dos frangos para o nosso País, era importante, senão mesmo essencial, que se retomassem as discussões sobre os chamados “mirror clauses”, tão apregoadas pela presidência francesa e de que nunca mais ouvimos falar. Portugal só deve estar disponível para assinar um acordo que estabeleça as mesmas regras de segurança alimentar, ambiente, práticas agrícolas e regras de bem-estar animal iguais ou equivalentes às que vigoram na União Europeia.
Sobretudo quanto tanto falamos (e bem) de Sustentabilidade!
Não será admissível trocar o setor agrícola ou agroalimentar por quaisquer outros e temos de ter a coragem de o denunciar desde já.
Mas da Suécia, chegaram outros ventos e estes bem mais positivos para o nosso Setor: a eleição de Pedro Cordero, da CESFAC, como Presidente da FEFAC, o que significa que teremos, pela segunda vez, a seguir ao “nosso” Pedro Corrêa de Barros, uma personalidade ibérica na liderança da Federação Europeia, e o lançamento de uma brochura sobre soluções nutricionais especificas para a alimentação animal, baseadas na circularidade.
Reforçando os Compromissos lançados em 2016, na sua Visão 2030, e em 2020, com a Carta de Sustentabilidade 2030, subscritas pela IACA, a Indústria de Alimentação Animal consolida a sua estratégia de proatividade, mostrando que quer ser e pode ser parte da solução, em prol do desenvolvimento sustentável da pecuária e da aquicultura.
Esta talvez seja a melhor mensagem para o trio presidencial que vamos ter até final de 2024 e que não deixará de ser bastante desafiante.
Pessoalmente, é-me difícil, impossível, imaginar um mundo sem atividade pecuária, sem animais, seria o fim da Agricultura.
Isso sim, seria ainda mais penoso para a saúde do Planeta.
Jaime Piçarra
Secretário-Geral da IACA
As infraestruturas portuárias não podem ser forças de bloqueio – Jaime Piçarra