37 profissionais, 20 horas de formação e um sinal claro de que a revolução algorítmica chegou ao terreno.
A inteligência artificial já chegou ao campo português. E não foi através de uma conferência internacional ou de um relatório europeu, mas sim dentro de uma sala de aula — híbrida, com alunos presenciais e remotos — no Instituto Superior de Agronomia (ISA), durante o mês de outubro de 2025. Foi o curso Automação e IA na Agricultura e Florestas, que reuniu 37 participantes de várias regiões do país, muitos deles responsáveis por explorações agrícolas e unidades florestais de grande dimensão. O que aconteceu ao longo dessas 20 horas foi mais do que formação técnica: foi um sinal claro de que o setor primário português está preparado para dar o passo seguinte.
O curso foi desenhado com um princípio simples: tecnologia sim, mas sem afastar quem mais precisa dela. Por isso, organizámo-lo em formato híbrido, permitindo que os profissionais, vindos do Alentejo, Trás-os-Montes, Oeste, Beira Interior ou Algarve, pudessem adaptar o calendário de aulas ao ritmo das suas explorações. Não se tratava de formar “especialistas em IA”, mas sim decisores capazes de integrar drones, sensores, computação visual, análise preditiva ou robótica em contextos reais de produção agrícola e gestão florestal.
Desde a primeira sessão tornou-se evidente que não estávamos perante curiosidade académica, mas perante necessidade prática. As perguntas eram diretas: “Quanto custa automatizar uma linha de rega?”, “É possível prever pragas com base em imagem aérea?”, “Que dados devo recolher antes de querer aplicar machine learning?” ou “Como é que se integra IA num trator já existente?”. Em vez de olharmos para a IA como algo distante, trabalhámos sobre casos concretos: sementeira autónoma, produção de frutos vermelhos, condução autónoma.
A presença dos participantes foi, por si só, reveladora: gestores, agrónomos, engenheiros florestais, técnicos de operação, empresários, dirigentes associativos, consultores e estudantes de mestrado. Todos chegaram com uma ideia pré-concebida de que IA era “futuro” — e saíram a percebê-la como “presente”.
A sessão de encerramento, com a presença do Secretário de Estado das Florestas, deu-nos a confirmação política daquilo que o curso já provara na prática: a transição digital na agricultura e nas florestas não se faz com discursos, faz-se com capacitação, experimentação e diálogo entre conhecimento científico e necessidades reais. A política pública chega depois — e deve acompanhar, não liderar.
O que mais surpreendeu muitos dos formandos não foi a complexidade tecnológica, mas sim a perceção de que a adoção de IA exige três coisas tão ou mais importantes do que algoritmos: literacia digital, organização de dados e modelos de decisão baseados em evidência. Se quisermos ter automação no terreno, precisamos antes de ter dados no terreno.
O curso acabou, mas a discussão não. Alguns participantes já estão a projetar projetos-pilotos para implementação no terreno de soluções em desenvolvimento; as ferramentas com base em IA passaram a ser a base de trabalho da maioria dos participantes; estudam-se várias possibilidades de adoção de módulos autónomos a tratores existentes.
A agricultura e as florestas portuguesas estão habituadas à resiliência. A inteligência artificial não vem substituir o conhecimento acumulado no terreno — vem amplificá-lo. Não se trata de trocar botas por bytes, mas de combinar ambos. E se este curso provou algo, foi que os profissionais do setor estão prontos para isso: não querem que a IA lhes diga o que fazer, querem que a IA os ajude a decidir melhor.
O desafio agora é simples: escalar. Mais formação, mais rede (urgente), mais demonstração prática. A transição tecnológica não acontece porque alguém a decreta, mas porque alguém a aprende.
Se o futuro da produção agrícola e florestal for inteligente, então será também mais sustentável, mais eficiente e, esperamos, mais atrativo para as novas gerações. A revolução agrícola e florestal do século XXI não será mecânica como a primeira, nem química como a segunda. Será algorítmica.
António Reis Pereira e Luís Goulão
Coordenadores do curso Automação e IA na Agricultura e Florestas (ISA)











































