Um consórcio de credores da Portucel Moçambique anunciou hoje que vai avançar com um processo-crime em Portugal contra o grupo The Navigator Company, detentor da sociedade florestal, por prejuízos de mais de 50 milhões de dólares naquele país.
Em entrevista à agência Lusa, o empresário Izak Holtzhausen, presidente da SMOPS, empresa que detinha cerca de 80% dos serviços de florestação da Portucel Moçambique na província da Zambézia, centro de Moçambique, disse que a ação legal visa o grupo The Navigator Company (antigo Grupo Portucel/Soporcel), e alguns dos seus responsáveis, uma vez que as “várias tentativas” de contacto junto da empresa portuguesa em Moçambique têm sido frustradas desde março de 2017.
O empresário, que lidera a ação do consórcio de credores, alega que em causa estão incumprimentos de contratos, pagamentos em atraso e indemnizações por equipamento e danos causados durante a prestação de serviços de silvicultura à Portucel Moçambique, nas províncias moçambicanas de Manica e da Zambézia.
Desde 2009 a empresa portuguesa desenvolve naquela região um megaprojeto florestal de 2,5 mil milhões de dólares (cerca de 2,2 mil milhões de euros) de plantio de eucalipto ao longo de cerca de 360 mil hectares.
“Esta situação já se arrasta há dois anos e vamos agora apresentar fisicamente o processo em Portugal (…) porque não tivemos sucesso algum com o representante local da Portucel [em Moçambique] e as suas firmas de advogados em Moçambique para resolver este problema”, disse Izak Holtzhausen.
O empresário sul-africano, residente há duas décadas em Moçambique, disse à Lusa que a ação legal conjunta contra o grupo empresarial português ultrapassa os 50 milhões de dólares (44,1 milhões de euros) e entre os credores estão três empresas florestais.
Nesse sentido, as três empresas credoras, SMOPS (Sociedade Moçambicana de Consultoria e Prestação de Serviços), FAAN – Aluguer de Equipamentos, e EMC (Earth Moving Contractors), enviaram cartas com os valores indemnizatórios, endereçadas às sociedades do Grupo The Navigator Company, e seus responsáveis, em 15 de janeiro de 2019, salientou Izak Holtzhausen.
O empresário adiantou que aquelas empresas iniciaram a prestação de serviços florestais à Portucel Moçambique, em janeiro de 2014, com contratos de três anos renováveis, e estão a exigir “os lucros cessantes, perdas de investimento em curso, desvalorização e perdas de equipamento, indemnização a trabalhadores, prejuízos e compensação por danos morais causados à boa reputação comercial” das operadoras no mercado, com mais de 20 anos de experiência florestal em África.
“Estas pessoas têm de ser legalmente responsabilizadas, não só perante nós, as empresas que perderam dinheiro, mas também pelas promessas falsas que foram feitas às comunidades [locais], o desenvolvimento agrícola das comunidades que a Portucel prometeu fazer e julgo que prometeram às pessoas cerca de 7.000 oportunidades de emprego que nunca se concretizaram”, afirmou Izak Holtzhausen.
A vertente local “está para ser incluída na ação legal porque as comunidades solicitaram-nos recentemente que o fizéssemos porque dizem que a Portucel não está a cumprir o que prometeu fazer e os empregos que prometeu criar em compensação pelos terrenos que de facto cederam à Portucel”, salientou.
Questionado pela Lusa sobre o número de pessoas afetadas pelo projeto florestal da Portucel Moçambique, Holtzhausen disse estimar até 40 mil pessoas nas duas províncias de Manica e da Zambézia, no centro de Moçambique.
“É difícil de contabilizar o número exato, mas olhando para a área [de plantação] nas duas províncias devemos estar a falar de cerca de 30.000 a 40.000 pessoas que devem ter sido afetadas, que entregaram as suas terras de cultivo para a Portucel plantar, e onde plantou, e que já não têm esses terrenos para cultivar milho e outros produtos agrícolas”, explicou Izak Holtzhausen.
Quanto aos postos de trabalho que “a Portucel lhes prometeu em compensação pelas suas terras e outros projetos agrícolas, também não existem. São muitas pessoas que se encontram de facto afetadas com este projeto”, acrescentou.
“Os nossos cálculos indicam que possivelmente cerca de seis mil hectares foram plantados até ao final de 2016, quando as operações do lado deles [Portucel Moçambique] pararam, mas por aquilo que as comunidades e as pessoas nas áreas nos informaram, talvez cerca de 50% da área plantada terá sido destruída por fogos até à data”, adiantou à Lusa o empresário sul-africano.
A Portucel Moçambique, constituída em abril de 2009, recebeu em 2009 e 2011 duas autorizações do Conselho de Ministros de Moçambique para a plantação de até 246 mil hectares de terra por 50 anos renováveis, num projeto com elevados benefícios sociais e económicos para as províncias de Manica (183 mil hectares) e Zambézia (173 mil hectares), refere a empresa na sua página de internet.
Em 08 de setembro de 2015, a Portucel inaugurou um viveiro de plantas clonais no Luá, província da Zambézia, com uma dimensão de 7,5 hectares e uma capacidade instalada anual de produção de mais de 12 milhões de plantas, segundo comunicado da empresa.
“O investimento da Portucel Moçambique, detida em 80% pelo grupo Portucel Soporcel e em 20% pelo IFC, do grupo Banco Mundial, no desenvolvimento deste viveiro atingiu cerca de 6,5 milhões de euros”, pode ler-se no comunicado divulgado na altura pelo grupo português.
O investimento global da Portucel Moçambique no país “será superior a 2,1 mil milhões de euros e irá criar 7.000 postos de emprego nas províncias de Manica e Zambézia”, acrescenta.
O acordo entre a Portucel e o IFC para a aquisição de 20% do capital da Portucel Moçambique foi assinado em 15 de dezembro de 2014, uma participação que poderá atingir até 30,4 milhões de dólares na primeira fase do projeto, disse a Portucel, S.A, na informação enviada à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
O Grupo Portucel/Soporcel mudou de nome para The Navigator Company, em fevereiro de 2016.