A produção de medronho na região Centro baixou em 2021 face a anos anteriores, mas o fruto e derivados tendem a conquistar espaço próprio no mercado e mobilizam cada vez mais a comunidade científica.
De norte a sul, o fruto rubro do medronheiro ganhou fama por rivalizar com o bagaço de uva na produção de aguardentes, principalmente nas zonas montanhosas pouco propícias ao cultivo da vinha.
“Há pouco medronho, é um ano de produção média a baixa”, afirmou à agência Lusa Carlos Fonseca, professor da Universidade de Aveiro e um defensor da cultura daquele arbusto silvestre em Portugal.
Nos últimos anos, “devido à comunicação que está a ser feita”, o medronho “atingiu um nível de procura muito grande”, o que também tem acontecido com os produtos a que dá origem, salienta.
Diretor do ForestWISE – Laboratório Colaborativo para Gestão Integrada da Floresta e do Fogo, o biólogo possui uma área de 20 hectares de medronhal, no concelho de Penacova, distrito de Coimbra.
Os incêndios de outubro de 2017 atingiram as suas plantações. Algumas tiveram de ser repostas, enquanto os arbustos espontâneos beneficiaram da regeneração natural e voltaram a frutificar.
Neste outono, estima que a empresa familiar Medronhalva colha apenas 500 quilos. “Em condições normais, este ano teríamos várias toneladas de medronho”, referiu.
Face às alterações climáticas, “não dúvida de que o medronheiro é uma das espécies com mais poder de adaptação”, realçou Carlos Fonseca.
Ao fabrico da tradicional aguardente e outras bebidas, o investigador acrescenta o fabrico de sabonetes, a medicina, a cosmética e a alimentação como setores com potencial de expansão em torno do medronho.
“Também o mel de medronheiro é altamente valorizado no mercado, chegando a ser vendido a 30 euros o quilo”, acrescentou.
É no campo da inovação que Rui Lopes intervém em Leiria, tendo lançado um pão de medronho no mercado, em 2020, ao abrigo de uma parceria com a Ritus do Pão, uma panificadora local.
Investigador do Instituto Politécnico de Leiria, o nutricionista tem dirigido o seu trabalho a uma “alimentação saudável e sustentável”, com destaque para o estudo do fruto do arbusto.
“Este meu gosto pelo medronho cresceu numa perspetiva mais científica”, sublinhou à agência Lusa.
Na sua opinião, a aguardente “é um produto de qualidade, mas muito há a fazer pela sua qualificação”.
Entende, todavia, que “a aguardente e os licores não são a melhor forma de otimizar” aquele recurso natural.
Com a marca registada “Pão Medronho”, Rui Lopes foi premiado a nível nacional por duas vezes, em 2019 e 2021.
“Estamos hoje em condições de trabalhar o medronho em diferentes matrizes alimentares”, defendeu, para revelar que está a atualmente envolvido em seis linhas de investigação.
Um dos seus fornecedores de fruto fresco é José Martins, que comercializa a medronheira da marca “Lenda da Beira”.
O empresário possui uma destilaria e cultiva 50 hectares de medronhal, 20 dos quais a produzir, no concelho da Pampilhosa da Serra.
“Este ano, estranhamente, há pouco medronho”, lamentou Rui Lopes, que também compra medronho silvestre a pequenos recoletores.
José Martins esperava uma safra de 15 toneladas de medronho, mas não conseguirá.
“Este ano, infelizmente, ficámos um bocadinho abaixo, talvez com sete toneladas”, estimou, numa altura em que a colheita ainda decorre.
Em 2022, o destilador da aldeia de Signo Samo vai lançar novos derivados do medronho, como aguardente velha e gin.
“O medronho é um dos poucos produtos criados, transformados e comercializados a partir da Pampilhosa”, regozijou-se, prevendo fabricar 2.500 litros de aguardente, metade das produções mais recentes.
João Pedro Borges dedica-se há 28 anos à fileira do medronho, no concelho de Seia, distrito da Guarda, onde labora a sua destilaria.
Começou com aguardentes de medronho e mel. Nos últimos anos, além de adquirir o fruto aos recoletores, investiu no cultivo, com uma plantação de 2,8 hectares de medronhal que circunda a nova destilaria.
Na lista de produtos, introduziu o gin de medronho, em cuja destilação entram também o zimbro e as flores de urze e carqueja da Serra da Estrela.
A sua empresa, Quinta do Espinho, produz sobretudo para o mercado nacional, embora exporte igualmente “algumas quantidades” para países europeus.
“O que me preocupa, no futuro, é a falta de pessoas para apanhar medronhos. Poderá haver escassez de matéria-prima”, disse João Pedro Borges.
O medronho ganha uma nova vida no século XXI e motiva boas expectativas, como que a dar razão ao fadista Carlos do Carmo, quando, em 1976, entoava “Lisboa menina e moça”: “E no bairro mais alto do sonho / Ponho o fado que soube inventar / Aguardente de vida e medronho / Que me faz cantar”.