[Fonte: Jornal de Notícias]
“Preço justo para a produção de leite” é um grito que repetimos há 10 anos. Não queremos subsídios, queremos um preço capaz de cobrir os custos de produção, pagar o trabalho e o investimento. Para isso surgiu na Europa o “Leite justo”.
A 23 de novembro, no Colóquio Nacional do Leite, organizado pela APROLEP e AJADP em Vila do Conde, o presidente da EMB, Associação Europeia de Produtores de Leite, Erwin Shopges, estará connosco a partilhar a sua experiência nesta matéria.
O preço justo para o leite não devia ser novidade, devia ser a normalidade! Mesmo em Espanha há várias cooperativas a pagar acima de 35 cêntimos / litro, o que não sendo ideal é muito melhor que o preço médio em Portugal, que em agosto foi de 29,79 cêntimos.
Estes preços baixos são uma vergonha inaceitável quando a maioria do leite é recolhido e transformado pela Lactogal, uma empresa que pertence às cooperativas, portanto pertence aos produtores. Em agosto, a Lactogal baixou 1 cêntimo por litro. Na sua recolha anual, 1 cêntimo representa um lucro de 9 milhões de euros. No preço, esse cêntimo chegaria de forma justa e imediata a todos os produtores. Nos resultados, se forem distribuídos, no ano seguinte, dará 3 milhões a cada associada que detém 33,3% do capital, mas… como a Agros entrega mais de 60% do leite e Proleite e Lacticoop cerca de 20% cada, um produtor Agros terá direito a 0,006 € / litro e os das outras associadas três vezes mais, cerca de 0,018 € / litro. Isto não é justo e esta assimetria financeira é uma das causas do preço baixo do leite em Portugal, porque há sempre interesse no máximo de resultados para receber dividendos.
Em 2017, a Lactogal não teve 9 milhões de lucro, teve 44, quase cinco vezes mais, e desses, pouco chegou aos produtores, mesmo aos produtores das associadas com mais capital que produção. A moda de pagar pouco e dar migalhas de dividendos no ano seguinte, sob a forma de nota de crédito para comprar fatores de produção, não é justa! Justo é pagar logo, no mês seguinte, a todos os produtores, o melhor preço possível. Enquanto não houver justiça não haverá paz na produção de leite, confiança nos dirigentes, esperança no futuro. Haverá revolta, pode até haver paz podre por desistência dos revoltados, amordaçados por dívidas ou afastados por manobras que mantêm alguns eternamente no poder mas que irão de vitória em vitória até à derrota final da produção, como o Titanic com a sua orquestra a tocar até afundar.
*PRODUTOR DE LEITE E VICE-PRESIDENTE DA APROLEP
Carlos Neves
27 Outubro 2018