Presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera reconhece que 2022 está a ser um ano complicado e avisa que, sem água e sem um controlo efetivo das emissões de CO2, a tendência será de agravamento.
O presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) garante que todas as entidades envolvidas na prevenção e combate aos incêndios foram avisadas com bastante antecedência das ondas de calor de julho e agosto.
Em entrevista à Renascença, Miguel Miranda diz que o problema não foi a falta de preparação, mas antes a conjugação da seca extrema com um calor inédito em todo o país.
Por isso, considera que não podem ser atribuídas responsabilidades ao sistema de combate, porque o problema está nos efeitos do clima num território desorganizado.
Reconhece que este foi um ano complicado – o pior depois de 2017 – e avisa que, sem água e sem um controlo efetivo das emissões de CO2, a tendência será de agravamento.
Tecnicamente, como é que caracteriza meteorologicamente o ano de 2022?
Eu diria que, após 2017, foi o ano mais difícil. Saímos de 2021 com uma boa parte do país em seca, e entramos em 2022 com pouquíssima precipitação. E tudo se encaminhava para uma situação semelhante à de 2005, um ano que também foi muito seco e que teve muitos incêndios já depois do verão.
O que é que marca 2022? A falta de água. Nós não temos água no solo, as plantas, e toda a agricultura e silvicultura estão em stress hídrico em praticamente todo o território. Nas barragens, para fins de produção de energia ou para fins de abastecimento público, íamos chegando a níveis mínimos.
Portanto, se me pergunta se foi um ano em que tivemos mais tensão sobre o que poderia acontecer no dia seguinte, sim, 2022 foi dos piores anos.
Ano após ano vai-se notando um agravamento. Pode falar-se num padrão de evolução?
Esse padrão já está definido há bastante tempo. A taxa de agravamento desse padrão é que nos está a surpreender a todos.
Os grandes incêndios de 2017 foram há cinco anos, e nessa altura, face à incompreensão manifestada por toda a Europa, foi tudo atribuído no essencial à desorganização da floresta portuguesa.
Em 2022 tivemos incêndios que se estenderam de Lisboa à Roménia, e toda a bacia do Mediterrâneo está numa situação similar. Mesmo nos países que têm uma agricultura muito desenvolvida, porque têm condições geológicas e climáticas diferentes das nossas, mesmo esses países começaram a ter incêndios de grandes dimensões.
Em Espanha houve um incêndio considerado inextinguível, tiveram que deixá-lo arder até ao fim, porque a temperatura era demasiadamente elevada.
Quando isto acontece, quer dizer qualquer coisa, tem que nos dizer qualquer coisa, e independentemente das faltas, das falhas, dos erros, mesmo de planeamento, independentemente da história, nós estamos num padrão de aquecimento e de perda de água em toda bacia do Mediterrâneo.
E este padrão vai-se agravar. Nós vamo-nos adaptando, mas, eu lamento dizê-lo, essa adaptação será sempre mais lenta que a progressão dos efeitos. Andaremos sempre a correr atrás do prejuízo. Atenção que isto veio para ficar, e já agora, 2022 ainda não acabou.
“Não sei se a maioria das pessoas percebeu [a dimensão da seca], porque continuaram a abrir e a fechar a torneira com a mesma desfaçatez”
E isto são as alterações climáticas?!
Sim, se bem que eu prefiro chamar-lhe mudança climática, que é a tradução portuguesa do “climate change”. Vamos passar de um clima para o outro. Mas, atenção, nós vamos passar de um clima para o outro se conseguirmos controlar as emissões de CO2, porque se não as conseguirmos controlar – que é o que está a acontecer agora – nós vamos passando sucessivamente de um clima para o outro, para outro, para o outro, para o outro.
Portanto, pararmos esta mudança num sítio qualquer exige estacionar pelo menos as emissões de CO2. Há muita declaração de intenção, muitos desejos, mas o teste do algodão não engana, os equipamentos não mentem, a concentração de CO2 na atmosfera continua a subir.
E uma das consequências é a seca, o que para Portugal é um dos maiores problemas.
Sem dúvida. Um dos fatores que está por trás dos incêndios, é a seca, e esse é um problema estrutural porque tem a ver com a forma como funciona a atmosfera. E portanto, a seca acaba por ser um risco coletivo estrutural maior do que os incêndios florestais. Nos incêndios podemos muscular o combate ou desenvolver ações de reorganização do território,[…]