A “invasão” do Alentejo por culturas intensivas “atraídas” pelo regadio do Alqueva está a gerar polémica, com populações e ambientalistas a terem receios de impactes negativos e agricultores a dizerem que são infundados.
Na área do Alqueva, com 120 mil hectares de regadio instalados, há 95 mil a serem regados, a maioria (60%) ocupados com olival, seguindo-se árvores de fruto, sobretudo amendoal, vinha, milho, forragens e cereais e hortícolas.
José Paulo Martins, da associação ambientalista ZERO e do movimento de cidadãos “Alentejo Vivo”, que denuncia impactes negativos da agricultura intensiva, diz à agência Lusa que há aldeias com plantações “demasiado perto” de casas.
“Há pessoas preocupadas” com a exposição a pesticidas usados nas culturas “tão próximo das zonas onde habitam”, porque “há sempre o receio de que possam afetar a sua saúde”, explica o ambientalista, denunciando que “não se estão a respeitar determinadas regras” quanto ao ambiente e à segurança das populações.
O presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo, Rui Garrido, desdramatiza, embora reconheça que “há sempre alguns impactes menos positivos ou até negativos”.
Mas, “temos de os tentar reduzir”, diz à Lusa Rui Garrido, lembrando que quando se fez o Alqueva “já se sabia” que se iria intensificar a agricultura, porque, numa zona onde há água disponível, os agricultores conseguem produzir “bastante mais” e, por isso, intensificam culturas.
Por seu turno, a Delegada de Saúde Pública do Alentejo, Filomena Araújo, assegura à Lusa não haver procura de serviços de saúde por questões respiratórias ou alérgicas associadas à exposição a pesticidas.
“Acredito que as pessoas se sintam incomodadas com essas proximidades”, mas “não posso dizer que isso seja associado a riscos para a saúde”, porque “não está estudado”, afirma.
Filomena Araújo reconhece que chegaram queixas à Administração Regional de Saúde do Alentejo, que foram encaminhadas para autarquias, as quais “têm um papel importante”, porque, com planos diretores municipais (PDM), “podem delimitar as áreas” para instalação de culturas.
O olival ocupa a maior área regada no Alqueva e o presidente da Olivum – Associação de Olivicultores do Sul, Pedro Lopes, recusa a ideia de que os agricultores plantam onde “bem entendem”, explicando que têm de “consultar várias entidades” e os PDM, que “regulam a permissão ou não” de culturas perto de zonas urbanas.
Quanto ao ambiente, José Paulo Martins diz que o uso de “grandes quantidades” de agroquímicos (pesticidas e fertilizantes), “por vezes de forma desregrada”, tem impactes na qualidade de águas superficiais e subterrâneas e na biodiversidade e, em alguns processos de plantação de culturas, como olival e amendoal, há “destruição” de linhas de água e património arqueológico.
E algumas culturas, pela forma como são plantadas, pelo “uso abusivo” de pesticidas ou pela falta de vegetação espontânea, “desnudando o solo”, favorecem a erosão de solos, frisa.
Da parte dos produtores, Rui Garrido admite que, “com certeza”, os agricultores aplicam “mais agroquímicos”, porque estão a querer produzir mais, mas o modo de produção integrada tenta “minimizar muitos destes impactes”.
Este modo de produção, indica, é seguido pela “esmagadora maioria” dos agricultores no Alqueva e “obriga” ao uso eficiente de água e agroquímicos “menos nocivos para o ambiente” e de acordo com análise dos solos e necessidades das culturas.
“A maior parte” dos alertas e receios sobre impactes negativos da agricultura intensiva “não tem fundamento” e “há uma desinformação muito grande”, que tem “prejudicado bastante” os agricultores, argumenta Rui Garrido.
No entanto, continua, “o saldo” entre impactes positivos e negativos “é francamente positivo”, pois o Alentejo sem agricultura “não conseguiria ter o desenvolvimento que tem”, nem daria o contributo que dá para a produção agrícola.
Pedro Lopes diz que os impactos negativos atribuídos à olivicultura estão “por comprovar”, os alertas e receios são “infundados” e os olivicultores querem “desmontar a desinformação” e demonstrar que o olival, que “consome menos água” e utiliza “muito menos” agroquímicos em relação a outras culturas intensivas, é “amigo do ambiente”.
José Paulo Martins contrapõe que os receios e alertas da ZERO são “baseados em factos” e há legislação que não é cumprida e “insuficiente” fiscalização.
“Não há uma verdadeira entidade licenciadora” de projetos agrícolas e “há casos em que as coisas ficam pela vontade do agricultor”, frisa, defendendo “uma atitude mais interventiva” do Estado.
O ambientalista aponta ainda outros impactes associados, como a poluição do ar provocada por fábricas de extração de óleo de bagaço de azeitona, “exploração de mão-de-obra barata” imigrante e a alegada morte de aves devido a trabalhos noturnos de apanha mecânica de azeitona.
Pedro Lopes justifica o recurso a mão-de-obra externa para trabalhos agrícolas afirmando que “em Portugal não há”, mas frisa que os agricultores estão “bastante atentos ao problema” da exploração de imigrantes.
Histórias de quem vive com receio da exposição a pesticidas no Alqueva
Catarina luta contra um olival quase à porta de casa e Cláudia contesta um amendoal perto da escola da filha. São histórias de quem vive apreensivo no Alqueva com receio da exposição a pesticidas usados na agricultura intensiva.
A pergunta “Olival dentro da aldeia?” e a resposta composta por quatro cruzes como sinal de morte, escritas por desconhecidos num muro perto do olival e da casa de Catarina Valério, numa entrada da aldeia de N. Sra. das Neves, em Beja, reflete a sua inquietação.
“Os receios são principalmente para a saúde dos meus dois filhos menores”, explica à agência Lusa Catarina Valério, preocupada com a “exposição sistemática” da família “aos produtos químicos que utilizam no olival” situado “a 15 metros” da sua casa e “ainda a menos” da aldeia.
Catarina tem horta e pomar onde produz legumes e frutos para consumo próprio e rega com água de um poço, que teme que fique “contaminada” por agroquímicos usados no olival “a meia dúzia de metros” e que “se vão introduzindo na terra”.
Na aldeia de Alfundão, no concelho vizinho de Ferreira do Alentejo, não é um olival a dar “dores de cabeça”, mas sim um amendoal intensivo plantado perto da escola básica, frequentada por cerca de 20 crianças, e de casas, o que inquieta pais e outros habitantes.
Cláudia Figueira, cuja filha de sete anos frequenta a escola, conta à Lusa que os pais “sabem” que são “pulverizados produtos químicos” no amendoal quando “crianças estão no recreio” e sem aviso prévio.
Por isso, frisa, os pais estão preocupados, porque a situação “não é benéfica, de forma alguma, para a saúde” dos filhos e temem possíveis efeitos da exposição a agroquímicos nas crianças.
Perto de Beja, Catarina, quando comprou a casa em ruínas do Monte da Cruz do Meio, em 2005, que depois recuperou e onde vive com o marido e dois filhos, não imaginava que iria ter um olival intensivo como “vizinho”.
“Resolvi que era aqui que queria fazer a minha vida e criar os meus filhos”, diz, contando que tudo “correu bem” até que ficou a saber, em abril de 2018, que um agricultor queria plantar um olival no terreno “encostado” à sua casa e, dois meses depois, expôs o caso à Câmara de Beja.
No início, “na câmara, disseram-me que era impossível culturas intensivas” no terreno, porque o Plano Diretor Municipal (PDM) “não prevê”, pois está na Área de Edificação em Solo Rural Periurbano (AESRP) do concelho e fora da área de regadio do Alqueva, conta.
O PDM de Beja determina uma faixa de proteção sanitária que condiciona a intensificação de uso do solo no espaço circundante a perímetros urbanos e numa extensão radial de 250 metros no caso de uma aldeia.
Também determina que alterações de uso do solo que impliquem intensificação de atividades agrícolas estão sujeitas a projetos de avaliação paisagística e sanitária com identificação de impactes na saúde pública a cargo dos promotores e que devem ser aprovados pelo município.
Após a exposição, a Divisão de Administração Urbanística da Câmara de Beja emitiu um parecer, em junho de 2018, reconhecendo que o olival “compromete” o regulamento do PDM e “poderá estar em causa uma violação à lei geral”, porque “a execução de projetos de instalação de olival que envolvam a alteração do relevo natural ou das camadas de solo arável devem ser licenciados pela câmara”.
No parecer, a divisão propôs ao executivo municipal intervir junto do agricultor para não instalar o olival e pedir-lhe um projeto de avaliação paisagística e sanitária com identificação dos impactes na saúde pública para o submeter à aprovação da autarquia.
“Isto não aconteceu”, ou seja, o executivo não interveio junto do agricultor, diz Catarina, referindo que o município pediu um parecer à Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (ULSBA).
No parecer, de agosto de 2018, a ULSBA diz ser “necessário e obrigatório estabelecer medidas de intervenção e correção” à instalação do olival, como distâncias mínimas em relação a perímetros urbanos e casas isoladas.
A ULSBA corrobora “na totalidade” com as medidas propostas no parecer da divisão e pede ao município para intervir junto do agricultor para implementar as medidas.
Apesar do PDM e dos pareceres, a autarquia “não atuou” junto do agricultor e “deixou avançar” a plantação do olival, em outubro de 2018, lamenta Catarina, que espera uma solução do município e, em “último recurso”, admite avançar para tribunal.
A Lusa tentou, várias vezes, mas sem sucesso, obter uma reação do presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio, sobre o caso.
Em Alfundão, “a maioria” dos habitantes também está preocupada com a exposição a pesticidas usados no amendoal e noutras culturas intensivas que rodeiam a aldeia, conta Cláudia.
Um grupo de pais e encarregados de educação expôs o caso do amendoal às direções regionais de Agricultura, Educação e Saúde e à Câmara de Ferreira do Alentejo, das quais ainda não obteve respostas.
Segundo Cláudia, após negociações com o município, foi plantado um hectare de medronheiro entre o amendoal e a infraestrutura mais próxima, um parque de ‘skate’, mas os pais acham que “não é suficiente” para minimizar o impacte nas crianças.
* Luís Miguel Lourenço, da agência Lusa