O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) levantou um auto de notícia à empreitada da Infraestruturas de Portugal de corte e poda de árvores na serra de Sintra, por caducidade do parecer aos trabalhos, avançou hoje fonte oficial.
Numa nota enviada à Lusa, o ICNF disse que emitiu “dois pareceres para a execução das faixas de gestão de combustível” na Estrada Regional 247, um em agosto de 2019 sobre o corte/abate de 467 eucaliptos, 126 acácias e 48 pinheiros, dez bétulas, seis amieiros e quatro carvalhos, e um segundo parecer, em outubro de 2021, autorizando “o abate de 454 árvores”.
“O segundo parecer tinha a validade de dois anos. Após deslocação ao local da intervenção, e não tendo dado entrada nenhum pedido de prorrogação deste parecer, foi levando um auto de notícia, que seguirá os devidos trâmites legais”, informou o ICNF.
O auto de notícia por contraordenação foi levantado por vigilantes da natureza, do Parque Natural de Sintra-Cascais (PNSC), após uma vistoria aos trabalhos no troço regional da Estrada Nacional 247, entre o Pé da Serra e o cruzamento para o Cabo da Roca.
Fonte oficial da Infraestruturas de Portugal (IP), que gere a rede viária, disse anteriormente que foram solicitados “os pedidos” para prolongamento do prazo dos pareceres, mas confrontada com a informação do ICNF remeteu comentários para mais tarde.
A intervenção autorizada pelo primeiro parecer, para os cortes na zona da Azoia, “foi feita na altura” do parecer, em 2020.
O ICNF considerou que, sobre as acácias e os eucaliptos propostos nada havia a obstar, tratando-se de espécies exóticas sem interesse para a conservação da natureza e da biodiversidade.
A autorização para o corte de 48 pinheiros foi justificada por serem, na sua maioria, exemplares em fim de vida, com copas rarefeitas ou inclinações/deformações acentuadas do fuste, tendo sido autorizado o seu corte de dois amieiros e a manutenção de quatro, sujeitos a poda de redução de copa, e o abate de dois carvalhos e pode de outros dois.
O segundo parecer, do Pé da Serra ao desvio para o Cabo da Roca, incidiu sobre 495 árvores, tendo sido autorizado o “abate de 454 árvores: 48 acácias, 127 pitósporos, 148 eucaliptos, 115 pinheiros-bravos, três freixos, dois pinheiros-mansos, um choupo, um pilriteiro, um loureiro e um exemplar” que “não foi possível identificar, bem como sete sobreiros”, todos “com problemas diversos confirmados no local”.
A poda de 41 árvores, a maioria sobreiros e autóctones não carecia de parecer do PNSC, mas “a poda de 34 sobreiros, visando a subida da copa, remoção de raminhos secos” e coabitação com a estrada, seria “autorizada em processo autónomo”, procedimento também adotado para o abate de sete sobreiros.
A autorização para o abate dos sete sobreiros, de novembro de 2021, válida por um ano, justificou-se por “risco de rutura/queda sobre a estrada e melhoria da visibilidade”.
Um outro parecer, também de outubro de 2021, entre Sintra e o Pé da Serra, para intervir “em 656 árvores” na Rede Natura 2000, autorizou “o abate de 36 árvores: nove plátanos, oito robíneas, seis eucaliptos, um cipreste seco, sete choupos e cinco pinheiros-bravos”, com problemas “que não são passíveis de resolução através de poda”.
A intervenção “integra a poda de 620 árvores, na sua maioria exóticas e plátanos em particular, mas também autóctones como sejam: três ciprestes, três zambujeiros e um bordo jovem”, sem necessidade de parecer do PNSC, “pois não traduz uma alteração ao coberto vegetal”.
Já a poda de dois sobreiros, “visando a subida da copa” e coabitação com a via, seria autorizada em processo autónomo, devido à legislação de proteção da espécie.
A IP, em comunicado, informou que a empreitada em curso, entre os quilómetros 71,960 e 87,480 nas freguesias de Sintra e de Colares, “constituiu a última fase dos trabalhos iniciados há cerca de dois anos”, de modo “a assegurar condições de circulação em segurança para pessoas e bens nas estradas” sob a sua gestão direta.
A intervenção realizada faseadamente “compreendeu no total a execução de 661 podas e 480 abates de árvores, dos quais 183 correspondem a exemplares de espécies exóticas invasoras”, apontou.
As intervenções foram, genericamente, “poda de plátanos ao longo do percurso entre Sintra, Colares e Pé da Serra, com vista à melhoria das condições de segurança e circulação rodoviária e pedonal na ER247”, e “limpezas, abates e desramações no percurso entre o Pé da Serra e o Cabo da Roca”, igualmente para “cumprimento dos critérios especiais definidos” para o PNSC.
A IP referiu que as atividades “são sempre precedidas de avaliação técnica da especialidade para determinação das necessidades de intervenção” e que, neste caso, “dado tratar-se de uma zona protegida, foi obtida a autorização prévia por parte do ICNF e comunicada à Câmara Municipal de Sintra”.
As intervenções foram contestadas por cidadãos e organizações não-governamentais ambientalistas que, em carta ao presidente do conselho de administração da IP, expressaram “indignação e incompreensão” pelo “grave atentado ambiental e paisagístico” no PNSC, resultante do “abate massivo e indiscriminado de árvores ao longo da ER247”.
Os subscritores apontaram que, face à “destruição de árvores de grande porte com evidente valor patrimonial, paisagístico e ambiental”, surge a necessidade de clarificar e justificar a “profundidade da intervenção e exigir aos responsáveis a fundamentação científica” que a determinou.
Os subscritores, entre os quais o Grupo de Amigos das Árvores de Sintra (GAAS), ADN Ambiente, Fórum Cidadania Lisboa, Grupo Ecológico de Cascais (GEC), GEOTA, QSintra, Plataforma em Defesa das Arvores e Sintra sem Herbicidas, apelam às “entidades para o cabal esclarecimento” da situação, que ultrapassa a zona de Sintra.
Em carta enviada ao presidente do ICNF, cidadãos e ambientalistas notaram que “foi com enorme estupefação” que se depararam com “abates e podas radicais” de pinheiros e “outras espécies como sobreiro e carvalho” e a eliminação de “pinheiros centenários e eucaliptos de idade considerável que em nada colocavam em risco a segurança rodoviária”.
Nesse sentido, solicitaram uma reunião para conhecer “a natureza e justificação” do aval do ICNF, “uma vez que desta empreitada resultou uma severa destruição de arvoredo de grande porte, que tão bem caracteriza” o PNSC.