No Domingo de manhã, dia 30 de Abril, foi à SIC notícias, pelas onze e qualquer coisa, porque terminava o prazo da lei portuguesa para a limpeza de terrenos à volta de construções e infraestruturas.
Espero que alguma televisão se lembre de que Stephen Pyne vai estar em Portugal neste mês de Maio e o convide para uma longa entrevista sobre fogo, mas tenho poucas esperanças de que assim seja, o que passo a explicar.
A única vez em que estive com Stephen Pyne no mesmo contexto foi por via remota, na apresentação dos trabalhos dos alunos da Harvard Graduate School of Design. Sílvia Benedito tem organizado uns seminários (enfim, não sei se é a tradução mais adequada para o original “studio”) para os alunos de arquitectura paisagista de Harvard, tendo como tema a relação com o fogo e como objecto parte do concelho de Arganil, seminário esse para o qual me convidou umas vezes.
Nesse ano havia vários dos palestrantes do seminário a assistir e comentar os trabalhos dos alunos, entre eles uma professora e ecóloga portuguesa, Stephen Pyne e eu, o que me permitiu assitir a uma cena hilariante, no momento em que a professora portuguesa, que não tem uma linha de trabalho científico sobre ecologia do fogo, procurou explicar a Stphen Pyne que o que ele tinha dito sobre o assunto não estava certo.
Para quem não está familiarizado com o assunto, seria como se eu, convidado para um seminário sobre futebol como especialista de equipamentos, me pusesse a explicar a Ronaldo que o que ele tinha dito sobre a forma de marcar livres não estava certa.
Do mesmo modo, ainda recentemente, num grupo muito patusco de políticas florestais, um pândego que sabe tanto de ecologia do fogo como eu sei de lagares de azeite, pretendeu arregimentar Stephen Pyne para as fileiras das pessoas que se opõem ao fogo controlado, citando (deveria ter escrito, referindo, porque na verdade se tratou de uma leitura mais que criativa do texto) este editorial, que manifestamente não conseguiu perceber, de tal forma o assunto lhe é estranho.
Note-se que neste editorial, Stephen Pyne vai muito mais longe que o que é habitual em Portugal na discussão dos fogos. Estamos ainda entre a primeira e segunda linhas de trabalho que menciona (o braço de ferro entre supressão e gestão racional de combustíveis), raramente sendo aflorada a terceira linha de trabalho que Stephen Pyne refere aqui, que consiste em aceitar que temos paisagens de fogo, aceitando o fogo tal como ele aparece, independentemente da sua origem e características, para nos concentrarmos na sua gestã, tirando partido do que nos serve e mitigando o que nos afecta (por exemplo, o fogo já deste ano, na Serra da Estrela, que mobilizou um enorme dispositivo de combate, deveria ser saudado como uma boa notícia e o dispositivo deveria ter deixado arder, limitando-se a controlar danos e optimizar benefícios, expandindo esse fogo nalguns locais, se se justificasse).
Não sei bem de quem foi a ideia (e a assumpção de custos) de trazer Stephen Pyne por estes dias a Portugal, mas quem o fez, fez muito bem, só é pena que para interagir com ele num programa cultural no Porto se escolha Viriato Soromenho Marques, um dos grandes arautos do disparatismo nacional que liga eucaliptos e fogos, e manifesto ignorante em ecologia do fogo.
E é por isso, por saber que é este o ambiente geral do país em relação aos fogos, que dedica horas de televisão ao fim do prazo estabelecido por uma lei obscurantista sobre gestão do fogo, ao ponto de convidarem pessoas menores nesta discussão, como eu, para falar do assunto, que não tenho esperança nenhuma de que o jornalismo tenha perfeita noção da oportunidade que é ter em Portugal, acessível, Stephen Pyne, para conversar sobre fogo e ecologia do fogo.
Mas a esperança é a última a morrer, e por isso escrevi este post.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.