Nota Introdutória
Este artigo teve origem no convite recebido pelo Autor para intervir como comentador na Conferência proferida pelo Prof. Francisco Avillez com o título “EVOLUÇÃO ECONÓMICA DA AGRICULTURA PORTUGUESA NAS ÚLTIMAS SEIS DÉCADAS”, organizada pela ANPROMIS, a qual decorreu no Salão Nobre do Instituto Superior de Agronomia no dia 11 de julho de 2024.
No decorrer deste artigo, no intuito de responder ao seu título, procuraremos a resposta a quatro questões1, a saber:
1ª – Como evoluiu a Produção Agrícola Nacional desde a década de 1960, anterior ao 25 de abril de 1974, até aos nossos dias?
2ª – Que comportamento tiveram os diferentes fatores de produção agrícola no período em análise?
3ª – Quais as alterações estruturais que caracterizaram a evolução das explorações agrícolas portuguesas ao longo do período considerado? e por último,
4ª – Como se deu a “EVOLUÇÃO ECONÓMICA DA AGRICULTURA PORTUGUESA NOS ÚLTIMOS 60 ANOS”
No essencial, as notas que se seguem começam por analisar, sempre no período dos últimos 60 anos, os três aspetos que mais influenciaram ou explicaram, diríamos mesmo condicionaram, a referida EVOLUÇÃO ECONÓMICA
São eles:
– Evolução da Produção Agrícola Nacional;
– Uso dos Fatores de Produção na Agricultura;
– Alterações Estruturais nas Empresas Agrícolas.
A análise destes três aspetos, será desenvolvida ao longo de seis períodos, os quais, embora, de diferente duração temporal, poderemos assimilar às respetivas décadas, a saber:
- Início dos anos 60 do séc. XX, ao 25 de abril de 74, utilizando para o efeito médias trienais “1962” (61, 62, 63) e “1972” (71, 72, 73); sensivelmente, pois, a década 1960-1970;
- De 25 de abril de 74, às vésperas da adesão de Portugal à CEE, utilizando para o efeito médias trienais “1972” (71, 72, 73) e “1982” (81, 82, 83); sensivelmente, a década 1970-1980;
- Da adesão à CEE, à reforma da PAC de 1992, utilizando para o efeito médias trienais “1982” (81, 82, 83) e “1992” (91, 92, 93); sensivelmente, a década 1980-1990;
- Da reforma da PAC de 1992, à reforma da PAC de 2003, utilizando para o efeito médias trienais “1992” (91, 92, 93) e “2002” (01, 02, 03); sensivelmente, a década 1990-2000;
- Da reforma da PAC de 2003, até à intervenção da Troika em Portugal, utilizando para o efeito médias trienais “2002” (01, 02, 03) e “2012” (11, 12, 13); sensivelmente a “década” «alongada» de 2000-2015;
- Da intervenção da Troika, em Portugal, até aos nossos dias (2024), utilizando para o efeito médias trienais “2012” (11, 12, 13) e “2022” (21, 22, 23); sensivelmente, a década 2015-2024.
Analisaremos cada um destes períodos, procurando fazer salientar os factos mais evidentes que os caracterizaram.:
Assim:
Na década 1960-19702:
- acentua-se, de forma clara, a contribuição do sector agrícola para o agravamento das tensões inflacionistas, no conjunto da economia portuguesa, (o índice implícito de «preços agrícolas» é quase o dobro do índice de «preços não agrícolas»);
- os salários agrícolas crescem, claramente, face à média nacional;
- a oferta de produtos alimentares é insuficiente e, qualitativamente, desajustada (produtos vegetais versus produtos animais) à procura que, entretanto, se verifica;
- agrava-se, fortemente, no sector agrícola a debandada dos ativos humanos (vaga de emigração conhecida), mais aptos e mais jovens, sem a contrapartida, compensadora, de introdução de novas tecnologias;
- a taxa anual de crescimento (1,2 %)do Produto Agrícola Bruto (PAB) mantem-se, largamente, inferior à do Produto Interno Bruto (6,0 %) (PIB), revelando a tibieza do crescimento do sector agrícola, no conjunto da economia;
- a contribuição do PAB para o acréscimo do PNB, é inferior a 10 % entre 1960-65 e, praticamente, nula entre 1965-70;
- a produção animal cresce, essencialmente, à custa de matérias primas importadas (as importações de milho e sorgo decuplicam, na década);
- acelera-se, perigosamente, o valor do «deficit comercial agrícola» o qual, neste período, sobe cerca de 8 vezes, correspondendo no final da década a cerca de ¼ do deficit total.
Entretanto, no seio da CEE, estruturavam-se os primórdios da PAC. Em junho de 1960, em cumprimento do disposto no artigo 43º do Tratado de Roma, após a realização da “Conferência de Stresa” a Comissão apresenta ao Conselho o conjunto de propostas, algumas das quais viriam a integrar a PAC. Das quatro componentes que deveriam interessar à PAC (mercado, comercial, estruturas e social) e estavam cobertas pelas propostas apresentadas, o Conselho reteve apenas as referentes às duas primeiras componentes, deixando para depois, no tempo, as duas últimas. Dentro desta década, ainda, em 1968, dá-se o passo decisivo para consolidar a PAC, com a apresentação do «Memorando Agricultura 80», também conhecido pelo «Plano Mansholt». Com a sua aprovação pelo Conselho em 1970, completa-se o corpo da PAC com a componente socio-estrutural.
Por Portugal, tudo continuava imutável, como, se nada fosse necessário fazer, com vista a estruturar, também, uma Política Agrícola Nacional capaz de retirar o sector da estagnação, na qual mergulhara há vários anos.
Na década 1970-1980:
- continua, no Sector Agrícola, o acentuar das tensões, provocadas pelos desequilíbrios e estrangulamentos socio-estruturais vindos do passado;
- no limiar da adesão à CEE o sector agrícola continuava a constituir um importante e sério travão ao desenvolvimento económico nacional;
- o PAB contribui, apenas, com 1 % para o acréscimo do PNB;
- os acréscimos de produtividade da mão-de-obra agrícola contribuem só com 11 % para o crescimento da produtividade da mão-de-obra total;
- em síntese, em meados desta década, o sector agrícola caracteriza-se por2:
- uma produção, estagnada e mal diferenciada, cobrindo cada vez menos as necessidades do consumo e, contribuindo cada vez mais, para o desequilíbrio da balança comercial e para o agravamento das tensões inflacionistas;
- uma população ativa, ainda, relativamente, numerosa, profissionalmente, mal preparada e, envelhecida pela fuga dos mais jovens e mais aptos;
- uma muito baixa produtividade, dos fatores terra e trabalho, gerando condições, desastrosas, de rendibilidade empresarial;
- uma formação bruta de capital fixo, que mal cobre a depreciação do património existente;
Em contrapartida o sector agrícola na “Europa dos Seis” e, após 1 de janeiro de 1973, da “Europa dos Nove”, evolui ao abrigo de uma «Política Agrícola Comum» a qual, pese embora a necessidade de algumas reformas, é indubitavelmente uma PAC estimulante do desenvolvimento e do crescimento económico.
É certo que, nos governos, imediatamente, saídos da revolução de 74, «na letra dos programas e na forma dos discursos», o sector agrícola foi sempre, muito embora, com manifesta ineficácia, considerado prioritário. Veja-se, a título de simples exemplo, o discurso de António Barreto3, então Ministro da Agricultura, na tomada de posse de Subdiretores Gerais e de Diretores Regionais do Ministério em 27 de outubro de 1977: “Está condenada qualquer estratégia de expansão ou de desenvolvimento económico que ignore o setor primário agrícola e alimentar, que o marginalize, que o deixe por conta própria ou que não lhe confira uma prioridade absoluta. É necessário considerar o setor agrícola e alimentar como o setor absolutamente prioritário, sem tibiezas nem equívocos”.
Mas a implantação, de medidas de política agrícola, tardava em acontecer.
Na década 1980-90:
- Portugal assina, em junho de 1985, o Tratado de Adesão à CEE, o qual lhe faculta, a adesão de pleno direito, em janeiro de 1986;
- com a adesão de pleno direito, ainda que, numa transição por etapas, o Sector Agrícola em Portugal é confrontado com uma viragem na PAC, iniciada com o lançamento, pela Comissão em 1985, do «Livro Verde» e com a aprovação do seu Memorando em 18 de dezembro desse ano;
- pode, então, dizer-se que, do ponto de vista da PAC, Portugal entra em contraciclo na Europa.
Efetivamente, Portugal e a sua Agricultura, não beneficiaram durante 30 anos de uma PAC, podemos dizer, estimulante do desenvolvimento e do crescimento económico e estruturante da agricultura e, quando adere, essa PAC rodou de 180º, com nítida travagem no crescimento e desenvolvimento do sector (estava-se, então na CEE confrontado com as “montanhas” de manteiga e os “lagos” de vinho, como à época se dizia nos corredores de “Berlaymont”, para quantificar os excedentes de produção);
- Portugal beneficia, no entanto, pela sua adesão, de um amplo Programa de Apoio Estrutural à Agricultura (PEDAP), dotado de 700 milhões de ECU’s, a desenvolver ao longo de 10 anos;
- em qualquer caso a resposta dada pelos agricultores portugueses, nesta década foi, como refere Francisco Avillez4, muito positiva, face aos enormes desafios que lhes foram colocados;
- em resultado da aplicação do PEDAP, a formação bruta de capital fixo subiu 2,7 vezes entre 1985-90 em valores nominais e em valores reais o crescimento médio anual foi de 6,7%.
Nesta década, para além da organização de mercados e de um sistema de preços claramente favoráveis e estabilizados, a PAC consolida-se também na área socio estrutural. A modernização de explorações, sob condição de um plano de desenvolvimento, a cessação da atividade empresarial, a informação socioeconómica e a formação profissional, a agricultura de montanha, a transformação de produtos agrícolas, são apenas alguns dos aspetos socio estruturais do Sector Agrícola que merecem tratamento próprio ao nível dos regulamentos e diretivas da PAC. De referir ainda, pelo interesse que teria para a Agricultura Portuguesa, caso Portugal à época já fosse membro, o «Paquet Mediterranéen» (conjunto de regulamentos com vista aos problemas específicos da problemática estrutural da Agricultura da Região Mediterrânia da CEE.2
Na década 1990-00
A situação do Setor Agrícola português no início dos anos 90 (nova PAC em 92 e esgotados os anos da 1ª etapa da adesão) é de molde criar sérias preocupações:
Do ponto de vista da estrutura física empresarial:
- a área média das empresas com mais de 1 ha em Portugal, é cerca de metade da verificada na CEE (8,3 ha, em Portugal para 16,5 ha, na CEE);
- em Portugal ¾ das empresas têm menos de 5,00 ha, sendo este valor na CEE, de metade;
- em Portugal, 2 % das empresas têm área superior a 50,0 ha, na CEE, este valor é de 7 %, mais do triplo, portanto;
- em Portugal, cerca de 50 % da SAU, é ocupada com empresas de menos de 20,0 ha, sendo o idêntico valor na CEE apenas de 25 %, portanto, metade;
Do ponto de vista da estrutura humana empresarial:
- a população ativa agrícola é ainda 18 % do total, enquanto na CEE este valor situa-se em, menos de metade, 7 %;
- em Portugal, cerca de metade destes ativos tinha entre 25 e 54 anos e mais de 1/3 tinham mais de 55 anos; nos empresários agrícolas 40 % não sabem ler nem escrever e, têm, igualmente, mais de 55 anos;
Do ponto de vista da Política Económica:
- na PAC, com a entrada na sua história dos chamados «estabilizadores agrícolas» dá-se o desmantelamento das medidas de suporte de preços e, consequentemente, a aproximação, em baixa, dos preços praticados na CEE aos preços mundiais, os quais para além do mais apresentam fortes oscilações, provocando sérios impactos redutores na produção e na economia do Sector Agrícola;
- ainda na PAC, em substituição do suporte de preços, são instituídos os apoios ao agricultor por «ha cultivado e por cabeça de gado detida», independentemente, de esse hectare ou essa cabeça de gado, produzirem ou não;
- verifica-se a adesão de Portugal ao euro (1 € = 240$482), com todas as suas consequências, inflacionistas e não só;
- em janeiro de 1993 é criado o Mercado Único Europeu (MEU) e em janeiro de 1994 o Espaço Económico Europeu (EEE), com livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, tornando-se, assim, o mercado muito mais concorrencial, para a Agricultura Portuguesa,
- por último, quer a nova PAC, quer o MEU, quer o EEE têm, como, facilmente, se compreende pelo que foi dito, um fortíssimo impacto, no agravamento da economia do Sector Agrícola.
Na “década” 2000-15
- nova reforma da PAC em 2003, com a criação de 2 pilares, financiados por dois fundos diferentes, o FEAGA (1º pilar, preços e mercados, e pagamentos diretos) e o FEADER (2º pilar, desenvolvimento rural);
- preços dos produtos cada vez mais equiparados aos preços mundiais e, consequentemente, em permanente oscilação;
- é instituído o regime de pagamento único (PU);
- mantem-se a tendência negativa do desempenho produtivo e económico do Sector Agrícola em Portugal;
- em 2013, nova reforma da PAC, com expressiva redução dos apoios, por eliminação de alguns tipos de apoios e igualização do PU a nível do país, passando, pois, todos os hectares a terem o mesmo valor.
Na década 2015-aos nossos dias
- impacto, com reflexos sobre toda a economia, da entrada da TROIKA em Portugal entre 2011 e 2014, da COVID 19 em 2019 e do início da Guerra da Ucrânia em fevereiro 2022;
- todos estes factos, provocam fortíssimos efeitos sociais e económicos em geral, aos quais não escapa, naturalmente, o sector agrícola;
- no entanto, verifica-se forte resistência e capacidade de resposta do Sector Agrícola, (não houve rutura de abastecimentos) em face daquelas diversas crises, com clara melhoria do desempenho do sector.
Procurando agora responder à primeira pergunta colocada: “Como evoluiu a Produção Agrícola Nacional?” diremos em resumo: a evolução do “valor da produção a preços reais” só se revela positiva (+ 3,0 %) no decénio “2012” – “2022”.
Relativamente à segunda pergunta: “Que comportamento para os diferentes fatores da produção agrícola? considerando os fatores: terra, água, trabalho, bens intermédios e capital
Quanto ao uso da terra – a partir da década 1980-90 apenas cresce o uso «Prados e Pastagens», a Superfície Agrícola Cultivada (culturas temporárias + culturas permanentes + prados e pastagens permanentes, SAC) decresce, fortemente, na última década e a Superfície Agrícola Útil (SAU) mantem-se estagnada ao longo das várias décadas.
Quanto ao uso da água para rega – as características climáticas em Portugal (pluviometria, com chuva mal distribuída no ano), agravadas pela influência negativa das alterações climáticas (maior procura de água e menor oferta) tornaram a água para rega num dos, mais críticos, fatores da produção agrícola.
No período de 1988 até 2009 a superfície regada decresce 2,4 %/ano e em período subsequente até 2019, cresce (1,6 %/ano) não tendo atingido ainda os valores de 1988 (887,7 mil hectares). Aquele declínio dá-se, essencialmente, devido ao abandono dos pequenos regadios tradicionais a Norte do País. Na última década a superfície irrigável cresceu 90 mil ha (atingindo em 2019 os 630,5 mil hectares), essencialmente, pela transferência de culturas anuais para culturas permanentes (aumento destas em 118 mil hectares)4 com fortíssima expressão na rega gota-a-gota e micro aspersão (aumento da área regada em 123 mil hectares)4, em resposta ao melhor uso da água, dada a sua escassez. Entra em funcionamento a Barragem de Alqueva, a qual fecha as comportas em 08-02-2002.
No final da década 1980 – 1990, sensivelmente nos anos de 88 e seguintes dá-se a entrada em força de outro método de rega o sistema do “Center Pivot” o qual permite adaptar ao regadio terrenos até então inimagináveis para rega.
Quanto ao uso do fator trabalho – regista-se uma redução acentuada do volume de mão-de-obra agrícola nas últimas seis décadas, com maior expressão na década pós-adesão e incidência especial na mão-de-obra familiar. Em consequência as Unidades de Trabalho Agrícola (UTA) familiar decrescem naquelas décadas e as UTA assalariadas apenas crescem na década “2012” – “2022”.
Assim, se considerarmos no inicio da década de 1960, com o valor 100 o índice do volume da mão-de-obra agrícola, ele representaria no início da década de “2022” o valor 12,7, com um valor ainda menor de 9,6 para as UTA familiares e 26,1 para as UTA assalariadas.
Sobre estas UTA assalariadas importa refletir, seriamente, sobre a questão da mão-de-obra imigrante em Portugal, pois, segundo dados do Banco de Portugal, um quarto das empresas portuguesas já recorre a mão-de-obra estrangeira. Em 2023, 22,2% das empresas com sede em Portugal empregavam trabalhadores estrangeiros. Trata-se de um aumento significativo face à fatia de 7,9% identificada em 2014. No final de 2023, o número de estrangeiros a trabalhar por conta de outrem em Portugal ascendia a 495 mil, um aumento de 35,5% face ao ano anterior e um número nove vezes superior ao verificado no início da década.
Segundo dados do Banco de Portugal, antes da pandemia, em 2019, o país tinha 6% de trabalhadores estrangeiros. Em quatro anos, o peso saltou para 13%, duplicando, portanto. Todos os grandes sectores da economia viram o peso da mão de obra imigrante duplicar entre 2019 e 2023. Na agricultura e nas pescas, por exemplo, 41% dos trabalhadores são estrangeiros; nos hotéis e restaurantes são quase um terço (31%); e na construção cerca de um quarto (23%). Estas atividades estão entre as que mais dependem da imigração para funcionarem.
Entre 2019 e 2023, o número de trabalhadores por conta de outrem registados na Segurança Social aumentou 13%, sendo que 9,3% deste crescimento são atribuíveis aos trabalhadores de nacionalidade estrangeira,
É, pois, essencial e urgente, que em Portugal se implante, uma adequada política pública, para encarar de frente e resolver a QUESTÃO DOS IMIGRANTES
Quanto ao uso dos bens intermédios – manteve-se sensivelmente estabilizado durante as décadas a partir de 1980 até aos nossos dias, com uma variação do índice 100 em 1980 a apresentar o valor 144,5 nos nossos dias.
Quanto ao uso do capital – na década 1960-70, o paradoxo de um sector descapitalizado (o sector agrícola) funcionar como origem de recursos para financiar o desenvolvimento de outros setores, é por demais evidente; nas décadas de 1980 até aos nossos dias, a situação sofre alguma alteração, primeiro na pós-adesão, com o lançamento do PEDAP e, posteriormente, crescendo fortemente (3,3 %/ano) na última década (“2012” – “2022”), compensando totalmente as quedas anteriores.
Este ponto merece um comentário especial: Portugal desde a adesão à CEE em 1986, entregou para o financiamento comunitário 49 mil milhões de euros e recebeu mais de 135 mil milhões em fundos comunitários, apoios à agricultura e às politicas internas, ou seja, por cada euro entregue por Portugal, o nosso País recebeu três euros.
Não é, pois, por falta de fundos comunitários que a economia portuguesa e o próprio setor agrícola não se desenvolveram.
Relativamente à terceira pergunta: “que alterações estruturais”:
- Pelos dados apresentados a estrutura (dimensão) das empresas agrícolas, evolui em sentido, ligeiramente, positivo: pequena diminuição das empresas até 50 ha e ligeiro aumento do nº de empresas com + de 50 ha;
- O número de trabalhadores individuais também evoluiu positivamente, reduzindo-se em 30 anos em (de 1989 para 2019) para mais de metade do seu valor percentual no total da economia, verificando-se, porém, um enorme envelhecimento, representando em 2019 os produtores com mais de 65 anos mais de metade e os de menos de 44 anos apenas 10 %;
- Em contrapartida o grau de escolaridade melhorou, significativamente, e o nº de sociedades agrícolas (supostamente, explorando mais SAU, com melhor capacidade de gestão empresarial assente em mais conhecimento) na última década mais do que duplicou.
Por último, procurando responder à quarta e última pergunta: “como evoluiu o desempenho económico do setor agrícola português”.
O escolhemos três variáveis4, digamos assim, para analisar este desempenho:
- produtividade dos fatores de produção;
- produto e rendimento, agrícolas;
- grau de autoaprovisionamento em produtos agrícolas, ou dizendo de outro modo deficite da balança alimentar.
Sobre estas 3 variáveis:
Produtividade dos fatores de produção (terra, trabalho, capital e bens intermédios)
- Terra – evolui de forma ligeiramente positiva, com várias oscilações, nas décadas de 60 aos nossos dias;
- Trabalho – evolui, positivamente, ainda que de forma ligeira, em todas as décadas analisadas, com especial incidência na década 1980 – 1990;
- Capital – evolui negativamente de forma acentuada, nas décadas de 1960 – aos nossos dias, com ligeira desaceleração nas décadas de 1980 a 2020, acarretando uma evolução negativa muito forte (13,5 %/ano) em todo o período analisado;
- Bens intermédios – ligeira evolução negativa ao longo de todas as décadas com ligeira subida (1,4 %/ano) na década 2010 – 2020, insuficiente para anular a queda no período.
Produto e rendimento, agrícolas
Claro que, com esta evolução da produtividade dos fatores de produção, não pode esperar-se outra coisa senão uma quási estagnação da produção em volume, com ligeiro decréscimo nas décadas de 80 aos nossos dias.
Por outro lado, a evolução em valor, fruto de termos de troca favoráveis é bem mais positiva crescendo, da década de 80 até aos nossos dias, o equivalente a 3,4 %/ano.
Vejamos agora como se comportou o rendimento agrícola.
Neste período, de seis décadas, fruto do evoluir muito positivo dos apoios europeus, (complementado por vezes com euros nacionais), diretamente, à produção e/ou ao rendimento, o rendimento agrícola cresceu, fortemente, principalmente, na década “1980” – “1990” (início da adesão em 1986) e, nas décadas de 1980 aos nossos dias, com uma evolução positiva (4,0 %/ano). Já o rendimento por Unidade de Trabalho Agrícola (UTA) cresceu bem em valores nominais (7,7 %/ano durante o período das seis décadas, com um pico 18,2 %/ano, pós-adesão na década de 1980, mas a preços constantes, limitou-se ao crescimento de 1,8 %/ano no período “1980” – “2020”, com um pequeno pico de 4,7 %/ano na década “2010” – “2020”.
A balança comercial agrícola foi sempre, fortemente desequilibrada, e mantem-se, com especial incidência, hoje em dia, nos cereais de sequeiro, menos forte no milho e batata e superavitária apenas para arroz, azeite e frutos secos, (em azeite e frutos secos muito devido às plantações na área de Alqueva) apresentando valores intermédios para citrinos e frutos frescos.
De notar que as culturas de sequeiro são as mais gravosas a contribuir para este desequilíbrio e, «a contrário senso», os resultados são visíveis quando a água aparece.
Nos produtos animais são superavitários ovos, leite e manteiga, mantendo-se os restantes em posições de 50 a 100%.
Neste contexto dizer que o clássico modelo químico-mecânico, se encontra esgotado, em Portugal, talvez seja um pouco de exagero.
No entanto, é sem dúvida necessário fazê-lo acompanhar, cada vez mais, na linha da sua substituição e, ensaiar outros modos de produção agrícola mais sustentáveis nos modelos de gestão do solo e da água, menos emissores de GEE e mais respeitadores da biodiversidade.
Para tal, necessário se torna insistir, na «evolução tecnológica e na inovação», no crescimento da formação profissional dos produtores agrícolas, reivindicando adequadas «políticas públicas» facilitadoras daquela «evolução» e deste «crescimento».
Vão já longas estas notas soltas interpretativas da «EVOLUÇÃO ECONÓMICA DA AGRICULTURA PORTUGUESA NOS ÚLTIMOS 60 ANOS».
À guisa de conclusão, analisemos sumariamente quais os Desafios colocados à «EVOLUÇÃO ECONÓMICA DA AGRICULTURA PORTUGUESA», agora não, “nas últimas seis décadas”, mas sim «nas futuras seis décadas», tendo em conta a análise do passado que acabámos de fazer:
Se me permitem elenco, de forma totalmente arbitrária, os seguintes “desafios” que classifico de “instrumentais”:
- Maior, mais eficaz e mais eficiente captação, armazenamento e gestão (uso) da água (necessidade de conjugar a existência de ÁGUA e de TEMPERATURA para haver crescimento vegetativo);
- Negociação permanente em sede da PAC;
- Investigação/Inovação na tecnologia da produção e na gestão empresarial;
- Diferenciação, criatividade e inovação nos produtos, para incremento da competitividade empresarial, em mercado global;
- Incremento da produtividade de todos os fatores de produção, nomeadamente, os fatores intermédios diretos da produção;
- Redução de todos os custos de produção, sem quebra desta;
- Utilização de métodos e fatores de produção de forma, ambientalmente sustentável, e na via da transição para uma economia de baixo carbono (ex.: energias renováveis);
- Criação e transferência de conhecimento para formar/qualificar (em permanência, academicamente e “on job”) o fator mão-de-obra (ex.: formação técnica, para adultos, dispensando a formação prévia universitária);
- Qualificação mais aprofundada dos empresários/gestores agrícolas;
- Crescer na cadeia de valor da fileira, aumentando a quota-parte da empresa agrícola nesse crescimento;
- Concentração da oferta, para ganhar dimensão em mercado global concorrencial com o qual, cada vez mais, o Sector está confrontado;
- Criação de capacidade de transformação industrial, ao encontro da procura;
- Fluidificação do crédito para as atividades agrícola e agroalimentar;
- Manutenção e alargamento dum sistema de Seguros, eficaz e eficiente, para as atividades agrícola e agroalimentar.
São muitos os desafios instrumentais elencados e, muito provavelmente, ainda faltarão referir alguns mais.
Podemos, no entanto, num esforço de síntese operacional resumi-los a três, lembrando uma clássica definição de desafio: “Obstáculo que a civilização, o homem … deve ultrapassar na sua evolução, no seu desenvolvimento ou percurso”.
Teríamos, então, assim:
ÁGUA – mais valor acrescentado por m3 consumido, menos m3 consumidos por unidade de valor acrescentado;
FACTORES DE PRODUÇÃO – mais valor acrescentado por unidade consumida, menos unidades consumidas por unidade produzida de valor acrescentado produzido;
CONHECIMENTO – maior volume incorporado, por unidade produzida de valor acrescentado, menor número de decisões mal informadas, por unidade produzida de valor acrescentado;
Para levar à prática, qualquer destes desafios, exigem-se:
Assertivas políticas públicas e, … coragem humana, e qualidade organizacional, para as aplicar;
Boas práticas privadas e, … muito trabalho para as concretizar.
Para concretizar, quer umas, quer outras, uma séria e bem planeada, no conteúdo e no tempo, Reforma do Estado, é uma condição necessária, mas não suficiente.
1 – Avillez, Francisco – Evolução económica da Agricultura Portuguesa nas últimas seis décadas – AGROGES, maio 2004, pág. 1
2 – Silva, Fernando Gomes da – Portugal a Agricultura e a Europa – Política Internacional, vol. 1, nº 6, primavera 1993, págs.52, 55 e 56.
3 – Barreto, António – Tudo para a Agricultura – Discursos na Construção de um Ministério, Coleção «Política de Agricultura e Pescas 1». Ministério da Agricultura e Pescas, outubro de 1977, pág.57.
4 – Avillez, Francisco – A economia da agricultura portuguesa nos últimos 60 anos – Conferência no Salão Nobre do ISA, em 11-07-2024.
Fonte: Eng.º Fernando Gomes da Silva