Convicto de que o fator mais determinante para o desenvolvimento de um território é o conhecimento, Nuno Mocinha foi um dos grandes impulsionadores da instalação do InnovPlantProtect (InPP) em Elvas. Como presidente da Câmara, ter na “sua” cidade o único Laboratório Colaborativo em Portugal a desenvolver soluções biológicas para controlar pragas e doenças é uma oportunidade para realizar o sonho de tornar Elvas numa referência científica e académica, capaz de atrair investigadores e empresários interessados nos produtos e serviços do InPP.
Entrevista: Margarida Paredes / CiB
Fotografias e vídeo: Joaquim Miranda
Porque é que o município de Elvas se tornou parceiro do Laboratório Colaborativo InnovPlantProtect (InPP)?
Porque consideramos que o InPP é um projeto estruturante para o concelho. Sendo um dos atores principais no território, a Câmara Municipal de Elvas não poderia ficar de fora. A iniciativa partiu da Universidade Nova de Lisboa, que juntou um conjunto de parceiros, entre os quais a autarquia, para concretizar e abraçar este desafio. Também o facto de a antiga Estação Nacional de Melhoramento de Plantas do INIAV-Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária estar localizada em Elvas foi um fator determinante para aceitarmos este desafio, uma vez que é uma entidade com quase 80 anos de experiência no melhoramento de plantas. A própria localização estratégica da cidade abonou a favor: há quem diga que é uma cidade do interior, mas eu prefiro dizer que Elvas é a porta de entrada da Europa, o que permite estabelecer pontes com outros países, sobretudo com Espanha.
Concretamente, em que consiste a parceria entre a autarquia e o InPP?
Consiste essencialmente na execução de candidaturas, para adaptação das instalações, e na aquisição de equipamento para dotar o InnovPlantProtect das condições necessárias ao seu bom funcionamento. Como é óbvio, não nos compete definir o plano de trabalho do InPP, pois não temos competências científicas para isso, mas cabe-nos reunir as condições materiais para que os cientistas possam desenvolver as suas investigações. A Câmara Municipal também apoia na angariação de verbas, porque há determinado tipo de financiamento que só se consegue por via dos agentes instalados no território.
O Programa dos CoLab não financia a construção de instalações?
Não, por isso é que tivemos que arranjar uma estrutura já existente. O INIAV disponibilizou o espaço, mas este ainda não está preparado para aquilo que se pretende fazer. É indispensável fazer obras.
Em que fase está o processo?
Diria que está em bom ritmo. Tudo isto dá muito trabalho e leva tempo a materializar. Primeiro, tivemos que encontrar um local para o InPP. Depois foi necessário aferir o tipo de intervenção que deve ser realizada. Seguiu-se a apresentação de projetos e a identificação dos equipamentos necessários. Também submetemos as candidaturas, que já estão aprovadas, e, recentemente, lançámos os concursos para a aquisição do equipamento, que já está adjudicado, e para a realização das obras, que esperamos possam iniciar em meados de novembro.
E prevê data para a conclusão das obras?
Se tudo correr bem, penso que estará tudo a funcionar em pleno daqui a um ano. No entanto, a atividade do InPP não está totalmente dependente da finalização deste processo. Os investigadores já estão a trabalhar há alguns meses.
Por que é que Elvas foi a cidade eleita, entre tantas no interior de Portugal com potencial para acolher o InPP? O que é que Elvas tem que as outras não têm?
Pelas mesmas razões que levaram a autarquia a ser parceira do InPP. Antes de mais, porque o INIAV está instalado em Elvas e tem espaço para acolher o InPP, além de ser um centro de investigação consolidado há muitos anos. A própria localização de Elvas foi um fator favorável: está num contexto ibérico, é uma cidade transfronteiriça, bilingue, que, juntamente com Badajoz e Campo Maior, é a maior Eurocidade ibérica, com 200 mil habitantes, o que faz com que tenha uma dinâmica local muito própria e lhe permite ser o maior núcleo urbano no eixo entre Lisboa e Madrid. Estas características, somadas à relação que o município de Elvas mantém não só com Badajoz como também com a junta da Estremadura, são seguramente determinantes para atrair investidores e “transportar” para Espanha o conhecimento que aqui vai ser criado. Além das razões apresentadas, não é de desprezar outros fatores, entre os quais a Escola Superior Agrária de Elvas (ESAE), o que permitirá estabelecer sinergias e troca de conhecimento entre o InPP e o Politécnico de Portalegre, a Universidade de Évora e a Universidade Nova. Sendo um projeto que, na minha opinião, vai muito para além da academia – porque vai desenvolver um conjunto de soluções de aplicação prática para resolver problemas concretos -, o InPP é um contribuinte crucial para a criação de valor em Elvas.
Além da criação de valor, de conhecimento científico, que impactos o InnovPlantProtect vai ter? Por exemplo, na economia local, é mensurável?
Mais importante do que a vertente económica é o acréscimo de massa crítica que o Laboratório Colaborativo vai trazer a este território, porque é a massa crítica que desenvolve um território. Estamos a falar de um projeto que agrega uma mais valia que é a investigação e a criação de know-how no desenvolvimento e comercialização de produtos específicos que vão resolver problemas concretos. Para mim, isso é tão ou mais aliciante do que a criação direta de postos de trabalho e o impacto direto na economia. Claro que é fundamental aumentar a população residente, atrair novas famílias, porque consomem bens e serviços locais, fazem mexer a economia.
Existem 26 Laboratórios Colaborativos aprovados em Portugal, mas o InnovPlantProtect é o único a fazer investigação na sua área. Quais são as suas expetativas? Espera que Elvas seja reconhecida como um polo científico no desenvolvimento de biopesticidas e de variedades de plantas resistentes ao ataque de pragas e doenças, que é o mal maior da produção agrícola?
Eu não espero, eu tenho a certeza. A criação de valor científico é difícil de mensurar, mas estou certo de que este projeto vai ser sustentável. Não só conseguirá criar valor científico suficiente para suportar financeiramente toda uma estrutura de investigação como irá ter um papel importante na sua área de investigação, quer no contexto nacional, quer internacional. Penso mesmo que o InPP irá dar cartas no desenvolvimento de novas soluções para a agricultura. Por estas razões, estou convencido que o InPP atrairá a Elvas mais cientistas portugueses e de outros países que trabalham nestas matérias.
Também stakeholders?
Acalento essa esperança. Estou convicto que os produtos que o InPP vai desenvolver serão do interesse de algumas empresas e que estas poderão mesmo vir a criar um cluster a partir deste projeto. Até lhe digo mais: o ideal seria que o InPP fosse o embrião de um projeto maior. Gostaria que o InPP trabalhasse outras áreas dentro da mesma linha de investigação de modo a reunir todas as condições necessárias para se transformar numa instituição académica, que, além de investigação, possa dar formação especializada a alunos de mestrado e de doutoramento. Seria um projeto a longo prazo.
O Ministério da Agricultura está a preparar a Estratégia Agrícola para Portugal. Tendo em conta que os agroquímicos tradicionais estão a ser descontinuados devido aos seus níveis de toxicidade ou ao seu espectro de atuação muito amplo, acha que o documento deverá promover a biotecnologia e as novas tecnologias genómicas para o desenvolvimento de produtos alternativos, como aqueles em que o InnovPlantProtect está a trabalhar?
Bem, sou presidente de câmara e a minha formação é Economia, não percebo nada de biotecnologia, não sou investigador nem agricultor, por isso não sei se Portugal deve investir mais na biotecnologia e nas técnicas de edição do genoma na agricultura. O que sei e advogo é que a política deve tomar decisões com base no conhecimento e, nesse sentido, a futura Estratégia Agrícola para Portugal deve ser definida à luz do saber científico atual. Acredito nos cientistas, defendo aquilo que o InPP defende. Na reunião entre a senhora ministra da Agricultura e os agricultores, que decorreu em Elvas, em 13 de fevereiro deste ano, para auscultar o setor agrícola antes da elaboração desse documento, a Câmara Municipal de Elvas, enquanto parceira do InPP, deu o seu contributo para que a Estratégia contemple as medidas mais adequadas e necessárias para a agricultura nacional. E também enviámos à senhora ministra um parecer, por escrito, que traduz os anseios e as expetativas de cientistas, de agricultores e de outros agentes do setor agrícola.
Nessa reunião com Maria do Céu Albuquerque, a atividade do InnovPlantProtect foi tema de discussão?
Foi, desde logo, porque o encontro se realizou no INIAV. Além disso, o professor Pedro Fevereiro, que dirige o InPP, apresentou o Laboratório Colaborativo durante a sua intervenção nessa reunião.
O InnovPlantProtect está a funcionar há quatro meses. Já há reações da parte dos agricultores e representantes de associações do setor? Estão recetivos à utilização de biopesticidas ou de plantas resistentes a pragas e doenças?
Os agricultores locais estão a par deste projeto e sabem que já está em curso. Penso que o InPP está a ter impacto local e não apenas na comunidade mais restrita da antiga Estação Nacional de Melhoramento de Plantas. Aliás, a própria Escola Superior Agrária de Elvas já foi contactada para a possibilidade de os seus alunos fazerem pós-graduações no InPP. Se os agricultores estão recetivos à substituição dos agroquímicos por produtos alternativos, de base biológica e não tóxicos para as pessoas e para o ambiente, como aqueles que o InPP está a tentar desenvolver, o que lhe posso dizer é que os agricultores estão dispostos a acolher tudo o que os possa ajudar a melhorar o seu trabalho e a sua produtividade. São muito atentos às novidades que surgem no setor e certamente que, se houver novas soluções que substituam eficazmente os pesticidas que estão a ser proibidos, irão aceitá-las de bom grado. Agora, têm é de ser soluções rentáveis, não podem ser mais um custo que os agricultores não possam suportar. Só para concluir, tenho a certeza que não vão faltar agricultores dispostos a apoiar o InPP. Digo-o com conhecimento de causa: na reunião que tivemos com a senhora ministra, os agricultores presentes (e foram muitos, mais de cem) manifestaram várias preocupações, entre as quais a necessidade de aplicar pesticidas para o controlo das pragas e doenças que atacam as culturas, portanto, querem soluções para estes problemas e estão desejosos que o InPP lhas proporcione. Muitos deles já disseram que disponibilizam parte dos seus campos para testes experimentais, se o InPP precisar.
Nuno Mocinha
Licenciado em Economia, é presidente da Câmara Municipal de Elvas desde outubro de 2013, tendo desempenhado anteriormente funções de vice-presidente (2005-2013) e de vereador (2001- 2005). Em 2011, foi deputado à Assembleia da República, eleito pelo círculo de Portalegre. Presidiu, entre 2015 e 2017, à Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo (CIMAA), tendo sido vice-presidente, entre 2013 e 2015, e membro convidado do Comité Diretor do Conselho dos Municípios e Regiões da Europa, em representação da Associação Nacional dos Municípios Portugueses. Há dois anos, integra o Conselho Diretivo da Associação Nacional dos Municípios Portugueses. Foi docente no Instituto Politécnico de Portalegre e na Escola Secundária D. Sancho II de Elvas e Consultor Formador no programa REDE, Formação e Apoio do IEFP.