Portugal ainda não agiu de forma vigorosa para combater a seca e os especialistas avisam que ontem já era tarde – pedem para não se esperar pelo dia em que “já não haverá água nas torneiras”. E dão exemplos: França impôs medidas como a proibição de lavar carros, de regar os jardins e de encher as piscinas. Mas há outra questão: aumentar o preço da água é mesmo uma medida necessária ou trata-se de demagogia? Ah, começou o verão
Está acontecer em 2023 o mesmo de 2022: mais ou menos por esta altura do ano passado, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dava conta de que Portugal continental estava a viver uma situação de seca que era uma das piores dos últimos 100 anos; este ano, os dados mostram um cenário igualmente preocupante. Só no mês de abril de 2023, a seca praticamente duplicou – chegou a 89% do território, com 34% do continente em seca severa e extrema – e em maio a seca chegou mesmo a todo o continente, com 35,2% em seca severa e extrema. Os especialistas alertam que o problema tem de ser atacado estrategicamente e não têm dúvidas de que é preciso agir já, sobretudo nas zonas de maior risco.
Alexandra Azevedo, presidente da associação ambientalista Quercus, defende que Portugal deve seguir o mesmo caminho de outros países, restringindo ao máximo “todos os consumos que possam ser mais supérfluos, como a água das piscinas, dos relvados e dos campos de golfe”. “No imediato, todo o tipo de consumos que não sejam aqueles consumos básicos, essenciais, têm de ser restringidos ao máximo”, sublinha em declarações à CNN Portugal. Dá o exemplo dos espaços verdes urbanos,”que ainda estão muito assentes nos relvados”: “Em plena seca extrema, ainda continuamos a ver muitos relvados perfeitamente regados, o que é um bocado chocante”. Alexandra Azevedo admite que, “provavelmente, esse caminho só vai mesmo acontecer quando já não houver águas nas torneiras, o que não faz de todo muito sentido”.
França é um dos países que já avançaram com medidas vigorosas para o sul do território: é proibido lavar os carros, regar os jardins e encher as piscinas. Também não é permitida a venda de piscinas de jardim, para “evitar que as pessoas sejam tentadas a enchê-las”. As regras foram anunciadas pelo ministro francês da Transição Ecológica, Christophe Béchu, depois de a seca ter atingido o nível de “crise” em quatro distritos e em mais de 40 os níveis terem chegado a “alerta” ou “vigilância”. “As alterações climáticas estão aqui e agora. Precisamos de sair da nossa cultura de abundância”, justificou o governante.
O investigador em alterações climáticas João Camargo não tem dúvidas de que “há consumos que são totalmente injustificados”: “as piscinas em grande escala são absurdas” e ter campos de golfe “em regiões semidesérticas é uma afronta contra toda a gente que vive à volta desses campos de golfe, é imoral e irracional, obviamente”. “As pessoas que querem jogar golfe devem ir jogar golfe na Irlanda ou na Escócia, que são os locais de origem do desporto – porque fazia sentido naquele clima”, diz. “Nenhum campo de golfe devia ser regado neste verão porque é também uma exposição e uma manifestação de como a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres se expressa mesmo nos momentos mais graves. Continuam a regar campos de golfe enquanto o deserto se expande pelo sul do país, enquanto mais de 40% do território está em seca extrema ou severa. Não há uma gota de água que devesse ir para esses campos.”
A associação ambientalista Zero não defende, para já, a proibição total, mas não tem dúvidas de que deviam ser já implementadas medidas fortemente restritivas quanto à rega dos campos de golfe nas zonas de maior risco – o litoral alentejano e o barlavento algarvio. “Se calhar não proibia já mas limitava. Se calhar limitava fortemente a rega de campos de golfe, ou seja, esticava ainda mais a corda no que respeita ao uso da água nos campos de golfe”, defende Francisco Ferreira.
Já em relação às piscinas, o ambientalista propõe “um programa à escala municipal para as piscinas grandes, que garantisse que não há perdas de água nas piscinas – porque às vezes isso acontece até por causa de uma válvula”. Por outro lado, defende uma campanha de alertas dirigida ao turistas para que estes tenham “ações de poupança mais vigorosas do que o normal”. “Precisamos de uma mistura de alguma intervenção técnica com algumas medidas, não de proibição, mas de forte alerta e isso não está a acontecer. Se calhar não preciso de proibir já porque não estou com a corda na garganta, mas também não quero que a corda lá chegue. Se continuarmos assim, vamos chegar à proibição. A questão é evitar lá chegar”, reitera Francisco Ferreira.Quando questionado sobre a eventual imposição de medidas restritivas relacionadas com o consumo de água, nomeadamente a utilização da água para encher piscinas ou para regar campos de golfe, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, descarta para já um cenário proibitivo. “Não vale a pena estarmos a introduzir uma cultura de proibição quando ela, neste momento, ainda não é necessária”, vincou o governante aos jornalistas.
Água mais cara: medida necessária ou demagogia?
Há uma série de medidas que também têm sido objeto de discussão sempre que se fala sobre seca: fala-se muito em campanhas de sensibilização fortes e, não raras vezes, sobre um eventual aumento do preço da água como forma de dissuadir os consumidores de terem gastos desnecessários. Francisco Ferreira, da Zero, defende que essas são vias […]