Estive ontem numa coisa simpática organizada pela Navigator e o Expresso.
Inevitavelmente lá vem a ideia de que a estrutura da propriedade precisa de ser alterada para ordenar a floresta, ordenamento esse que se entende que é a questão fundamental.
A mim parece-me que estas ideias correspondem a dissonância cognitiva relevante: não só o maior valor acrescentado bruto florestal provém das regiões do minifúndio, como o problema não é o facto da estrutura da propriedade ser o que é, o problema é faltar-lhe flexibilidade para se ir adaptando às necessidades da sociedade.
O Estado é muito claro no que pretende: emparcelar, isto é, juntar parcelas, para ordenar.
O proprietário está-se nas tintas para o ordenamento (mais ou menos) e quando emparcela, emparcela para ter ganhos de eficiência na sua actividade.
Por que razão então temos um problema com terrenos abandonados e, ao mesmo tempo, um problema de falta de dinamismo na transacção da propriedade?
Porque o investimento em emparcelamente, frequentemente, não gera ganhos de competitividade que compensem o investimento.
Se o Estado, em vez de querer obrigar os privados a fazer uma paisagem que siga os cânones definidos seja por quem for, resolvesse perceber o problema dos privados, provavelmente, em vez de estar a gastar dinheiro a tentar emparcelar para ordenar, estaria a tentar fazer duas coisas: 1) sair da frente dos processos de emparcelamento, diminuindo ou eliminado os custos de contexto associados ao emparcelamento, quer no trabalhão que dão, quer nos custos associados (por exemplo, eliminar todos os custos, assumindo o Estado os que houver com notários e afins) em todas as transações de terrenos não urbanos nem agrícolas abaixo de dez mil euros. Há um grupo de trabalho que produziu um bom relatório, com coisas úteis para diminuir estes custos de contexto, mas trata-se de tomar aspirinas para controlar sintomas, sem afectar a origem do problema; 2) criar economia que dê valor aos terrenos, levando os proprietários activos a ter recursos que paguem o suficiente para vencer a inércia dos proprietários ausentes e, mesmo assim, ter algum rendimento.
Dizia ontem, e bem, Oliveira Baptista, que o Estado deve reconhecer e perceber a lógica económica dos pequenos proprietários, e alinhar os incentivos das políticas públicas de modo a fazer coincidir o interesse público (por exemplo, ordenar a paisagem), com o interesse privado (criar riqueza, “make a living”, é uma expressão de que gosto para este efeito, arranjar um modo de vida, em português, que me parece menos expressivo), se quer que as políticas públicas dêem resultado.
Talvez fosse boa ideia o Estado mudar o programa e começar a pensar em chamar-lhe: “Emparcelar para enriquecer”, se quiser ter algum resultado.
O artigo foi publicado originalmente em Corta-fitas.