Preside à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil há seis meses, antes foi comandante operacional. Afirma que “não estamos livres de uma conjugação de meios” como a que ocorreu nos grandes incêndios de 2017, mas “estamos mais bem preparados”.
Comando, ranger e paraquedista. Brigadeiro-general, fez carreira no exército onde completou os cursos das três tropas especiais, comandou a brigada aerotransportada independente, foi chefe de Estado-Maior da brigada de reação rápida, comandante do regimento de paraquedistas. Tem um longo e condecorado currículo militar. Já na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, onde chegou em 2018, foi comandante operacional, sendo agora o presidente do organismo, desde há seis meses.
Na tomada de posse definiu a imagem da Proteção Civil como um dos vetores fundamentais do seu mandato. Porquê?
Estabeleci três vetores fundamentais. Primeiro, continuar a ser uma resposta credível para todo o efeito naquilo que é a segurança dos portugueses. Outro, as pessoas, aliás, o primeiro vetor até era o das pessoas. E o terceiro que elegi foi o da imagem, porque aprendi à minha própria custa, através de todo o trabalho que tive como comandante nacional desde 2018, que uma boa imagem de um sistema de proteção civil demora muito a construir. E pode estragar-se muito rapidamente. O problema não é a dificuldade só de construir uma boa imagem, mas é a vicissitude do facto de um evento não controlado poder estragar toda uma imagem de uma instituição que trabalha para ser exemplar. Por isso, temos de ter um cuidado muito grande relativamente a como é que podemos fazer esta gestão da imagem da autoridade. Não é uma imagem para vender. É uma imagem que interessa que os portugueses tenham para ter confiança na sua Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e ter confiança no sistema de proteção civil. Uma sociedade em que os seus cidadãos se reveem naquilo que são projetos de cidadania ativa, ligados à proteção civil, é muito importante para dar precisamente essa serenidade às pessoas. Nós não estamos livres dos vários riscos a que estamos sujeitos, nomeadamente nesta época, com riscos de incêndio. Estamos a fazer tudo o que podemos e o que não podemos para ter um sistema de seguro.
Nessa preocupação com a imagem da Proteção Civil não cabe, portanto, o que aconteceu em 2017? Ou processos judiciais como o das golas antifumo que, entre os arguidos, conta com o seu antecessor, o general Mourato Nunes?
Eu diria que tudo contribui para um projeto de imagem que nós queremos ter da própria autoridade… parametrizando cada um dos fatores que já disse. 2017 foi um sobressalto cívico para todos nós. Acho que não haverá um único dia em que, quando fazemos planeamento da resposta para a época de incêndios, não nos lembremos de 2017. E, portanto, convém não esquecer. Aliás é uma das coisas que eu estou sempre a dizer, ao meu sistema e às pessoas que trabalham comigo: nós não nos podemos esquecer de 2017. E, portanto, essa talvez tenha sido a condição para, definitivamente, investirmos numa maneira diferente e numa maneira integrativa, participativa, e planeada, daquilo que é o sistema de resposta aos fogos rurais. Por outro lado, o caso das golas… o caso das golas é um caso episódico apenas. Apesar de, na altura, eu ser comandante nacional e não ter responsabilidade no projeto da aquisição das golas, estas foram tidas, na altura, apenas como um meio de divulgação de uma imagem. São golas antifumo. E, portanto, acho que houve um excesso de avaliação relativamente àquilo que foi um projeto episódico. Se me perguntar se 2017 tem uma grande influência na imagem que um sistema civil tem, 2017 é definitivamente aquele episódio que tem um projeto e que associa um projeto de construção de imagem que nós temos todos de trabalhar. O caso das golas antifumo eu relevo como uma coisa perfeitamente episódica.
“Não há recursos infinitos para ter um bombeiro atrás de cada árvore. Há é capacidade de planeamento, de pormos os bombeiros onde eles são necessários, mediante riscos e condições meteorológicas.”
Definiu outros dois vetores fundamentais para o mandato: as pessoas e os recursos do sistema de proteção civil. Com que metas?
Começaria pelos recursos. Eu, como militar, sempre me habituei a trabalhar e a cumprir missões com aquilo que tenho e não com aquilo que gostaria de ter. E, portanto, tento fazer um planeamento relativamente às condições de trabalho que eu tenho. Os vários sistemas são os sistemas que apoiam a proteção civil, de comunicação, monitorização, vigilância e reconhecimento. O que eu tenho de fazer é, com os meus colaboradores e que todos os dias trabalham comigo naquilo que é a prossecução de um projeto de proteção civil, obter os melhores resultados com aquilo que temos. Poder-me-ão fazer a pergunta “gostaria de ter mais?” Gostaríamos todos de ter mais. Mas nós sabemos que os recursos são escassos. O país tem outras prioridades. Nos recursos as minhas metas são, pelo menos, não perder aquilo que tenho, continuar a operar com os sistemas que tenho, ir incrementando sistemas de apoio à decisão – e isso foi uma das grandes diferenças de 2017 para agora, foi um investimento que temos feito naquilo que é o apoio à decisão e à capacidade que temos de saber o que é que está a ocorrer no terreno, onde e quem está envolvido, através da geolocalização, do reconhecimento aéreo que, por exemplo, temos sempre na época de incêndios com dois aviões com câmaras térmicas e câmaras visuais a dar-nos a imagem real do que se está a passar. O aspeto das pessoas é talvez o aspeto mais importante. Para além daquelas pessoas que trabalham na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, o sistema tem também mais de 90% das pessoas que integram o sistema e não são da autoridade. Temos os bombeiros voluntários que são elementos de espinha dorsal daquilo que é o sistema de proteção civil. Quer para aqueles que integram o sistema da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil quer para todos os agentes de proteção civil, mas muito especialmente para os bombeiros voluntários, tenho de ter uma visão sobre o que pretendo da sua prossecução, em termos de capacidade de resposta para o sistema. Mas também dar perspetivas de melhoria de vida, carreira, formação.
E como é que pretende fazer isso?
Internamente, finalizar um processo que está sujeito a vicissitudes legislativas e que têm que ver com a finalização dos precários na Autoridade. Tínhamos três grupos de precários, uns que eram técnicos e que trabalhavam no âmbito da sede, os nossos operadores e os bombeiros, ou melhor, os elementos integrantes da força especial de proteção civil. Para os técnicos foi um processo que já acabámos. Está a ser feita a sua integração no quadro. Falta-nos integrar os operadores, que são verdadeiros agentes que participam naquilo que é a importância da própria proteção civil. É um processo em fase de finalização. E serão integrados, respeitando aquilo que neste momento têm garantido. Nada disso está em perigo. Tenho sentido todo o apoio da tutela neste assunto, quer da Secretaria de Estado da Administração Interna quer do próprio Ministério da Administração Interna, e penso que a breve prazo este assunto estará concluído. Relativamente aos agentes do sistema, formação, muita formação técnica, especializada, certificada.
O que é que mudou de substancial depois dos grandes incêndios que ocorreram em 2017?
O nosso futuro começou precisamente logo no início de 2018, quando o meu antecessor, a quem presto a minha homenagem e respeito, iniciou este trabalho, secundado pelo comandante nacional, que era a minha própria função, e que agora, como presidente, continuo a dizer que continuamos a investir para melhorar o sistema. O sistema é um sistema credível. Os portugueses podem ter confiança. É um sistema que está diferente do sistema de 2017. A primeira grande mudança é na questão da aquisição de informação operacional. Nós antigamente, até 2017, tínhamos um modelo muito incipiente da aquisição da informação operacional dos teatros. Trabalhávamos muito por carta, por mapa e hoje temos sistemas eletrónicos, que permitem ter uma visão real do que se está a passar no terreno. A informação é captada quer através dos telemóveis de qualquer um dos elementos que sejam um agente de proteção civil, através de um sistema quick capture, que nos manda essa informação com metadados e com georreferenciação para os próprios comandos. Permite-nos ver o que é que se está a passar no terreno, permite-nos geolocalizar, através da rede SIRESP, saber quem é que está no terreno e permite, a quem tem de tomar a decisão da alocação de meios, deslocar logo os meios iniciais necessários. Por outro lado, a capacidade de rapidamente fazer o pré-posicionamento de meios através do planeamento. Por exemplo, neste fim de semana soubemos que a situação de risco ia estar mais vincada na região do Algarve, retirámos alguns meios aéreos que estavam focados a norte e transportámos esses meios para lá. Onde é que tivemos incêndios? Castro Marim. Temos, também, uma postura mais integrativa, não podemos comandar à distância, temos de comandar com proximidade e estar ao pé das pessoas. Outro fator: planos de contingência. Já o fizemos para a covid, estamos sempre a fazê-los para o a questão dos incêndios. Temos ainda investido muito na tecnologia associada à parte das comunicações. Hoje em dia a rede SIRESP está muito mais capaz, tem redundância, permite-nos fazer um trabalho de planeamento. Sobre o SIRESP, quando, em 2018, tivemos o problema do Leslie, a única forma de falar com os operacionais, e mesmo com os presidentes de câmara que estavam na zona da Figueira, foi através do SIRESP. Nem telemóvel nem telefone fixo, mais nada funcionou a não ser o SIRESP. No Leslie tivemos de chamar oficiais de ligação da EDP e da rede SIRESP para percebermos se houve falha de energia, queda de postes de média e baixa tensão em determinadas zonas e sabemos que temos seis horas para as antenas funcionarem. Não há sistemas absolutos. Temos é de trabalhar com os sistemas e potenciar o