A vindima de 2022 ficará na história e não por bons motivos. Italianos e franceses têm feito eco da irregularidade dos mostos e massas obtidas, que está em linha com as vicissitudes do clima e do calendário, que ocorreram para lá da variedade e diversidade que caracteriza cada vindima por si.
Dá-se a coincidência de estarem armazenadas, neste momento, no Douro, quantidades apreciáveis de mostos e vinhos que, se tivessem um catalisador legal que permitisse a sua destilação, poderiam possibilitar o fabrico duma parte da aguardente que será necessária para benefício do porto na futura vindima. Ainda por cima com a expectativa, transmitida por alguns produtores, de que a quantidade de pipas, que venham a ser anunciadas pelo IVDP como susceptíveis de beneficiação neste ano, venha a ser drasticamente menor do que a média dos anos anteriores (vários ganhos aditivos poderão ser aproveitados para aumentar o preço médio / litro mas não é este o tema deste pequeno artigo).
Entre vendas urgentes e destilação, o Douro terá de fazer escoar cerca de 18 000 pipas, o que permite calcular uma verba necessária para uma destilação de crise a rondar os 8 ou 9 milhões de euros. Poder-se-á argumentar ser uma verba exorbitante, mas muito mais exorbitante será a da contabilidade do prejuízo se nada for feito. E pode ser feito. Os saldos acumulados em taxas cobradas do exercício do IVDP acomodam financeiramente uma operação deste género, que não é inédita em Portugal, como sabemos, e fazer corresponder um acto administrativo desta natureza com o que há muito é reivindicado pelos produtores do Douro é de uma elementar justiça: que fique no Douro o dinheiro das taxas cobradas no Douro e Porto.
Começámos por referir os franceses e os italianos, acima, porque sabemos que têm pressionado a Comissão Europeia para que haja uma destilação de crise. Contudo, também sabemos que a Comissão, não se opondo, faz a mesma depender de financiamentos nacionais. Ora, neste ano tão especial em que tanto está em causa na Região Demarcada do Douro, será o momento de colocar em cima da mesa algo de essencial e não acessório no que é o negócio da região e, por isso, equacionar Douro, vinho e aguardente, é mais importante do que quaisquer outros factos acessórios na política de gestão do negócio. Os produtores sabem-no. O Estado deveria reflectir e dar passos decisivos porque a RDD o tem feito ao contribuir, como contribui, para a balança de pagamentos, para as exportações e para o orgulho nacional. Tem contribuído com as receitas do vinho e do turismo, ambos de grande qualidade, para além dos outros serviços que presta.
A destilação de crise, a ser decidida no mais curto espaço de tempo, é um importante factor de desenvolvimento. Pode achar-se estranha, esta afirmação, sobretudo se lida a uma secretária de gabinete. Mas é verdadeira. Porque uma destilação de crise, num ano como este a seguir a uma vindima como foi a anterior, é um verdadeiro percutor e diapasão para que o preço pelas uvas a ser praticado na próxima vindima não esteja esmagado à partida pelos encargos que resultam se não for feita a destilação de crise. Claro que as empresas a agradecem. Mas muito mais a agradecem os pequenos produtores a quem serão adquiridas as uvas. Porque a muitos só serão adquiridas se agora houver uma destilação de crise.
O Douro de hoje é o sucessor do Douro de ontem. No de ontem, houve homens com estatura para tomarem decisões e praticarem actos que nos legaram este património produtivo invejável em qualquer parte do mundo. Saibamos estar à sua altura.
Consultor e escritor, ex Director Regional de Agricultura e Pescas do Norte, 2011-2018; ex Vice-Presidente do IVV, 2019-2021.